Quando decidiu que a Copa do Mundo seria no Brasil, a Fifa impôs os chamados “stadium agreements”. O estádio que quisesse receber partidas da competição teria de se comprometer a cumprir uma série de requisitos para estar apto abrigar o torneio. A lista incluía também o compromisso de que os donos das arenas arcassem com os custos disso. Dentre eles, dois são especialmente problemáticos, sobretudo porque o evento está a menos de três meses, e os dirigentes de várias arenas ainda não sabem como pagá-los: estruturas provisórias e fan fests. A Fifa fala grosso, joga a responsabilidade para governo e clubes brasileiros e diz que não se responsabiliza por esse custo. Mas a realidade é que, se quisesse, a entidade tem dinheiro em caixa para bancar pelo menos 100 estruturas temporárias do Maracanã.
Pouco antes de estourar a crise econômica mundial de 2008, a Fifa decidiu que iria guardar parte dos lucros obtidos com as Copas para formar “reservas financeiras”. Logo no primeiro ano (2007), eram US$ 643 milhões em caixa. Mais US$ 259 milhões em 2008, outros US$ 159 milhões em 2009, US$ 219 milhões em 2010, e o bolso engordou consideravelmente. No ciclo do Mundial no Brasil, a entidade pôs o pé no freio e colocou na “poupança” US$ 13 milhões em 2011, US$ 64 milhões em 2012 e US$ 75 milhões em 2013. Hoje, soma US$ 1,4 bilhão em reservas financeiras, equivalentes a R$ 3,3 bilhões. Um dinheiro que está parado, no banco, sob a justificativa de que “protege o futuro da Copa do Mundo” e do próprio órgão.
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De volta às estruturas temporárias e aos fan fests, o grande problema é que faltam dois meses e meio para o início da Copa brasileira e a maioria das cidades ainda nem sabe quanto vai gastar. O Diário Oficial do Rio de Janeiro, por exemplo, publicou no dia 18 de março de 2014 que as estruturas provisórias do Maracanã para a Copa vão custar R$ 33,7 milhões. É uma estimativa feita com base nos gastos que foram feitos com o mesmo fim durante a Copa das Confederações. Para a competição de 2013, o governo carioca já tinha despejado R$ 37,7 milhões na arena, segundo dados do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU).
Dinheiro da Fifa, nem pensar. “O que eu posso dizer é que um estádio da Copa não pode ficar sem estrutura. Se a Fifa vai pagar, a resposta é não”, disse Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade, o mesmo que disse tempos atrás que o governo brasileiro merecia um “chute no traseiro” por causa dos atrasos. A conta das estruturas provisórias ficou para o governo, com dinheiro público, caso do Rio de Janeiro e de outras cidades cujos estádios são públicos. Em São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, quem teria de arcar com as despesas seriam os clubes que são donos das arenas, Corinthians, Internacional e Atlético-PR, respectivamente. Mas, como eles relutam em colocar dinheiro em estruturas que serão usadas somente durante a Copa, os respectivos dirigentes buscam verba na iniciativa privada ou do governo para apagar o incêndio.
Com a verba que tem nas reservas financeiras, portanto, a Fifa poderia pagar por 100 estruturas provisórias do Maracanã, caso a previsão do governo carioca se confirme e saiam mesmo R$ 33,7 milhões dos cofres públicos para este fim. Seguramente há dinheiro suficiente parado em caixa para cobrir os custos das estruturas provisórias de todas as 12 cidades-sede. Os R$ 208 milhões que foram gastos com o mesmo fim durante a Copa das Confederações também poderiam ter sido pagos sem arriscar o “futuro financeiro da Copa do Mundo e da Fifa”. Os fan fests também entrariam na conta tranquilamente. Em Recife, onde a prefeitura se negou a pagar a conta e deve acabar acionada na Justiça pela Fifa, pois há um contrato assinado que prevê o pagamento por parte da cidade, o local para shows e patrocinadores sairia por R$ 10 milhões, nas contas da Fifa, ou até R$ 20 milhões, nas contas da prefeitura.
Grosseiramente, a entidade teria capacidade financeira para bancar muito mais gastos, inclusive de reformas de estádios. Os R$ 3,3 bilhões em caixa seriam suficientes para pagar totalmente as obras nas arenas de Cuiabá, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre e Recife, seis das 12 cidades-sede. Mas são estruturas que pertencem ao Brasil, não à Fifa. Tudo bem. Estruturas provisórias e fan fests, não. Tão logo soar o apito final no Maracanã em 13 de julho, começa a desmontagem de estruturas como a que vai custar R$ 33,7 milhões de dinheiro público do governo do Rio de Janeiro. Não fica legado nenhum. Mas como fez questão de frisar Valcke: “se a Fifa vai pagar, a resposta é não”.