Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 estão na boca e no coração do povo e hoje representam um dos grandes assuntos do momento. Quem acompanha o maior evento esportivo do planeta, que será encerrado no próximo domingo (11), vai se deparar com diversas histórias de superação, vitórias, derrotas, medalhas e tudo mais.
E certamente irá trombar com alguma notícia sobre a intensa agenda que o rapper Snoop Dogg tem realizado pela “Cidade Luz”. O “rolê olímpico” desse que já foi um dos principais expoentes do estilo conhecido como gangsta rap (gênero surgido nos Estados Unidos e que fez muito sucesso nas décadas de 1980 e 1990, abordando a realidade violenta das ruas e por vezes exaltando as gangues) nada tem de aleatório.
Na verdade, todos os passos de Snoop Dogg, desde antes do início de 2024, são milimetricamente planejados e integram uma estratégia mais ampla, envolvendo a próxima edição dos Jogos Olímpicos, que acontece em Los Angeles, em 2028. Não é à toa que as transmissões de Paris 2024 quase sempre flagram o rapper nas arenas. Há interesse em vê-lo como parte do evento. É um jogo em que até mesmo o Comitê Olímpico Internacional (COI) acabou sendo conivente com uma emboscada de Dogg que, anos atrás, renderia uma severa advertência a ele.
Dogg busca novos públicos
Quando iniciou sua carreira em 1993, Snoop Dogg tinha uma imagem pública bem distinta da desse sujeito ao mesmo tempo bonachão e irônico, que, aparentando estar deslocado nos diferentes ambientes olímpicos, consegue aproximar os cidadãos comuns (em especial o público mais jovem) do evento em todas as suas dimensões, não apenas esportivas, mas também culturais, turísticas e gastronômicas.
Calvin Cordozar Broadus Jr. (verdadeiro nome do cantor, que hoje tem 52 anos de idade) é nascido na Califórnia e cresceu com o pai ausente. Aprendeu a cantar e tocar piano no coral de uma igreja, mas, na adolescência, passou a apresentar problemas com a lei. Chegou a ser membro da 20 Crips Rollin’, gangue que atuava na costa oeste de Long Beach.
Seu primeiro álbum, Doggystyle, de 1993, trazia alguns dos principais elementos que caracterizavam o gangsta rap. O modo como o estilo musical retratava a realidade crua e violenta das ruas das metrópoles norte-americanas serviu para atrair a atenção de um público imenso, formado não apenas por pessoas que vivenciavam essa rotina nos guetos, mas também por outros segmentos sociais.
Da mesma forma que a associação a essa ideia de violência do mundo das gangues serviu para dar notoriedade a Snoop Dogg e seus parceiros de gênero, tal característica serviu para, aos poucos, tornar o gangsta rap e seus expoentes uma espécie de problema para o mainstream musical.
A partir dos anos 2000, enquanto as grandes cidades dos Estados Unidos adotavam as políticas de segurança pública batizadas de “Tolerância Zero”, que resultaram no encarceramento de milhões de jovens negros, latinos e de outras minorias étnicas (atualmente, o país tem 2,2 milhões de pessoas vivendo em penitenciárias, o que representa a maior população carcerária do mundo), a cena musical passou a priorizar um novo estilo de rap, com pegadas mais românticas ou então ostentatórias.
Com a mesma sagacidade do beagle de quem emprestou o nome artístico, Snoop Dogg soube se reinventar, passando a apostar em uma pegada mais pop e em seu estilo debochado, para se afastar da imagem de malvadão. Não apenas conseguiu emplacar diversos sucessos na música, como também conquistou papéis cômicos relevantes em filmes, séries e até animações como Futurama ou Bob Esponja.
Uma vez elevado à condição de ícone pop e quase que uma unanimidade nesta fragmentada sociedade cada vez mais digital, Snoop Dogg estava quase que fadado a aterrissar na cobertura esportiva do país que transforma tudo em espetáculo.
Em 2021, ele foi convidado pela emissora NBC para fazer a cobertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão, realizados naquele ano devido à pandemia da Covid-19. A participação do rapper como comentarista ao lado do comediante Kevin Hart rendeu diversos momentos hilariantes, que viralizaram nas redes, especialmente durante as provas de hipismo.
Da mesma forma que soube transformar sua base de fãs ao longo da carreira, Snoop Dogg demonstrou, ali, que poderia ser fundamental para ajudar a tradicional emissora de TV a furar a bolha e dialogar com novos públicos. E assim, no começo deste ano, ele foi confirmado como uma das principais atrações do canal em Paris 2024.
NBC, COI e Snoop: a estratégia em Paris
Além de possuir quadros fixos dentro da programação da NBC relativa aos Jogos Olímpicos de Paris 2024, Snoop Dogg também realiza a cobertura do evento para o Peacock, serviço de streaming da emissora. Produzindo conteúdos inusitados, carregados de bom humor e que são pensados para viralizar nas redes, ele tem ajudado a atrair novos espectadores para a cobertura da NBC.
Contribuem para isso não apenas seu sorriso irônico e sua veia debochada, mas também sua atitude transgressora, sempre se deixando fotografar ou filmar com um baseado na mão. Essa associação com a maconha serviu inclusive de inspiração para o pin personalizado, que o cantor distribuiu a atletas, trazendo sua imagem baforando anéis olímpicos em forma de fumaça.
Um deles foi entregue à tenista norte-americana Coco Gauff, que acabou sendo eliminada nas oitavas de final da disputa feminina.
Mas a presença do cantor/celebridade/influenciador em Paris não tem apenas a finalidade de alavancar a cobertura dos Jogos de 2024 na emissora norte-americana. Ela integra a própria estratégia de marketing da próxima edição do evento, que terá a NBC como principal parceira de mídia e grande alavanca para aumentar o alcance – e o faturamento – dos Jogos.
Apresentando os Jogos
A próxima edição dos Jogos Olímpicos será realizada em Los Angeles, terra natal de Snoop Dogg. A forte presença do astro em Paris, competindo em atenção com as maiores estrelas do esporte, serve para aproximar o público do evento que ocorrerá em 2028, nos Estados Unidos.
Nesse caminho, o rolê de Snoop Dogg é pelas diferentes modalidades esportivas que, por vezes, não são tão populares assim para o público americano. Ou que, em certos casos, são extremamente famosas e movem o “espírito olímpico” do público. Nesta semana, por exemplo, ele foi clicado com Martha Stewart, ambos vestidos de jóqueis, ao lado dos cavalos que disputariam provas de hipismo.
Ele ainda caiu na piscina com ex-nadador Michael Phelps, ganhador de 28 medalhas olímpicas, sendo 23 de ouro, em cinco edições dos Jogos.
E acompanhou um jogo de vôlei de praia, na arena instalada ao pé da Torre Eiffel, principal ícone da cidade de Paris.
#FollowtheDogg
A presença do músico nos Jogos Olímpicos na França é potencializada com o uso da hashtag #FollowtheDogg, parte do projeto da NBC, em que o astro produz conteúdos em diversas circunstâncias durante o evento.
Levantamento feito a partir da plataforma BrandMentions mostra que a estratégia olímpica envolvendo Snoop Dogg obteve êxito, especialmente em sua tentativa de furar a bolha do esporte e levando um novo público a acompanhar as andanças do artista por Paris e, claro, as diferentes modalidades praticadas nos Jogos Olímpicos.
Apenas nos últimos sete dias, os conteúdos com a hashtag #FollowtheDogg alcançaram 428,2 milhões de pessoas em todo o mundo, em diferentes redes sociais.
Os conteúdos produzidos pelo rapper dentro desse projeto obtiveram 2,1 milhões de compartilhamentos e 2,1 milhões de curtidas.
Não foi à toa que Snoop Dogg foi um dos convocados para conduzir a tocha olímpica, antes da abertura dos Jogos deste ano. Mais do que uma celebridade participando de um evento esportivo, o mundo estava diante de uma complexa estratégia de marketing, que deverá ter repercussões desde Paris até Los Angeles, daqui a quatro anos.