Os próximos Jogos Olímpicos de Verão, que ocorrerão em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 2028, serão marcados pelo retorno das competições de críquete, após quase 130 anos de ausência no evento.
A primeira e única participação olímpica do esporte criado na Inglaterra foi nos Jogos de Paris, na França, em 1900.
O críquete, que está longe de encabeçar a lista dos esportes preferidos na terra do “Tio Sam”, fará companhia a modalidades famosas no país-sede, como beisebol, flag football, lacrosse e squash.
Mas a escolha do críquete não foi aleatória. Os organizadores dos Jogos de Los Angeles procuraram incluir em seu programa olímpico modalidades diretamente ligadas a algumas das ligas mais ricas e populares do planeta.
Isso explica, por exemplo, a inclusão do beisebol (que tem como principal expressão a MLB) e da variação do futebol americano flag football (modalidade hoje impulsionada pela NFL).
Mas e o críquete? Esse esporte, que utiliza tacos e lembra um pouco o beisebol criado nos Estados Unidos, pode não ser tão famoso no Ocidente.
E mesmo na Inglaterra, seu país de origem, ele segue forte, mas é totalmente ofuscado pela Premier League.
Porém, o críquete se tornou uma paixão das massas em países do Sul Asiático, que é uma das regiões mais populosas do planeta.
Hoje, é o principal esporte em antigas colônias britânicas, como Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka e Índia, que sedia a maior liga de críquete do mundo, a Indian Premier League.
A estimativa é de que o críquete tenha em torno de 1,5 bilhão de fãs assíduos nesses quatro países. Isso faz com que a presença do esporte nos próximos Jogos Olímpicos seja tão estratégica, uma vez que ajudará a turbinar a audiência e a repercussão do evento nessa região do globo.
Não por acaso, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu programar as partidas da modalidade para horários mais acessíveis ao público do Sul da Ásia. A presença do esporte é vista como um trunfo para potencializar a venda dos direitos de transmissão de Los Angeles 2028 para o mercado indiano.
Questões geopolíticas
Realizada no último domingo (14), em Dubai, a partida entre Índia e Paquistão, válida pela Copa da Ásia de Críquete, tornou-se um dos assuntos mais comentados das redes sociais em todo o planeta durante o fim de semana.
É fato que o evento carregava outros componentes, que ultrapassam a esfera esportiva. As duas nações, que na época colonial integravam um mesmo território, acabaram se separando após a independência, em 1947.
Desde então, vivem um clima de tensão bélica constante, situação que é agravada por disputas territoriais (o Paquistão reivindica a região indiana de Jammu e Caxemira, que é de maioria muçulmana). E os dois países possuem armas nucleares, o que acaba por atrair ainda mais a atenção global para esse conflito.
Em abril deste ano, ambos quase chegaram à guerra de fato, após um ataque promovido pelo grupo Frente de Resistência, que matou 26 civis na cidade de Pahalgam, na Caxemira indiana.
Em maio, a Índia respondeu com um ataque aéreo a nove locais situados na Caxemira e no Panjabe paquistaneses.
A partir de então, as duas nações passaram a retaliar com drones e mesmo mísseis. Até que, em 10 de maio, após quatro dias de hostilidades, resolveram promover um cessar-fogo. Desde esse dia, ambas passaram a se declarar vencedoras do conflito, embora não exista um ganhador claro.
Voltando à esfera esportiva (mas nem tanto assim), na partida de críquete, a Índia levou a melhor sobre o arquirrival, por 131 a 127. O jogo ficou marcado mesmo pela decisão dos atletas indianos de não cumprimentarem os paquistaneses.
Mike Hesson, técnico do Paquistão, apresentou queixa formal ao árbitro da partida, por conta da postura dos adversários.
O presidente do Conselho Asiático de Críquete, Mohsin Naqvi, lamentou o ocorrido, em publicação feita no X.
“É decepcionante ver a falta de espírito esportivo. Política não deveria se envolver”, afirmou.
O capitão do time indiano, Suryakumar Yadav, dedicou o resultado da partida às vítimas do ataque ocorrido em Pahalgam.
“A nossa vitória foi uma resposta perfeita”, enfatizou.
Uma das maiores ligas do mundo
País mais populoso do planeta, a Índia sedia a maior e mais badalada liga de críquete do mundo, a Indian Premier League, que, em termos de finanças, só perde proporcionalmente para a NFL, dos Estados Unidos.
Ela é no formato conhecido como Twenty20 (ou T20), o mesmo que será adotado nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028, em que cada equipe tem direito 20 overs (conjunto de seis arremessos realizados por um jogador), com as partidas durando de três a quatro horas.
Isso pode parecer muito quando comparado a um jogo de futebol de 90 minutos, mas vale lembrar que, em alguns formatos do críquete, um confronto pode levar até cinco dias para ser concluído.
No modelo T10, adotado por algumas ligas como a do Sri Lanka, o número de overs é reduzido para dez por equipe, e as partidas costumam durar em torno de 90 minutos.
Em termos absolutos, a Indian Premier League pode ainda ficar atrás da NBA, por exemplo, que recentemente vendeu seus direitos de transmissão por US$ 76 bilhões para Amazon, NBCUniversal e Disney.
Em contrapartida, a liga de críquete da Índia faturou US$ 6,4 bilhões pelos contratos de mídia firmados com Viacom18 e Star Sports, em 2023.
A diferença, porém, é que a NBA conta com 30 franquias, enquanto a Indian Premier League possui apenas dez times. Ou seja, na competição de basquete, mais times entrarão na divisão do bolo.
O contrato da liga norte-americana é válido por 11 anos e contempla uma série de eventos realizados ao longo do ano.
Enquanto isso, o acordo de mídia firmado pela organização indiana tem quatro anos de duração e envolve um calendário muito mais curto, que vai de março a maio (período menos sujeito à ocorrência de ciclones e tempestades, que impediriam a realização de partidas ao ar livre).
Isso faz com que os direitos de mídia de cada partida da Indian Premier League sejam cotados em US$ 13,4 milhões, ficando atrás apenas da NFL (US$ 17 milhões por jogo).
Atualmente, o valor de marca da liga indiana está cotado em US$ 11 bilhões. E as equipes passam por um processo constante de valorização. Em 2021, por exemplo, quando venceu a licitação para a criação da nova franquia Gujarat Titans, a CVC Capital Partners pagou US$ 620 milhões na taxa de expansão.
Em fevereiro de 2025, o fundo de investimentos vendeu 67% das ações da equipe para o Torrent Group, por US$ 575 milhões, mantendo 33% do capital. Isso significa que o valor de mercado do Gujarat Titans subiu para US$ 858 milhões.
Por estarem em uma liga fechada, sem sistema de rebaixamento, os times da Indian Premier League acabam se convertendo em um investimento atrativo para os grandes grupos internacionais, já que as chances de perderem valor de mercado são mínimas.
Além disso, as equipes do país reúnem jogadores de forte apelo midiático, dos quais o maior destaque é Virat Kohli, que tem 273 milhões de seguidores no Instagram, estando à frente de nomes como Neymar, Jennifer Lopez, Miley Cyrus, Kate Perry ou mesmo da conta oficial do Real Madrid.
Modelo de contratação
Hoje, vigora na Indian Premier League a regra de teto salarial total de US$ 13,6 milhões. Os times são obrigados a investir no mínimo 75% desse montante em cada campeonato.
As contratações ocorrem por temporada, por meio de um leilão em que as franquias fazem ofertas abertas e os jogadores decidem atuar por aquela que fizer a melhor proposta salarial.
Há casos, porém, em que a franquia pode reter atletas por mais de uma temporada. A cada três anos, é realizado um megaleilão, que limita as possibilidades de retenções por equipe.
Com isso, de tempos em tempos, os times são obrigados a reformular seus elencos, graças a essa regra que busca garantir maior paridade na competição.
O salário médio de um jogador da Indian Premier League está em US$ 1,4 milhão.
Multiclubes
O sucesso financeiro da liga indiana tem permitido aos grupos proprietários das franquias locais expandirem suas atividades para outros países.
Em 2023, por exemplo, o GRM Group, dono do Delhi Capitals, tornou-se um dos investidores do Seattle Orcas, dos Estados Unidos.
A empresa possui ainda equipes de críquete no Reino Unido (Southern Brave), Emirados Árabes Unidos (Dubai Capitals) e África do Sul (Pretoria Capitals).
As franquias da Indian Premier League são, na verdade, as principais investidoras da Major League Cricket (MLC), dos Estados Unidos, fundada em 2023 e que atua no formato T20.
Os outros times indianos que possuem franquias na liga norte-americana são: Chennai Super Kings (Texas Super Kings), Kolkata Knight Riders (Los Angeles Knight Riders) e Mumbai Indians (MI New York).
A expansão da MLC, de um esporte extremamente popular em uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, é um dos fatores estratégicos que explicam, também, a presença do críquete nos Jogos de Los Angeles.
Além dos investimentos no exterior, alguns times da Indian Premier League ainda possuem franquias atuando na Women’s Premier League (WPL), casos de Royal Challengers Bengaluru, Delhi Capitals e Mumbai Indians. A competição feminina foi lançada em 2022 e conta atualmente com cinco equipes.