A Anistia Internacional, o Human Rights Watch e mais oito outros grupos de direitos humanos pediram coletivamente que a FIFA doe US$ 440 milhões como um fundo de compensação para centenas de milhares de trabalhadores migrantes que teriam sofrido abusos durante a preparação para o torneio em novembro.
O pedido se deve ao fato de a FIFA ter demorado em se preocupar em proteger os trabalhadores que migraram em massa ao país para trabalhar nas obras de infraestrutura da Copa do Mundo. Recentemente, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, afirmou que os migrantes receberam “dignidade e orgulho“ ao trabalhar no Catar.
Em carta aberta enviada a Infantino, a coalizão de dez ONGs afirmou que a federação deveria trabalhar com o governo do Catar para “estabelecer um programa abrangente para garantir que todos os abusos trabalhistas para os quais a FIFA contribuiu sejam remediados”.
“Faltando seis meses até a abertura da Copa do Mundo da FIFA Catar 2022, centenas de milhares de trabalhadores migrantes não receberam reparação adequada, incluindo compensação financeira, por graves abusos trabalhistas sofridos durante a construção e manutenção da infraestrutura essencial para a preparação e entrega da Copa do Mundo no Catar”, acusa o documento.
A FIFA deve reservar um valor não inferior ao prêmio em dinheiro de US$ 440 milhões oferecido às equipes participantes da Copa do Mundo para ser investido em fundos para apoiar a remediação.
Fundo de indenização
Os signatários da carta contam com entidades como grupos de defesa dos direitos dos trabalhadores migrantes, sindicatos de trabalhadores, torcedores de futebol, sobreviventes de abusos e grupos que promovem o respeito aos direitos humanos. Esse grupo pede que o fundo compensatório tenha valor equivalente ao total de prêmios em dinheiro que a federação oferecerá às seleções.
“A FIFA deve reservar um valor não inferior ao prêmio em dinheiro de US$ 440 milhões oferecido às equipes participantes da Copa do Mundo para ser investido em fundos para apoiar a remediação”, diz a carta.
Segundo as entidades signatárias, o governo do Catar não investigou “as causas das mortes de milhares de trabalhadores migrantes desde 2010”, em referência ao ano em que o Catar ganhou o direito de abrigar o Mundial.
Embora reconheça o progresso feito para proteger os direitos dos trabalhadores no país, a carta, escrita pela secretária-geral da Anistia, Agnès Callamard, afirma que a FIFA e o Catar “podem e devem agir para fornecer reparação e impedir que novos abusos ocorram”.
Trabalhadores estrangeiros, principalmente do sul da Ásia, representam mais de 2 milhões da população de 2,8 milhões do Catar, um dos poucos países no mundo em que a população estrangeira é maior do que a autóctone. O histórico do país do Oriente Médio já deixava claro os problemas que ocorreriam ao se programar um evento por lá.
“Dado o histórico de violações de direitos humanos no país, a FIFA sabia – ou deveria saber – os riscos óbvios para os trabalhadores quando concedeu o torneio ao Catar. Apesar disso, não houve uma única menção a trabalhadores ou direitos humanos em sua avaliação da candidatura do Catar e nenhuma condição foi colocada em proteções trabalhistas. Desde então, a FIFA fez muito pouco para prevenir ou diminuir esses riscos”, critica a carta.
Sem indenização
A Anistia Internacional cita o caso de Manju Devi, de 38 anos, do Nepal, cujo marido, Kripal Mandal, 40, morreu no Catar. Atualmente, Manju tenta quitar empréstimos feitos pelo marido para pagar taxas de recrutamento, que são ilegais no Catar, mas há pouca fiscalização. Kripal, que trabalhou em obras de estádios e do aeroporto, teria sofrido um ataque cardíaco.
“Não posso dizer qual é a razão de sua morte. Se é a causa que eles relataram ou algo mais, não sabemos dizer. À noite ele estava conversando normalmente e rindo. Mas ele faleceu por volta das 3h da manhã do dia seguinte”, contou a viúva, em entrevista à Human Rights Watch.
Manju, que é mãe de cinco filhos, não recebeu nenhuma indenização pela morte do marido. Seu empregador também não pagou os 15 dias de salário que lhe eram devidos contratualmente. “Quando ele era vivo, havia uma garantia de que tinha alguém que recebia um salário. Agora, depois que ele faleceu, não temos mais nosso ganha-pão. É muito difícil”, lamentou.
Sem direitos
As ONGs relatam que as reformas dos direitos trabalhistas chegaram muito tarde para muitos trabalhadores. E que as mudanças na legislação ainda são insuficientes e pouco respeitadas. Infantino, por sua vez, destacou, durante fala no Congresso da UEFA, que houve “progresso inegável“ na questão dos direitos humanos no Catar.
“Um grande número de trabalhadores migrantes morreu porque o Catar não tinha um marco de direitos humanos que protegesse os trabalhadores e lhes permitisse denunciar condições de trabalho perigosas, trapaças salariais e trabalho forçado. Os trabalhadores não deveriam morrer para concluir as obras da Copa do Mundo ou qualquer megaevento esportivo”, declarou Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch.
A FIFA precisa trabalhar com as autoridades do Catar para estabelecer um programa abrangente e enfrentar os abusos sofridos pelos trabalhadores migrantes.
Em 2016, a FIFA adotou os Princípios Orientadores das Nações Unidas para Empresas e Direitos Humanos e incorporou sua responsabilidade de respeitá-los em seu estatuto. A federação também criou um Conselho Consultivo de Direitos Humanos independente, contratou especialistas no tema e criou um mecanismo de denúncia para defensores da causa.
No ano seguinte, a entidade adotou o compromisso de que direitos humanos são obrigatórios para todos os órgãos e funcionários da FIFA. Apesar desses avanços, as ONGs afirmam que não é possível simplesmente deixar o passado recente de abusos no Catar para trás.
“A FIFA precisa trabalhar com as autoridades do Catar durante os próximos seis meses, que antecedem a Copa do Mundo de 2022, para estabelecer um programa abrangente e enfrentar os abusos sofridos pelos trabalhadores migrantes”, pleiteia a carta da coalizão de entidades defensoras dos direitos humanos.
Por fim, as entidades pedem apoio de jogadores, torcedores, federações nacionais de futebol e patrocinadores da FIFA para a implementação do fundo indenizatório.
“A morte de trabalhadores migrantes no Catar tem causado um enorme impacto emocional e financeiro em suas famílias. De acordo com os compromissos de direitos humanos da FIFA e as obrigações do Catar, ambos precisam fornecer reparação financeira aos trabalhadores migrantes prejudicados na construção da Copa do Mundo, proporcionando um alívio financeiro às famílias em dificuldades“, finalizou Worden.