Na redação de um dos principais jornais diários do Brasil costumava-se contar a anedota de que certo repórter de esporte, enviado especial aos Jogos Olímpicos de Munique 1972, atrasou ao máximo a comunicação com a base no Brasil no dia em que ocorreu o atentado terrorista do Setembro Negro à delegação de Israel. Ao final do dia, mandou uma mensagem sintética: “Como não houve competição, não escrevi nada hoje”.
A história pode parecer patética nos dias atuais, mas é preciso olhar para a realidade da época. O jornalista pode se ver envolvido em uma cobertura bem distante da que pretendia fazer e para a qual muitas vezes não estava preparado.
Foi esse o caso dos profissionais do esporte da ABC, TV dos Estados Unidos que cobria aquela edição das Olimpíadas. Eles foram surpreendidos pela invasão dos alojamentos da delegação de Israel pelo grupo palestino. O acontecimento é retratado no filme Setembro 5, que estreia nesta quinta-feira (30) nos cinemas.
Há um despreparo geral para lidar com a crise de segurança. Não havia guardas armados em todo o perímetro da Vila Olímpica, nem alguma forma de controle eficaz no acesso aos alojamentos.
É famosa a história de que quando os guardas viram, de madrugada, um grupo de homens pulando os muros da Vila trajados com uniformes com as três listras da Adidas, que era onipresente em Munique 1972, acreditaram que eram apenas atletas voltando escondidos da balada.
Ética
Na cabine de transmissão da ABC, que coincidentemente ficava ao lado da Vila Olímpica, o primeiro dilema acontece logo após a descoberta do ataque. Tiros são ouvidos vindos dos alojamentos. Dois integrantes da delegação de Israel já tinham sido mortos quando Geoff Mason (interpretado por John Magaro), chefe da cobertura olímpica, ouve o conselho de que deveria abandonar aquela transmissão: “Sem ofensas, pessoal. Vocês são do esporte. O jornalismo devia assumir”.
Mas a equipe de esporte se desdobra nos bastidores para mostrar as ações. Superando as limitações técnicas da época, as câmeras do estúdio são posicionadas fora da cabine de transmissão para conseguir captar imagens ao vivo da ação dos terroristas nas sacadas da Vila.
“Tentamos levantar questões éticas, que são tão relevantes agora como eram naquela época, sobre as responsabilidades e impactos das reportagens de crise e nosso consumo sobre elas”
Tim Fehlbaum, diretor de Setembro 5

Recriação
Aproveitando a ineficácia do controle policial, Gary Slaughter (Daniel Adeosun) se disfarça como membro da equipe de atletismo dos Estados Unidos para contrabandear rolos de filme 16mm com cenas do sequestro. Os rolos precisam ser revelados antes de ir ao ar.
O clima analógico e quase artesanal com que os produtores tinham que lidar nos anos 1970 é bem retratado em Setembro 5. A sala de transmissão foi recriada a partir da planta original do switcher da ABC em 1972.
Os equipamentos da época foram obtidos com colecionadores e recuperados para funcionar durante as filmagens. As imagens feitas pela ABC na época foram reproduzidas nos monitores do switcher, dando mais veracidade às reações dos personagens envolvidos na transmissão. Até a coloração do filme dá um ar retrô ao desenrolar da história.
Ao vivo
Era a primeira vez que um atentado terrorista era mostrado em tempo real e a equipe da ABC se vê envolvida em dilemas nunca antes enfrentados pelos jornalistas de qualquer área, não só do esporte. As câmeras exibem um refém ameaçado por uma arma. E se houvesse um tiro ao vivo? É complexo lidar com esses novos problemas quase 30 anos antes do 11 de Setembro, ocorrido em 2001.
As transmissões mostram uma tentativa frustrada da polícia alemã de invadir o alojamento de Israel, simplesmente porque os terroristas assistiam à transmissão da ABC pela TV. Incrivelmente não havia sido cortada a luz no prédio invadido. Não há protocolo de ação da polícia, despreparada para lidar com um caso desse tipo.
O resultado do ataque é conhecido do público, mas como isso afetou a produção do jornalismo a partir dali? Entre erros e acertos, talvez Setembro 5 mostre o dia em que o jornalismo esportivo tenha vivido seu dia mais heroico – mesmo que frustrante.