2021 foi o ano em que, pela primeira vez, muitos ouviram falar de Web3, NFTs, fan tokens, blockchain e todas estas nomenclaturas e conceitos que, até certo ponto, são complicados de serem compreendidos rapidamente. O ciclo de alta do mercado cripto ajudou nesta popularização, mesmo que pelos motivos errados: dada a abundância de liquidez, basicamente qualquer produto lançado era um sucesso e gerava milhares ou milhões. Isso alimentou notícias e mais notícias sobre “dinheiro fácil” na grande imprensa, o que estimulou a entrada de mais e mais pessoas.
Foi com esta mentalidade que várias organizações esportivas começaram a se aventurar neste novo mundo. Muita experimentação, sem critérios definidos, apenas para testar na prática ou simplesmente tentar surfar na moda e conseguir uma grana não planejada no orçamento. Até aí tudo bem.
Mercados em alta são mesmo boas oportunidades para geração de receita. Mercados em baixa, por outro lado, são momentos de construir pensando no longo prazo. E é justamente o que estamos vivendo agora. O esporte precisa começar a pensar em sua estratégia de Web3 para evitar o que aconteceu (e ainda acontece) em sua transformação digital: uma desorganização de bases de dados e diferentes provedores de serviço que não se falam, o que acaba atrapalhando exatamente a realização de tal transformação.
Construção de longo prazo
É supercomum chegar em clubes de futebol e dar de cara com diversos pontos de contato com torcedores, cada um exigindo seu próprio cadastro e gerando bases de dados distintas. O resultado é que existem 5, 6, 10 “Felipes Ribbes”, quando, na verdade, deveria existir apenas um perfil. Esse problema não é exclusividade do esporte; acontece em outros setores também. Apesar de termos um movimento para consertar isso, fazê-lo depois de anos de bagunça completa é muito mais complicado. Na Web3, existe uma chance clara de ser diferente.
Há, entretanto, diferenças conceituais relevantes. Enquanto o modelo de SaaS tradicional é baseado em estruturas fechadas, a Web3 tem como essência três elementos que representam o oposto: interoperabilidade, descentralização e composição. O problema central deixa de ser trabalhar com diferentes empresas e aplicações, e passa a ser sobre qual blockchain tais aplicações são construídas.
Aqui entra o primeiro elemento, a interoperabilidade. Existem milhares de blockchains, cada uma com vantagens e desvantagens, dependendo para o que serão utilizadas. Porém, nem todas conseguem se comunicar entre si, ou seja, nem sempre é possível transferir ativos e dados entre elas. Apesar de existirem soluções para isso no mercado, colocá-las em ação ainda é complexo e não é 100% seguro, o que torna fundamental ter isso em mente antes de decidir qual caminho seguir. O ideal, aliás, seria ter toda a estratégia de Web3 baseada em uma única blockchain, de preferência uma com bastante lastro de aplicações desenvolvidas sobre ela.
Uma vez definida a blockchain, não é a organização que precisa se plugar à estrutura das empresas que oferecem soluções, e sim o contrário, já que todas passam a compartilhar a mesma base de dados (aqui a supracitada descentralização). E se alguma nova solução for oferecida ou se mostrar necessária, é possível desenvolvê-la e integrá-la ao todo com muito mais agilidade, pois não se começaria do zero. Isso graças ao terceiro elemento, a composição.
A composição permite que até quem não faz parte oficialmente de um ecossistema de uma organização possa se beneficiar ao construir produtos baseados em NFTs ou token fungíveis já existentes. Por exemplo, uma empresa pode criar um e-commerce no qual quem tem um NFT de um clube, automaticamente, tem acesso a peças exclusivas ou a descontos, já que os dados deste token (ID, endereço do contrato, etc.) são públicos e podem ser verificados por qualquer um.
Isso muda por completo certos paradigmas da indústria, que sempre usou de sistemas fechados para conseguir contratos longos e desincentivar trocas de prestadores de serviços. O que passa a importar é a qualidade da solução oferecida, a experiência do usuário, o preço, etc. Além disso, quanto mais aplicações forem construídas, maior a utilidade dos tokens, e a tendência é que eles sejam valorizados, o que fará a organização ganhar, mesmo que indiretamente.
Um rápido exemplo prático
Peguemos um exemplo do futebol. Hoje, é normal vermos clubes fechando acordos para lançar NFTs colecionáveis com uma empresa, NFTs de fantasy e de variados games com outras, fan tokens e outros tokens atrelados a experiências com mais empresas, confundindo a cabeça do torcedor. Isso sem contar que, muito em breve, teremos venda de ingressos como tokens, sócio-torcedor 3.0, iniciativas no metaverso, enfim, um monte de outros elementos adicionados à equação.
Por isso, pensar em como todos se falam, desde a concepção da estratégia, é ponto nevrálgico. Um ingresso para uma partida pode se tornar um colecionável digital negociável em marketplace, junto a outros colecionáveis, que por sua vez são elementos do sócio-torcedor tokenizado, que transformará seus pontos em fan tokens, que poderão ser trocados por NFTs de games ou experiências presenciais, e darão acesso a uma área exclusiva na loja virtual com itens de tiragem limitada, com cashback em fan tokens a cada compra e negociação permitida dentro e fora do ecossistema do clube.
Há um oceano de possibilidades, cujo potencial só será 100% aproveitado se tudo estiver interligado, o que é muito mais simples a partir da decisão sobre a blockchain base.
Então, antes de assinar contratos longos e se encantar apenas pelos valores oferecidos, procure entender se lá na frente essa estratégia fará sentido dentro de uma visão macro, para evitar que os mesmos problemas vividos com a Web2 se repitam. Nenhuma receita oferecida por um parceiro no curto prazo se compara ao que se pode gerar, criando algo conectado de ponta a ponta, no longo prazo. Esta é a grande beleza da Web3.
Felipe Ribbe é diretor geral da Socios.com no Brasil, orientador de algumas empresas de Web3, consultor em inovação no esporte e escreve mensalmente na Máquina do Esporte