Por conta dos grandes eventos esportivos que aconteceriam no Brasil, dediquei boa parte dos meus recursos para investir em cursos fora do Brasil.
Em um deles, o Master in Olympic Studies, conheci gente próxima ao mundo olímpico de todas as partes do mundo.
Isso já faz mais de dez anos. E, já naquela época, discutíamos dois pontos importantes: a sobrevivência do movimento olímpico como um todo, em especial certas modalidades, e a “ameaça dos videogames” como alternativa ao público jovem que, em teoria, estava perdendo o interesse nos esportes.
Nesse curso, conheci um rapaz que estava ligado ao decatlo no Reino Unido. Quando perguntei o que o trazia àquele esporte, ele me respondeu que fazia aquilo inspirado pelo filho que era atleta da categoria. Disse que, se não fossem os pais, a modalidade teria ainda mais dificuldade em continuar existindo (em um país que, em teoria, tem todas condições econômicas para tal).
Saí da conversa com a sensação de que boa parte das modalidades existentes são sustentadas por verdadeiros heróis anônimos que se dedicam a manter sua paixão em algum nível de atividade, ainda que isso seja quase amador.
Somado a isso, esportes que precisam de espaço para sua realização sofrem com o avanço imobiliário.
A fórmula econômica demonstrou-se pouco favorável à prática esportiva de diversas modalidades que precisam de espaço para existir.
No fim das contas, culpar o mercado imobiliário ou a indústria de videogames parece ser mais cômodo do que útil na discussão sobre como podemos pensar no fomento dos esportes.
Até tu, Comitê Olímpico?
Quase em seguida ao pronunciamento que a ministra Ana Moser fez sobre o fato de que os e-Sports não são esportes, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou a evolução das suas iniciativas no mundo eletrônico com o Olympic e-Sports Series.
A final da primeira versão do evento será em Singapura, de 22 a 25 de junho.
Você pode saber mais sobre o assunto no site oficial.
Ao todo, são nove modalidades (em parênteses, a federação responsável e o jogo em questão):
- Tiro com Arco (Federação Mundial de Tiro com Arco, Tic Tac Bow)
- Beisebol (Confederação Mundial de Beisebol e Softball, WBSC eBaseball: Power Pros)
- Xadrez (Federação Internacional de Xadrez, Chess.com)
- Ciclismo (UCI, Zwift)
- Dança (World DanceSport Federation, JustDance)
- Motor Sport (Fédération Internationale de l’Automobile, Gran Turismo)
- Vela (World Sailing, Regata Virtual)
- Taekwondo (Taekwondo Mundial, Taekwondo Virtual)
- Tênis (Federação Internacional de Tênis, Tennis Clash)
A propósito, no caso do último item, o jogo Tennis Clash foi desenvolvido pela empresa Wildlife, um unicórnio que nasceu aqui no Brasil.
Na minha humilde opinião, perde-se um tempo gigantesco em desqualificar as competições eletrônicas como representantes ou opções oficiais ao mundo esportivo.
Confesso que, antes mesmo dessa discussão, lá nos tempos analógicos, já ficava refletindo se diversas modalidades (inclusive olímpicas) deveriam ser consideradas esportes.
O fato é que continuo sendo entusiasta de uma união cada vez maior do mundo esportivo com o dos games pelos motivos abaixo:
- Descoberta e experiência: o mundo digital permite atingir pessoas, em diversos momentos do dia, que provavelmente não teriam oportunidade de ver de perto ou ter acesso a essa ou aquela modalidade;
- Escala: videogames são verdadeiras plataformas de relacionamento e podem, com esforços mais focados, atingir pessoas em escala global;
- Real e Virtual: cada vez mais aparecem competições que, baseadas em videogames, permitem que os participantes mesclem o melhor do mundo virtual e real. É o caso de torneios de ciclismo, corrida e remo que, inclusive, já ocorrem no Brasil;
- Conexão com novas audiências: é possível estar presente na vida de pessoas por conta de outros hábitos (jogar videogame, acessar redes sociais, usar o Discord), não aquelas que estão necessariamente ligadas a um esporte específico;
- Criação de cultura e conversas sobre o tema: vi de perto como jogos como Fifa e NBA fizeram com que meus filhos (de 15 e 8 anos) consumissem conteúdo, entendessem regras e descobrissem personagens que eles não teriam tido oportunidade se isso não fosse apresentado a eles por meio dos jogos eletrônicos. Adiciono aqui o fato de que aprendi muito sobre rúgbi graças ao tempo que investi no jogo no meu Xbox;
- Geração de novas receitas: sejam elas ligadas a patrocínios, mídia, influência, venda de direitos, licenciamento e Web3, entre tantos outros meios já disponíveis e conhecidos do mercado.
Não discuto os impactos da prática esportiva nas dimensões físicas, humanas e sociais de qualquer comunidade. Longe disso.
Só acho que se perde muito tempo em encontrar mais um inimigo do mundo dos esportes do que em entender efetivamente como os videogames podem ser uma ferramenta de suporte e desenvolvimento da maioria das modalidades esportivas.
E, nesse ponto, o COI acertou em cheio.
Alessandro Sassaroli é diretor comercial de gaming na Webedia Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte