Junho de 2021. Em um movimento aparentemente bem calculado, os presidentes de Bahia e Flamengo vão à sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) entregar aos dirigentes da entidade máxima do futebol brasileiro um ofício anunciando a criação, “de efeito imediato”, de uma liga reunindo os 40 times das Séries A e B do principal campeonato nacional.
Havia uma unidade de pensamento dos nossos dirigentes de que a liga era um caminho mais lógico para se organizar e gerenciar a principal competição entre clubes do país. Ainda com a pandemia interferindo na geração de receita, a união para tornar o Brasileirão independente da CBF parecia estar mais sólida do que nunca.
O tempo passou. E a liga começou a patinar, em meio a um debate de quanto entraria nos cofres de cada clube no caso de uma eventual venda de 20% da entidade que ainda nem existia para um fundo de investimentos.
Por que não deu liga?
Em dezembro de 2021, já noticiávamos na Máquina do Esporte que a liga provavelmente seria dividida em duas e que, por conta disso, não haveria liga nenhuma, apenas dois grupos comerciais, de tamanhos e pesos diferentes, competindo entre si por um dinheiro que seria fatalmente maior se todos negociassem coletivamente seus direitos.
Essa bola, aliás, já tinha sido cantada por nós em junho de 2020, quando, no auge da pandemia, o governo editou uma Medida Provisória (MP) criando o que depois virou a “Lei do Mandante”.
Em um esforço esdrúxulo para teoricamente diminuir o poder da mídia na negociação dos direitos de transmissão, o Brasil repetiu o roteiro que implodiu o futebol na Itália e na Espanha durante décadas.
Acabamos com a obrigação de dois clubes terem de se unir para vender os direitos de mídia, o que garantia sempre mais poder aos times menores e maior facilidade de controlar o apetite de quem comprava pelo lado da mídia.
Bom para quem?
Hoje, três anos depois, a Lei do Mandante ajuda – e muito – o comprador. Ele não precisa mais conversar com dois times para fechar um negócio. Sendo assim, coloca o preço que quiser pagar por um evento, independentemente de quem estiver negociando.
No meio desse cenário de mudança de lei, os clubes começaram a querer formar uma liga e, pior, tentar vender antecipadamente seus direitos. Só que a necessidade de curto prazo atrapalhou qualquer chance de uma negociação ser bem-sucedida.
Cada clube tem um problema urgente para resolver que, geralmente, envolve fluxo de caixa ou posição delicada na tabela de classificação. Os potenciais investidores da liga perceberam isso. E resolveram apertar a corda. Prometeram investir, desde que houvesse interesse dos clubes em cederem seus direitos. Ofereceram empréstimo a juros baixos para ter a preferência na negociação e, dessa forma, foram minando qualquer olhar de médio prazo dentro dos clubes.
A utopia
Atualmente, a liga é uma utopia. Seria o mundo ideal, mas que o curto prazo fez questão de não permitir que exista.
Pela necessidade do agora, os clubes topam tudo para negociar 20% de suas receitas mais valiosas pelo prazo de 50 anos. Os compradores deverão reaver esse dinheiro investido em menos de 5 anos. Sim. Hoje, compra-se 20% dos direitos pagando o que seria equivalente a 5% do valor pago no atual contrato de TV.
Terceirizar para agentes e fundos de investimentos a criação de uma liga é simplesmente transferir a responsabilidade da organização do futebol para gente que não tem o menor interesse em esperar 50 anos para retomar o investimento.
O futebol brasileiro vendeu a preço de banana o seu maior ativo. E continua achando que fez um grande negócio.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo