Fluminense e Boca Juniors jogarão uma final histórica no Maracanã, no dia 4 de novembro. Para os cariocas, é a oportunidade de conquistar o primeiro título da Libertadores e logo em casa, enquanto para o time argentino, é a chance de ser heptacampeão e igualar o compatriota Independiente como maior vencedor da competição. Motivos mais do que suficientes para que os presentes queiram guardar este momento consigo eternamente. Porém, há um problema: a grande maioria dos ingressos é digital, um QR Code sem graça que apenas permite a entrada no local. Sim, o objetivo principal de um ingresso é esse, mas estamos em 2023 e o que sempre foi um simples tíquete poderia (e deveria) ser muito mais.
Já escrevi por aqui sobre o porquê da tecnologia blockchain representar uma completa disrupção na indústria de bilhetagem (ticketing). Porém, foquei em explicações mais técnicas e aplicações no pré-evento, com elementos como autenticação e controle sobre o cambismo. Hoje, trarei inúmeras possibilidades abertas pela transformação do ingresso em um NFT no pós-evento e usarei a final da Copa Libertadores como exemplo.
Ingressos e tokens, uma combinação perfeita
O primeiro e mais óbvio benefício de ter um tíquete como um token é que, automaticamente após ser emitido, o mesmo se torna um colecionável digital eternizado em uma blockchain. Diferentemente do supracitado “QR Code sem graça”, um token é vinculado a uma imagem, estática ou animada, o que por si só já o torna muito mais atrativo sob o ponto de vista visual e sentimental. Dependendo de quem fez a imagem (um artista famoso, por exemplo), transforma-se em algo ainda mais valioso, até por conta de sua escassez.
Um token também pode ter sua imagem atualizada após o evento, ou seja, o ingresso pode passar a ser uma foto exclusiva da comemoração do título ou o vídeo de um dos gols. Ou ter múltiplas opções e o portador poder escolher a que mais lhe agrada. Isso também, ao menos em teoria, valorizaria ainda mais o colecionável. E se há valor para se colecionar, há a abertura de um mercado secundário para aqueles que querem ter este ativo consigo poderem adquiri-lo e, quem quiser vender, poder ser (bem) remunerado por isso.
De quebra, por estar tudo em uma blockchain, a cada revenda, o emissor do ingresso sempre terá seu percentual de royalties. E isso porque estou tratando apenas do básico, que é o ingresso como um colecionável. A seguir, cada possibilidade levantada tem o poder de aumentar ainda mais seu valor.
Outras oportunidades
Esse ingresso poderia se tornar um meio de acesso direto à loja oficial do clube campeão para a compra de uma camiseta comemorativa, exclusiva para quem foi ao jogo ou tem o token consigo. Ou poderia permitir assistir a um documentário sobre o título em primeira mão. Bastaria habilitar uma função no e-commerce ou na página na qual o filme seria exibido (ou de venda de ingressos, caso o mesmo passasse nos cinemas) para que a pessoa apenas tivesse que entrar, conectar sua carteira para identificar a presença do token e pronto. Experiências assim, conhecidas como “token-gated”, são cada vez mais utilizadas, especialmente por artistas e marcas de moda.
Pelo fato de cada token ter um ID único, o clube campeão poderia ainda sortear (entre aqueles que mantêm os ingressos em suas carteiras) vagas para participar da foto oficial, para receber a taça na sede no dia de sua chegada ou até ser presenteado com uma camisa usada na final.
Sabendo exatamente as carteiras dos detentores dos tokens, o clube campeão ou a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) poderiam, a qualquer momento, presenteá-los com outros tokens comemorativos, vinculados a benefícios de patrocinadores. A Betano ou a Betsson, patrocinadores másteres das duas equipes, poderiam oferecer um token com créditos para apostas; o Zé Delivery, patrocinador de outra propriedade valiosa da camisa do Flu, poderia dar tokens com descontos no aplicativo em caso de vitória tricolor. Todos usando o sistema “token-gated”, uma maneira muito mais simples, barata e mais segura do que com os caminhos tradicionais de integração de base de dados via API (interface de programação de aplicação, na sigla em inglês) ou, pior, com envio de bases via planilhas de Excel.
Aliás, pelo fato de uma blockchain ser pública, as próprias marcas, mesmo as não patrocinadoras, poderiam saber as carteiras dos donos dos tokens e oferecer benefícios a eles sem ter qualquer tipo de acerto formal. E o que o clube ou a Conmebol ganhariam com isso? Muito, já que seriam os ingressos emitidos por eles que estariam liberando tais benefícios, o que valorizaria ainda mais esses ativos, aumentando sua atratividade no mercado secundário (lembre-se dos royalties para o emissor a cada revenda).
Essas são apenas algumas das muitas ações pós-jogo que ingressos como NFTs podem viabilizar. E o melhor é que, como esses tíquetes estão registrados em uma blockchain de forma definitiva, as iniciativas também podem se estender por muitos e muitos anos. Afinal, trata-se de um jogo que ficará marcado para sempre na história. Imaginem outros produtos e eventos comemorativos um, cinco, dez anos depois: encontro com jogadores que estavam em campo, sessão de cinema para assistir ao jogo na íntegra, linhas especiais de vestuário e por aí vai.
E o melhor é que tudo isso já é viável com a tecnologia existente. Há algumas empresas capazes de entregar experiências assim. É só se organizar e fazer. Quem se habilita?
Felipe Ribbe é ex-diretor geral da Socios.com no Brasil e ex-chefe de inovação do Atlético-MG. Atualmente, é diretor global de comunidades DTC na AB-Inbev, orientador de startups de Web3 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte