No último fim de semana, estive presente na segunda edição de 2023 do Bota Pra Correr, o circuito proprietário de running da Olympikus. No entanto, a tão esperada prova no Vale dos Vinhedos (RS) não aconteceu por conta de um tufão que passou pela região na madrugada anterior à prova e causou destruição nas cidades de Bento Gonçalves e Monte Belo do Sul, que receberiam a corrida, além de outras no entorno. Houve, inclusive, pelo menos duas mortes.
Em São Paulo, a etapa da Universidade de São Paulo (USP) da Live! Run XP também foi cancelada. O motivo: previsão de ventos e tempestades que poderiam causar uma tragédia em meio à prova. A capital paulista, aliás, teve diversos eventos ao ar livre cancelados. Por conta da Data Fifa, não houve rodada da Série A do Brasileirão, mas seria bem provável que algum jogo com mando de Corinthians, Palmeiras ou São Paulo fosse remarcado.
No Rio de Janeiro, um evento em um estádio de futebol (no caso, o Nilton Santos) acabou em tragédia, com a morte de uma fã por causa do calor sufocante no show da cantora norte-americana Taylor Swift. Na quinta-feira (16), um dos três campos de gramado sintético do Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, teve pico de temperatura de impressionantes 70oC. Nos últimos dias, a capital fluminense chegou à inacreditável sensação térmica de mais de 59oC.
Em Minas Gerais, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a cidade de Araçuaí alcançou a maior temperatura da história das medições no país no domingo (19): 44,8oC. De volta ao Rio Grande do Sul, os campos do Parque Gigante, centro de treinamento do Internacional, ficaram debaixo d’água nesta terça-feira (21) devido à cheia do Rio Guaíba, que chegou a mais de 3,38m, nível que não era alcançado desde 1941.
Enfim, as mudanças climáticas estão aí. A intensificação do efeito estufa, a intensificação do aquecimento global, o derretimento das calotas polares, o aumento do nível dos oceanos, a seca histórica na Amazônia, queimadas sem precedentes no Pantanal, a chuva forte que não para no Sul, o calor inimaginável no Sudeste.
Nos últimos dias, ficou óbvio que o esporte pode, e muito, ser impactado por qualquer desequilíbrio climático. E a tendência é que isso aconteça cada vez mais, porque o planeta agoniza. Não passou da hora, portanto, de olhar com a atenção devida a essa questão?
É claro que existem bons exemplos. A Fórmula E talvez seja o maior deles, afinal é baseada na sustentabilidade ao colocar nas pistas apenas carros elétricos. No Brasil, o Rio Open de tênis tenta fazer sua parte, assim como a World Surf League (WSL) na etapa de Saquarema (RJ) e o Rally dos Sertões.
No futebol, ainda por aqui, o Palmeiras conta com o programa “Por um Futuro Mais Verde”, por exemplo. Lá fora, o Manchester City lançou uma campanha importante no Dia Mundial da Água deste ano.
E existem outros. Claro que existem. Mas é muito, muito pouco perto da necessidade urgente demonstrada pelas catástrofes naturais que não param de se suceder.
Os tão falados pilares ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês) precisam ser colocados em prática como uma causa realmente urgente. O esporte precisa parar de confundir a luta por uma causa com ação de marketing.
Em uma entrevista recente concedida à Máquina do Esporte, Ary José Rocco Júnior, professor e pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP), afirmou: “não vejo de fato a existência de uma política de responsabilidade social concreta dos clubes, onde seja possível enxergar esse tipo de ação não só do ponto de vista do marketing, para a torcida ver, mas também nas suas posturas e na gestão, diante de determinadas situações em que esses problemas ficam em evidência”.
Não adianta, por exemplo, a Fórmula 1 dizer que está comprometida com o meio ambiente, que fará mudanças nos carros, que compensará o carbono emitido, enquanto gasta mais de US$ 500 milhões com uma corrida em Las Vegas que acabou sem dó nem piedade com o dia a dia dos moradores da cidade. Mesmo os fãs da categoria sofreram, com o cúmulo do desrespeito sendo a primeira sessão de treinos livres, que teve apenas oito minutos e terminou com os torcedores expulsos das arquibancadas. E olha que eles tinham pagado caro para estar ali.
O engajamento de clubes, ligas, campeonatos e qualquer outro player envolvido no esporte precisa ser real. Talvez valha olhar para as marcas esportivas, que saíram na frente há alguns anos nesse quesito. Nike, Adidas, Puma, Asics e Olympikus, por exemplo, possuem ações relacionadas à defesa do meio ambiente. Mas é preciso olhar para isso logo.
Recentemente, em especial no futebol brasileiro, pipocaram camisas em homenagem ao Outubro Rosa, ao Novembro Azul e à Consciência Negra. É claro que conscientizar a população sobre a prevenção ao câncer de mama e ao câncer de próstata, assim como lutar contra o racismo, são ações importantíssimas.
Só que de nada adiantará diminuir o número de casos de câncer e ajudar a acabar com o preconceito racial (além de tantos outros), se não existir um planeta para vivermos esse sonho de uma vida com mais saúde, mais respeito, mais igualdade e mais harmonia.
Para a Ciência, 2030 é a data limite para que a humanidade consiga reverter os impactos causados por ela mesma, principalmente após a Revolução Industrial iniciada no Século XVIII.
O esporte, que já foi pioneiro em tanta coisa boa, precisa se mexer. Precisa liderar essa causa. É urgente. É para ontem.
O planeta não precisa de nós. Mas nós precisamos do planeta.
Wagner Giannella é praticante de corrida de rua desde 2007 e editor-chefe da Máquina do Esporte