Existe um ditado muito popular no Brasil, segundo o qual “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Essa expressão serve bem para a ilustrar o conturbado casamento entre a construtora WTorre e o Palmeiras.
A relação iniciou-se em 2010, quando a empreiteira lançou um projeto que visava a remodelar e modernizar por completo o antigo Estádio Palestra Itália, conhecido popularmente como Parque Antarctica.
Depois de concluída a obra, em 2014, as duas partes viveram um período de lua de mel, seja porque a nova arena tornou-se sucesso de público e crítica, não só com os jogos de futebol, mas também atraindo grandes shows internacionais, seja porque, paralelamente a isso, o Palmeiras engataria, quase na mesma época (sobretudo a partir de 2016), uma sequência vitoriosa que permanece até os dias atuais.
Depois da chegada de Leila Pereira à presidência do clube, a relação do alviverde com a WTorre começou a se deteriorar. Nos últimos meses, a crise desse casamento chegou próxima ao rompimento, com direito a “lavagem de roupa suja” nos grandes meios de comunicação, trocas de acusações e até polícia e processos judiciais.
A Real Arenas, empresa pertencente à WTorre e responsável pela gestão do Allianz Parque, é alvo de uma série de críticas e acusações feitas por Leila Pereira. A mais recente evidenciou-se neste domingo (28), após o clássico contra o Santos, válido pela Série A1 do Paulistão.
O gramado do estádio palmeirense foi criticado não apenas pela equipe adversária, mas também pelo próprio treinador Abel Ferreira. Ao fim da partida, o Palmeiras divulgou uma nota alegando que haveria descaso da “superficiária (Real Arenas) com a qualidade do campo, que exige melhorias urgentes”.
O clube ainda deu um ultimato, afirmando que não mandaria mais seus jogos no Allianz Parque, enquanto o problema não fosse resolvido. E ameaçou solicitar a interdição do estádio às autoridades competentes. Nesta segunda-feira (29), a WTorre anunciou que providenciaria a troca do gramado.
A grama, a bem da verdade, está longe de ser o maior problema nesse conturbado matrimônio, que tem como pano de fundo uma disputa milionária.
Um fator que ajuda a apimentar essa disputa conjugal é que, nos últimos tempos, a WTorre resolveu ampliar suas parcerias no meio do futebol, passando a firmar acordos com Santos e São Paulo, arquirrivais do Palmeiras, com o objetivo de também remodelar e modernizar os estádios desses clubes.
Disputa de milhões
Se até mesmo os casamentos baseados no mais sólido e verdadeiro amor tendem a sucumbir diante dos problemas financeiros, não poderíamos esperar um desfecho diferente em uma relação como esta entre WTorre e Palmeiras, fundamentada em interesses exclusivamente comerciais de ambas as partes.
A real causa da desavença diz respeito aos repasses que a Real Arenas deveria fazer ao clube, com base na receita que a gestora arrecada com o Allianz Parque. O Palmeiras alega só ter recebido a parte que lhe era devida nos primeiros sete meses depois que o estádio foi inaugurado.
A partir de então, não teria mais visto a cor desse dinheiro. Em maio do ano passado, o Palmeiras registrou um Boletim de Ocorrência (BO) na 23ª Delegacia de Polícia de São Paulo, acusando a Real Arenas de cometer apropriação indébita e associação criminosa.
O alviverde também ingressou com uma ação na 29ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, cobrando o pagamento da dívida, que, à época, estaria em R$ 128 milhões. Segundo o Palmeiras, a empresa desrespeitou “reiterada e insistentemente, de forma unilateral, o contrato firmado entre as partes, causando enorme prejuízo financeiro ao clube”.
Ao se pronunciar sobre essa situação, a empresa optou por centrar seus ataques em Leila Pereira.
“A dirigente tem desrespeitado de forma reiterada as decisões do Tribunal de Arbitragem, que tramita sob sigilo, e tenta atingir de forma injustificável a reputação da empresa parceira da SEP [sigla de Sociedade Esportiva Palmeiras]. Esse novo e despropositado ataque não condiz com a gestão séria da Real Arenas, que investiu na construção do Allianz Parque, reconhecida como melhor arena da América Latina”, declarou a gestora do estádio.
Idas e vindas na Justiça
Inicialmente taxada pela Real Arenas como uma possível “informação falsa” divulgada pela presidente do Palmeiras, a cobrança judicial feita pelo clube acabou por trazer certa dor de cabeça à WTorre no ano passado.
Em agosto de 2023, na ação de execução movida pelo clube, a empresa foi inicialmente obrigada a dar garantias de que dispunha dos R$ 128 milhões para saldar a dívida reclamada pelo time alviverde.
Dias depois, porém, a WTorre conseguiu suspender a exigência. Um dos argumentos utilizados pela sua defesa e acatada pela Justiça foi de que, para apresentar as garantias exigidas pelo Palmeiras, a empresa necessitaria se socorrer de recuperação judicial.
A concessionária também alegou que os dois lados possuem créditos e débitos a serem saldados. Por fim, afirmou que o contrato de gestão do Allianz Parque prevê que todas as disputas entre as partes devem ser resolvidas pelo Tribunal de Arbitragem. O último deles havia sido instaurado em julho do ano passado.
Novos parceiros
Apesar da polêmica milionária com a presidente do Palmeiras, a WTorre segue com sua estratégia de ampliar parcerias no universo do futebol. No ano passado, a empresa firmou acordo com o Santos para o projeto de construção da Nova Vila Belmiro, orçado em R$ 450 milhões e que deverá ampliar a capacidade do estádio para 30 mil torcedores em partidas de futebol e 40 mil em shows.
O memorando de intenções foi assinado na gestão do ex-presidente Andres Rueda, que deixou o cargo no fim do ano, sendo substituído por Marcelo Teixeira.
Conforme noticiou a Máquina do Esporte na época em que a parceria foi firmada, Rueda admitiu que a disputa financeira entre WTorre e Palmeiras fez acender um sinal de alerta, e afirmou que estudava medidas para evitar inadimplência, como reduzir o prazo do contrato (que, inicialmente, teria 30 anos de duração), para o caso da gestora não efetuar em dia o pagamento das parcelas.
Para a próxima semana, está prevista a realização de uma reunião entre Marcelo Teixeira e representantes da WTorre, com o objetivo de resolver divergências contratuais relativas ao memorando de intenções.
Mas a WTorre não quis se manter restrita ao território paulista. Ainda no ano passado, uniu-se à 777 Partners, dona de 70% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Vasco, e à Legends em um consórcio que buscava assumir a gestão do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (RJ), pelo prazo de 20 anos.
Ainda não existe uma data estipulada para a divulgação do resultado dessa licitação, que tem como concorrentes, ainda, a Arena 360, administradora do Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF), e o consórcio formado por Flamengo e Fluminense.
Por fim, antes da virada do ano, a WTorre assinou com o São Paulo um contrato de exclusividade para que a empresa monte o projeto de revitalização e ampliação do MorumBis.
Pelo acordo, a obra seria concluída em 2030, ano do centenário do clube, com o estádio passando a contar com capacidade para 85 mil torcedores em dias de jogos e 100 mil pessoas em shows.
Leila não esconde a mágoa
A Máquina do Esporte procurou a assessoria da WTorre ao longo de toda esta segunda-feira (29), mas não obteve retorno. O Palmeiras também não respondeu às tentativas de contato.
Em uma entrevista concedida apenas a jornalistas mulheres na semana retrasada, Leila Pereira comentou a respeito das desavenças com a empresa.
Inicialmente, alegou que não poderia detalhar valores, por conta da cláusula de confidencialidade existente no contrato. Mas afirmou que seria uma receita importante para o clube e que o Palmeiras “não recebe um centavo dessa concessão”.
Sem esconder sua mágoa com a WTorre, a dirigente aproveitou para alfinetar as recentes investidas feitas pela empresa, buscando obter as concessões de novos estádios.
“A imprensa poderia ficar atenta a isso. É uma empresa que está fechando com São Paulo, Maracanã, Santos e não paga um centavo para o Palmeiras. E não podemos abrir o que realmente acontece por causa da cláusula de confidencialidade”, afirmou.