Alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga supostos crimes de lavagem de dinheiro e jogo clandestino, o Esportes da Sorte realizou uma manobra para poder seguir operando no país, depois de ficar de fora da lista das casas de apostas liberadas para operar no país emitida pelo Ministério da Fazenda.
A tábua de salvação da patrocinadora de clubes como Bahia, Corinthians, Grêmio, Palmeiras, Ceará, Náutico e Santa Cruz (o Athletico-PR resolveu retirar a marca da empresa do espaço máster de seu uniforme) consiste na Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj).
Na semana em que estourou a polêmica das plataformas que haviam ficado de fora da lista final de sites autorizados a operar no Brasil, a autarquia do Governo do Rio de Janeiro emitiu um comunicado informando que as empresas licenciadas por ela estariam aptas a atuar em nível nacional.
Esse foi o caminho encontrado pela VaideBet, ex-patrocinadora máster do Corinthians, que rompeu contrato com o clube em meados deste ano, em meio a uma forte denúncia sobre a existência de intermediação no negócio, fato que inicialmente não havia sido divulgado e que desencadeou uma crise que até hoje ameaça a permanência do presidente Augusto Melo no cargo (no fim do mês passado, ele se tornou alvo de um pedido de impeachment assinado por 90 conselheiros do clube).
No caso do Esportes da Sorte, a plataforma não se deu ao trabalho de pagar os R$ 5 milhões de outorga à Loterj (da mesma forma que também não arcou diretamente com os R$ 30 milhões da licença federal).
Em vez disso, optou por uma manobra mais complexa, que consistiu na aquisição da empresa ST Soft Desenvolvimento de Programa de Computadores Ltda., proprietária da plataforma Apostou.com, que já detinha autorização da Loterj desde 2023.
Ao concluir a compra, o Esportes da Sorte simplesmente solicitou à autarquia que substituísse o domínio atual (rj.apostou.com) por esportesdasorte.com e onabet.com, mantendo as condições de habilitação para a operação. A Loterj informou que a empresa cumpriu os requisitos legais e, assim, aceitou o pedido de credenciamento.
Aposta arriscada
A saída encontrada pelo Esportes da Sorte para seguir operando no mercado brasileiro garante a ela fôlego em um momento delicado, sobretudo porque a Operação Integration, além de ter mantido preso durante alguns dias o CEO da empresa, Darwin Henrique da Silva Filho, resultou no sequestro de bens e no bloqueio de recursos do conjunto dos investigados, na ordem de R$ 2,2 bilhões.
Nem todo esse dinheiro é da empresa, obviamente, mas ela teve parte de seu caixa afetado pela decisão judicial, situação que tende a comprometer sua capacidade de honrar compromissos financeiros a curto e médio prazo.
A empresa tem de manter suas próprias operações e ainda arcar com patrocínios a diversos clubes. No Corinthians, o contrato de três anos de duração é avaliado em R$ 309 milhões. Parte desse recurso garantiu a contratação do atacante holandês Memphis Depay, que jogou por times como PSV, Manchester United, Barcelona e Atlético de Madrid.
O acordo do Corinthians com o Esportes da Sorte previa a destinação de um total de R$ 57 milhões para a contratação de um atleta renomado. O clube deve utilizar esse recurso para garantir o pagamento de 80% do salário do astro holandês, enquanto os 20% restantes são custeados por receitas próprias da equipe.
Vale lembrar, porém, que se agarrar à licença emitida pela Loterj representa uma aposta arriscada feita pelo Esportes da Sorte. Hoje, a autarquia fluminense trabalha com o entendimento de que suas outorgas têm validade para todo o território nacional, com base em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a competência dos estados em poderem atuar no mercado de loterias e apostas de quota fixa.
Autarquias de outros estados, entidades representativas do setor e o Governo Federal entendem que os efeitos dessa decisão limitam-se ao território de cada unidade federativa. No caso, por exemplo, uma licença emitida pela Loterj só teria validade para alguém que desejasse operar dentro do Rio de Janeiro e com clientes ali residentes.
A Loterj, no entanto, considera que suas outorgas têm validade nacional. E esse tem sido o ponto central de uma polêmica que se arrasta há meses no mercado de apostas e que se agravou depois que a autarquia obteve uma liminar na Justiça Federal que determinava o bloqueio, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de plataformas que não estivessem credenciadas no Rio de Janeiro ou junto ao Ministério da Fazenda (à época, estava em vigor a fase de transição, e nenhuma empresa possuía essa licença nacional).
Em agosto deste ano, o bloqueio foi derrubado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Em sua decisão, o desembargador Paulo Zuniga Dourado deu a entender que a Justiça precisa pacificar o tema, o que pode ocorrer durante o julgamento do mérito da ação.
“Ressalto a possibilidade de análise da competência dos entes federativos para prestação dos serviços de loteria, por ocasião do julgamento do mérito deste recurso, a fim de possibilitar a fixação de entendimento pela egrégia 11ª turma [do TRF1] sobre a matéria”, afirmou Dourado, no trecho final da sentença.
Caso a 11ª turma se manifeste de fato sobre o tema, ela acabará por delimitar, com base na decisão de 2020 do STF, até onde os estados podem ir na exploração e no licenciamento das atividades de loterias e apostas, e se essas ações ficariam ou não circunscritas aos seus territórios (ou se valeriam nacionalmente).
Se a Justiça decidir que os limites das outorgas da Loterj são estaduais, o Esportes da Sorte poderá novamente ficar impedido de operar no país.