Em 1998, um menino de 15 anos se encantava com um par de tênis que nunca poderia comprar. Era um Air Jordan, branco e vermelho, que parecia voar dos pés de Michael Jordan direto para a imaginação de quem sonhava grande. O preço era proibitivo, mas o desejo era real. Era mais do que um calçado; era um símbolo.
Hoje, quase três décadas depois, o menino cresceu, mas a história se repete.
As tarifas de importação dos Estados Unidos aplicadas aos quatro cantos do mundo, em especial ao Vietnã, anunciadas por Donald Trump, impactam muito mais do que no preço do produto, mas no custo do sonho. Um jovem brasileiro que compra um tênis não está apenas investindo em amortecimento; ele está comprando um pedaço do Neymar, do LeBron James ou da Simone Biles e está, consequentemente, ao comprar o produto, sentindo-se parte de algo maior, como integrante de um time global em que há atletas e sonhadores.
Pouca gente sabe, mas cerca de metade dos calçados da Nike são produzidos no Vietnã. Mais do que um polo fabril, o país asiático se tornou peça-chave na engrenagem silenciosa que move o consumo global.
Não só a Nike, mas também a Adidas fez grandes investimentos no Vietnã na última década. Atualmente, cerca de metade de todos os tênis da Nike e 39% dos tênis da Adidas são fabricados no país, de acordo com documentos regulatórios. O Vietnã é o maior fornecedor de calçados para ambas as empresas, e os produtos fabricados no país representam mais de US$ 20 bilhões em receita anual combinada.
O atrativo? Custos baixos de produção, mão de obra abundante e proximidade estratégica com matérias-primas asiáticas.
Com as tarifas impostas pelos EUA, essa equação muda. O custo de importação dos tênis fabricados no Vietnã aumenta significativamente, impactando diretamente os preços nos Estados Unidos, maior mercado consumidor dessas marcas. Mas o efeito é global, já que os custos logísticos e operacionais tendem a subir e ser repassados para outras regiões.
No Brasil, onde o dólar flutua com forte impacto sobre produtos importados, a combinação de tarifas com a desvalorização do real tende a tornar os tênis Nike e Adidas ainda mais caros. Isso pode provocar uma retração no consumo desses produtos, especialmente entre jovens e atletas amadores, e abrir espaço para marcas concorrentes de menor custo ou produção local. E ainda o pior cenário: o aumento significativo de produtos falsificados.
Mais do que isso, o encarecimento desses artigos influencia o ecossistema esportivo como um todo. Clubes, atletas e influenciadores que são patrocinados por essas marcas podem ver uma redução em ativações de marketing, campanhas promocionais e até no fornecimento de equipamentos. Atletas brasileiros como Vinicius Júnior (Nike) ou Gabriel Medina (Adidas) podem eventualmente ser impactados em termos de exposição, bonificações e/ou novos contratos.
Se o preço aumenta, consequentemente afasta as pessoas, e o símbolo pode se esvaziar. Com isso, a marca corre o risco de perder alcance, e o patrocínio poderá se tornar ainda mais caro. O marketing precisa fazer mais com menos (aqui não tem muita novidade, né?), e os próprios atletas, ainda que não sejam culpados de absolutamente nada nesse jogo político e financeiro, se veem diante de um cenário em que a representatividade pode virar privilégio de poucos.
Por outro lado, o tarifaço de Donald Trump que atinge a todos, aparentemente terá um impacto menor no Brasil, já que teremos alíquotas mais baixas que outros países e isso, eventualmente, poderá criar oportunidades para que possamos exportar mais para lugares atingidos pelas novas alíquotas, principalmente o próprio público norte-americano, já que a maioria das empresas de calçados e vestuário do mundo deverão sofrer impacto em suas cadeias de suprimentos.
Dessa forma, podemos ver o copo meio cheio, pois, enquanto isso, o mercado brasileiro pode ver o fortalecimento de marcas locais, regionais ou emergentes, focando em agilidade, qualidade, design e custos mais baixos, abrindo espaço para nomes como Olympikus, Rainha, Penalty e outras empresas de moda e calçados, e até mesmo startups do setor.
Sou um consumidor contumaz de tênis e isso diz muito sobre a minha trilha de vida e carreira e tudo aquilo que estive e ainda estou disposto a seguir (sou de uma geração anterior ao menino de 1998 e era ainda inimaginável pensar o que posso usufruir hoje).
Seja pela minha história pessoal de vida ou na minha atuação profissional de hoje, as ilações emocionais que me conectam a esse objeto de consumo e desejo realmente me impactam, e acredito que isso deve influenciar e muito a forma como os consumidores se comportarão, principalmente aqueles que, assim como eu, são apaixonados por esportes e por todos os produtos que nascem diariamente dessas e das tantas outras incríveis marcas que atuam no segmento.
Mas quando isso tudo se torna ou parece caminhar para o inacessível (voltam-me as lembranças de quando eu apenas sonhava em ter um tênis bacana), a jornada também se estreita e talvez ainda não estejamos preparados para lidar com as consequências de um consumo menos inclusivo. Confesso que eu ainda não estou.
E mais: será que marcas que sempre se orgulharam de ser “para todos” estão prontas para o desafio de continuar sendo, mesmo com o vento econômico pesado e contrário a isso?
O esporte moderno depende fortemente do apoio de grandes marcas. Nike e Adidas por exemplo, investem bilhões em patrocínios, desenvolvimento de atletas e inovação tecnológica. Com margens mais apertadas, esses investimentos podem ser revistos. Menos verba para patrocínios pode afetar programas de base e incentivo ao esporte em países em desenvolvimento; competições locais podem perder apoio ou estrutura de marcas globais; e atletas promissores podem ter mais dificuldade em atrair marcas dispostas a investir no início de suas carreiras.
No final, a pergunta que fica não é sobre o preço do tênis, mas sobre tudo que ele carrega. Se o símbolo custa demais, ele deixa de ser símbolo e fica entre o novo preço de pertencer ou apenas mais um produto na prateleira.
Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End