Nos últimos anos, a região do Oriente Médio e Norte da África (Mena, na sigla em inglês) tem sido palco de uma transformação notável, emergindo como epicentro de negócios no universo esportivo global. O que motiva essa guinada? Uma estratégia deliberada para diversificar economias que tradicionalmente dependiam da exploração do petróleo e promover um desenvolvimento econômico sustentável e inovador. Essa mudança estratégica busca reduzir a dependência de hidrocarbonetos, alinhando-se com as tendências globais de sustentabilidade e energias renováveis.
Projeções sugerem que o mercado esportivo do Mena deve crescer a uma taxa anual composta (CAGR) de 16,5% entre 2023 e 2030. Somente o mercado esportivo do Catar, impulsionado pelo impacto do sucesso da Copa do Mundo de 2022, deve atingir um valor de US$ 3,7 bilhões em 2024. Além disso, outros países da região, como Arábia Saudita, Marrocos e Egito, estão investindo na infraestrutura e em eventos globais, com o Marrocos sendo um dos anfitriões da Copa do Mundo de 2030 e o Egito já preparando uma candidatura para os Jogos Olímpicos de 2036.
Expansão do investimento: “soft power” e geopolítica
Os países do Mena estão investindo pesado não apenas em eventos esportivos de larga escala, mas também em toda a infraestrutura necessária para alavancar o esporte como setor-chave da economia. Esses investimentos robustos estão mudando o cenário econômico da região, projetando-a no cenário esportivo internacional de maneira irreversível. Um exemplo concreto é o “Qatar National Vision 2030”, cujo objetivo é diversificar a economia do país por meio do esporte e do turismo. Além disso, a Arábia Saudita tem investido maciçamente em clubes de futebol e outros esportes, como parte de seu plano “Vision 2030”, buscando atrair talentos internacionais e impulsionar o turismo.
A aposta dos governos da região no esporte não é apenas econômica, mas também política. Eventos como a Copa do Mundo de 2022 no Catar não são apenas competições esportivas; são plataformas de geopolítica e branding nacional. Países como Catar e Arábia Saudita estão usando esses investimentos como forma de fortalecer seu “soft power” e sua rede de influência global. Isso vem junto com a promoção de uma imagem de modernidade e progresso que ressoa além das arenas, influenciando diplomacia, turismo e cultura em nível global. A organização da Copa do Mundo pelo Catar, por exemplo, permitiu ao país mostrar sua infraestrutura moderna, sua cultura rica e a capacidade de sediar eventos de grande porte, influenciando positivamente sua imagem internacional.
A Arábia Saudita, por sua vez, seguiu estratégias similares, investindo em esportes como boxe, automobilismo e futebol, enquanto buscava transformar sua imagem internacional. Uma peça central dessa estratégia é o “Vision 2030”, plano ambicioso que promove o esporte como ferramenta de desenvolvimento socioeconômico, aumento de produtividade e diversificação econômica. Além disso, eventos como os torneios do LIV Golf e a contratação de astros do futebol global agregam prestígio e atenção ao país. Esses esforços também refletem simbolismo e ambição geopolítica, demonstrando como o esporte pode servir como alavanca não apenas para ganhos econômicos, mas para um maior alinhamento aos centros de poder global e de influência cultural.
Empregabilidade para as novas gerações e sustentabilidade
Em paralelo, um dos objetivos primordiais da expansão do setor esportivo é o engajamento da vasta população jovem da região. Com altas taxas de desemprego juvenil e uma demografia predominantemente jovem, o esporte surge como uma poderosa alavanca para o desenvolvimento econômico e social. As iniciativas não se limitam aos eventos de grande escala, mas abrangem o incentivo a pequenos e médios negócios, o surgimento de novas oportunidades no turismo esportivo e a inovação tecnológica. Por exemplo: programas de desenvolvimento esportivo para jovens, como academias de futebol e centros de treinamento de alto rendimento, estão sendo implementados para identificar e nutrir talentos locais, criando oportunidades de carreira e reduzindo o desemprego.
A crescente aposta dos países do Mena no setor esportivo transcende o mero entretenimento, revelando uma estratégia mais ampla e multifacetada de diversificação econômica e atenção ao vasto contingente juvenil que define a demografia da região. Com uma população jovem expressiva, em que quase metade é composta por pessoas com menos de 24 anos, e uma taxa de desemprego juvenil preocupante (24,9% em 2023, segundo o Banco Mundial), líderes de países como Arábia Saudita, Egito e Catar estão integrando ativamente os esportes à equação para responder a essa conjuntura desafiadora. A estratégia não se limita à organização de megaeventos esportivos, mas inclui o fortalecimento de pequenos e médios negócios (SMBs, na sigla em inglês), o estímulo ao turismo esportivo, a criação de infraestrutura de ponta e a formação de uma economia local mais robusta e inclusiva, especialmente para os jovens.
O esporte, como setor econômico dinâmico, oferece um horizonte diversificado de oportunidades que vai muito além do campo de jogo ou da arena. Ele interconecta diversas indústrias, como transporte, tecnologia, entretenimento, hospitalidade, construção civil e mídia, gerando empregos diretos e indiretos em larga escala. Um exemplo notável é o ambicioso investimento saudita, que prevê a criação de mais de 100 mil empregos no setor esportivo até 2030, em consonância com o plano “Vision 2030”, que, como já foi dito, busca reduzir a dependência do petróleo e impulsionar o crescimento de setores não petrolíferos.
Essa intrínseca conexão entre esportes e o crescimento de uma economia moderna cria um campo fértil para jovens talentos em áreas como engenharia esportiva (design e construção de estádios e equipamentos), marketing digital (gerenciamento de redes sociais e e-commerce de produtos esportivos), gestão de eventos (organização de competições e festivais), tecnologia de dados aplicada ao desempenho esportivo (análise de dados para otimizar o treinamento e a performance dos atletas) e Direito Desportivo (assessoria jurídica para atletas e clubes), entre outras. Assim, fica evidente a tentativa de aproveitar o capital humano jovem da região, direcionando-o a novas fronteiras de inovação e produtividade.
Além disso, o investimento em esportes pode catalisar o desenvolvimento de outras áreas, como o turismo. A construção de hotéis, restaurantes e outras infraestruturas para atender aos turistas esportivos gera empregos e renda para a população local. E a realização de eventos esportivos também pode atrair investimentos estrangeiros, impulsionando o crescimento econômico da região. Por exemplo: a Copa do Mundo da Fifa no Catar em 2022 gerou um impacto econômico significativo, alavancando o turismo e a criação de empregos.
Por outro lado, um dos maiores desafios é transformar o esporte em uma base econômica sustentável e socialmente inclusiva a longo prazo. Embora megaeventos como a Copa do Mundo no Catar ou o planejamento de futuras competições como as Olimpíadas no Egito tragam resultados de curto prazo em termos de infraestrutura, turismo e visibilidade internacional, o verdadeiro legado dependerá do fortalecimento de sistemas que envolvam não apenas as elites esportivas, mas também a população local em geral. Programas de desenvolvimento esportivo para jovens, academias de esportes de base, campanhas de engajamento físico e a criação de heróis esportivos regionais podem servir como catalisadores para inspirar as novas gerações e promover a saúde e o bem-estar, além de consolidar a sustentabilidade do setor esportivo como motor econômico.
Os países do Mena estão em plena transformação, posicionando-se rapidamente como epicentros globais do esporte. Suas estratégias não representam apenas ambições esportivas, mas também uma tentativa de diversificar economias dependentes dos hidrocarbonetos e melhorar a percepção internacional.
Em última análise, o verdadeiro teste de impacto econômico e social dos investimentos esportivos no Oriente Médio reside na harmonia entre o que se vê e o que se sente. As arenas reluzentes, como o Lusail Stadium, no Catar, palco da final da Copa do Mundo Fifa de 2022, e os números impressionantes no papel, como os bilhões de dólares injetados em infraestrutura e turismo, certamente capturam os holofotes. No entanto, é no efeito duradouro sobre as comunidades locais que a verdadeira vitória se concretiza. É preciso ir além das colunas de cifras e vislumbrar um futuro em que a infraestrutura não seja apenas um monumento ao esplendor temporário, mas um alicerce para a prosperidade contínua.
Jorge Ferreira dos Santos Filho é professor de Finanças Aplicadas de Mercado e Governança Corporativa no curso de Administração de Empresas da ESPM