Tradicional clube de futebol da cidade de São Paulo, o Juventus sempre costumou estar alheio às grandes polêmicas que movem o esporte mais popular do Brasil.
Fundado em 1924, por obra e graça de membros da colônia italiana do bairro da Mooca, ele foi capaz de conciliar até mesmo uma das maiores rivalidades da cidade de Turim, ao unir, na mesma instituição, as cores grená da Torino e o nome da Juventus.
Passados 101 anos desde sua criação, o clube na Zona Leste de São Paulo está mergulhado em uma forte disputa política e jurídica, que envolve seu processo eleitoral interno e a proposta de constituição da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do “Moleque Travesso”.
O processo de criação dessa pessoa jurídica que assumirá o departamento de futebol do Juventus destoa de tudo o que foi visto até o momento no país.
De um modo geral, os clubes costumam convocar conselhos deliberativos e assembleias de sócios para primeiro autorizarem a implantação da SAF.
Só depois de criada a sociedade anônima é que as propostas de eventuais investidores interessados em assumir o negócio são analisadas.
No Juventus, porém, a reunião extraordinária do Conselho Deliberativo para analisar as propostas dos eventuais interessados em assumir a SAF do clube, que ainda nem foi criada, ocorrerá neste sábado (14), com início previsto a partir das 10h.
Apenas na próxima terça-feira (17), a partir das 18h30, é que os conselheiros irão votar se aceitam ou não constituir uma SAF. O edital de convocação dessa reunião informa que, se o “sim” vencer, está certo que a instituição ficará vinculada à proposta considerada mais viável, entre as apresentadas no sábado.
As categorias de base seriam o maior atrativo desse negócio, sem contar, é claro, o fato de o clube estar localizado na maior e mais rica metrópole do país.
Quem são os grupos interessados na SAF do Juventus?
A Máquina do Esporte apurou que existiriam três grupos interessados em assumir a eventual SAF do Juventus.
Inicialmente, a informação era de que um deles seria a P&P Sport Management, com sede no principado de Mônaco, e que agencia uma série de atletas ao redor do mundo, entre eles o zagueiro Vitor Reis, ex-Palmeiras e atualmente no Manchester City.
Pela manhã, porém, a reportagem confirmou que a empresa não seria a candidata a investidora. A proposta virá, na verdade, das companhias Reag Investimentos e Contea Capital, empresas que, somadas, administram hoje mais R$18 bilhões em ativos.
A apresentação dessa proposta será feita pelo brasileiro Claudio Fiorito e o italiano Federico Pastorello, que são sócios da P&P Sport Management. Caso o consórcio da Reag e Contea seja vencedor, os dois irão participar na estruturação do projeto esportivo da SAF e pretendem utilizar suas experiências e redes de contatos para alavancar o futebol do Juventus.
Outro grupo que provavelmente apresentará proposta na reunião deste sábado é o AlmavivA. Sediada na Itália, a companhia, que se estabeleceu no Brasil há quase 20 anos, já havia sido cogitada como possível investidora do clube em 2022, em negócio que acabou por não avançar.
A terceira interessada em assumir a SAF ainda não criada do Juventus é a Total Player, representada pelos irmãos e ex-jogadores Paulo Jamelli, que atuou por clubes como São Paulo e Santos, e Calucho Jamelli, que iniciou a carreira no futebol de campo e depois migrou para o futsal.
Disputa política
O debate em torno da SAF envolve uma forte disputa política que agita o Juventus. Em 2022, quando surgiram os rumores quanto ao interesse da italiana AlmavivA em assumir o futebol do clube, o Moleque Travesso debateu a criação de uma sociedade anônima.
A proposta, porém, acabou sendo derrotada por 53 votos contrários à SAF e 49 favoráveis. O estatuto do Juventus previa, à época, que a criação só sairia do papel se contasse com o apoio de dois terços do Conselho Deliberativo.
Em 2025, no entanto, a ideia ressuscitada de se criar a SAF do Juventus serviu para unir até mesmo dois rivais da política grená.
O presidentes do Juventus, Dilson Tadeu dos Santos Deradeli, e do Conselho Deliberativo do clube, Carlos Eduardo Gomes Pedroso, que antes eram opositores, acabaram por se converter em grandes aliados, antes mesmo da eleição da diretoria grená, realizada em abril deste ano.
Conforme a Máquina do Esporte apurou, as animosidades existentes entre Dilson Tadeu e Carlos Eduardo teriam decisivas para selar a derrota da proposta da SAF, em 2022.
Apesar da aproximação dos dois rivais, o clima político na Mooca permaneceu tenso. O grupo do atual presidente tentou impugnar membros da Chapa 2 – Novos Tempos, Renove Juventus, de oposição, incluindo o candidato a presidente Marcello Lourenço Betone, mais conhecido como Magrão.
Se os membros da chapa opositora tivessem sido barrados, Dilson Tadeu teria sido eleito por aclamação, como candidato único. Porém, o grupo de Magrão conseguiu garantir judicialmente sua participação no pleito.
O placar final da votação no Conselho Deliberativo foi de 53 votos para a Chapa 1 (a Avante, de Dilson Tadei) e de 51 para a oposição, além de um voto nulo.
Engana-se quem acha que essa disputa é assunto superado no Juventus. Procurado pela Máquina do Esporte, Magrão informou que, na segunda-feira (16), seu grupo ingressará com ação na Justiça, pedindo a anulação da eleição do Juventus.
A chapa opositora alega que quatro conselheiros teriam participado de maneira irregular da escolha da nova diretoria do clube.
Quem é favorito na disputa para assumir a SAF do Juventus?
Até o momento, as autoridades constituídas do Moleque Travesso têm optado por esconder o jogo, acerca das eventuais interessadas em assumir a possível SAF do clube.
Por enquanto, a posição oficial dos dirigentes, expressa nos canais oficiais do clube, consiste em exaltar a adoção do modelo e convocar sócios a conhecerem a SAF, que ainda não foi criada.
Mas a forma como o processo está sendo conduzido tem despertado críticas. O edital de convocação da reunião de apresentação das propostas das interessadas em assumir a SAF prevê que cada grupo terá direito a 30 minutos para apresentar seu projeto.
A escolha da ordem em que cada apresentação ocorrerá será definida no dia da reunião. Os critérios que decidirão qual a melhor proposta também não foram anunciados oficialmente.
Não está claro se o que será levado em conta é o maior valor global, por exemplo, ou se outros fatores serão decisivos para definir a escolhida.
Nas alamedas do clube, a informação que circula é de que a AlmavivA seria a favorita a assumir a SAF do Juventus.
Ao mesmo tempo, também circula a versão de que a P&P teria a maior proposta em termos financeiros.
A Total Players, por sua vez, aposta na relação longeva de seus proprietários com o clube, para conquistar a preferência dos conselheiros.
Os irmãos Jamelli cresceram no Juventus e defendem uma proposta de tornar o Moleque Travesso uma SAF moderna na gestão e que, ao mesmo tempo, mantenha vivo o “futebol raiz”.
A ideia seria profissionalizar o futebol, mas preservar tradições, inclusive tornando o Estádio da Rua Javari intocável, como uma espécie de “Capela Sistina do Futebol”. A instalação de refletores (cuja ausência inviabiliza a realização de jogos noturnos) é uma das poucas alterações defendidas pelos irmãos.
Do mais, a intenção é manter tudo como está no Conde Rodolfo Crespi, para que o local possa servir de contraponto às modernas arenas do futebol brasileiro.
“O processo de escolha do investidor tem de ser transparente”, afirma Paulo Jamelli, que, nos últimos dois anos e meio, esteve à frente da escolinha de futebol do Juventus.
A Total Player também administra a bilheteria da Rua Javari e o programa de sócio-torcedor do Moleque Travesso há cerca de dez anos.
Questionamentos
Magrão, por sua vez, questiona o modo como a criação da SAF está sendo conduzida. “A forma como a discussão irá ocorrer é estranha. Apenas dez conselheiros poderão fazer perguntas, mas com inscrições prévias. Não tivemos acesso sequer à lista dos inscritos”, afirma o candidato, que também é conselheiro e diz ser favorável à profissionalização do futebol do Juventus.
Ele não se opõe à criação de uma sociedade anônima, desde que o clube mantenha o controle acionário e possa acompanhar de perto da gestão administrativa do departamento de futebol.
Como está a disputa interna
A Máquina do Esporte apurou que ao menos oito conselheiros contrários à constituição da SAF teriam sido suspensos de suas funções e não terão voto nessa discussão.
Nesta sexta-feira (13), o Conselho Fiscal do Juventus divulgou a ata da reunião que decidiu suspender, de maneira preventiva, Paulo Artur Vasques.
Ele ocupava a presidência do órgão, durante a votação que rejeitou as contas do presidente Dilson Tadeu.
Os conselheiros Claudio Molina e Eduardo Pinto Ferreira resolveram convocar para a vaga o suplente Gutemberg Almeida Braga, que acabou sendo referendado como novo membro efetivo e presidente do Conselho Fiscal do Juventus.
De acordo com Magrão, que é membro do Conselho Deliberativo, ainda seriam necessários dois terços dos votos do órgão para a constituição e a venda da SAF do Juventus.
Membros da atual diretoria administrativa e do Conselho Deliberativo do Juventus foram procurados, assim como a assessoria de imprensa do clube, mas não responderam às tentativas de contato da Máquina do Esporte.