O ano era 2013, e a Harley-Davidson lançava no Brasil a campanha “Harley Davidson’s Real Test Ride”, dentro das ações de celebração dos 110 anos da marca. A problemática proposta na campanha era sugerir como mostrar a alguém que ainda não se aliou, qual era a experiência real da marca. Explicando em poucas linhas: o comprador em potencial ia até a concessionária para um “test ride” e, no segundo quarteirão, tinha seu caminho atrasado por dezenas de “harleyros”, que o colocavam no meio do comboio e celebravam sua escolha, dando-lhe boas-vindas ao bando.
A experiência de pilotagem não pode ser sentida com um “test ride” frio, em uma rua vazia ou em uma volta no quarteirão em segunda marcha. Essas experiências mais simples têm seu papel, mas não se mostram eficientes para despertar interesse (trazer novas pessoas para o processo de compra da marca/produto) ou para trazer a conversão (quebrar as resistências racionais e emocionais que antecedem a decisão de compra). Sabendo disso, marcas do segmento terra e pista têm se dedicado a oferecer diferentes formatos de experiências para criar desejos únicos por seus produtos.
Um exemplo de alguém que passou por isso é o caso do diretor financeiro de uma multinacional inglesa, Ivan Furlan, que nutria desde a adolescência o desejo de pilotar. Ele tirou sua habilitação de moto com 18 anos, mas somente com 45, durante o isolamento social, é que comprou sua primeira moto, uma scooter, uma Yamaha X Max.
Ele relembrou que sempre pedia uma mobilete para o pai na adolescência, e sempre recebia um retumbante “não” como resposta. No final de 2024, incentivado por amigos de seu clube em Jundiaí (SP), participou de um passeio entre terra e pista dentro do programa Sahara Experience, da Honda. Segundo Ivan, “o passeio tem 70% de terra e 30% de asfalto, com 10 motos, 2 guias, van de apoio e moto reserva. No meio do dia, o almoço acontece em uma fazenda linda, no meio da Serra do Japi (SP). A turma toda era muito boa”. Depois desse dia, a decisão por comprar uma moto “trail” foi tomada, e o pensamento de Ivan mudou para qual modelo escolher e como negociar com a família.
Para encantar diferentes perfis de pilotos, a Ducati possui algumas experiências como a “Ducati on the Road”, passeios em grupo bate e volta com opção de locação de moto, que permite testar a eletrônica e a dirigibilidade em condições reais de uso; a “Ducati Riding Experience”, que são os cursos de pilotagem em autódromo para aqueles que querem aprender a tirar o máximo de proveito de uma moto superesportiva como a Panigale V4S; e ainda, associado a cada concessionária, existe um “Ducati Official Club ‘DOC'”, que possui um calendário de passeios e eventos com seus associados para nutrir esse senso de comunidade e paixão pela marca.
Para o CEO da Ducati do Brasil, Daniel Paixão, a experiência de pilotagem em condições reais supera, e muito, a experiência de um “test ride” tradicional, ao oferecer a prática de pilotagem em grupo e no terreno adequado para cada estilo. Mas as experiências de pilotagem não foram feitas apenas para atrair novos clientes ou gerar conversão; elas são a parte mais importante do processo de formação e gestão de comunidades, criando uma relação de defensores de marca, segundo Paixão.
Olhando com uma lente teórica
Dessa forma, podemos considerar que as ações de experiência de pilotagem agem em diferentes pontos na jornada dos “5 As”, de Philip Kotler, para compra e consumo de uma motocicleta:
- Assimilação: a pessoa é influenciada por meio de amigos ou comunicação de marca a participar de um evento e começa a pensar em uma marca ligada à experiência;
- Atração: a experiência aumenta a atração por um modelo específico, estreitando o leque de consideração;
- Arguição: a experiência e o contato com a comunidade da marca influenciam as informações buscadas durante a fase de pesquisa;
- Ação: a experiência para quem já está no funil pode servir para eliminar resistências que antecedem o momento de compra, tirando dúvidas e aumentando a percepção de benefícios (emocionais e racionais);
- Apologia: o pertencimento a uma comunidade, independente ou gerenciada pela marca, influencia o estilo de vida e a formação de defensores de marca.
Para Michael Saren, existem quatro configurações principais de comunidades de marca, estruturadas em dois eixos, criadas internamente – externamente, e afiliação transitória – afiliação longeva. Para novos participantes, as primeiras experiências são convites para uma participação transitória, mas os estímulos positivos funcionam como convites para a transformação em uma afiliação longeva, seja essa comunidade espontânea ou não pela marca.
A coerência e consistência do projeto de marca e sua execução são fundamentais para nortear as manifestações de marca feitas a partir das comunidades independentes de marca. Quando as comunidades de marca entendem inconscientemente os projetos das marcas, aumenta a probabilidade de suas manifestações serem alinhadas, de acordo com Andrea Semprini.
Três dicas para a organização de experiências de pilotagem
- Preocupe-se com os detalhes, desde a chegada dos participantes até seu retorno para casa. Onde parar o carro em segurança, horários seguros para sair e voltar para a cidade, pontos de parada, reservas de mesas em restaurantes e comandas individuais para o pagamento das contas (caso o almoço não esteja incluído);
- Espere o pior para oferecer a melhor experiência. Tenha redundâncias, planos B, C, D. Pense no que fazer em caso de atrasos, diluição do grupo na estrada, acidentes (pequenos e grandes) e atritos entre participantes;
- Garanta a exposição ideal da marca. Pense no que os participantes verão, sentirão e compartilharão. Crie enredos para que suas histórias sejam únicas e inspiradoras. Transforme cada participante em um defensor da marca, oferecendo elementos para que criem narrativas de marca alinhadas com o projeto da marca, segundo Andrea Semprini.
Alexandre Borba Salvador é professor de Marketing e Vantagens Competitivas no curso de Administração de Empresas da ESPM
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