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Correr junto, mas sozinho: O novo paradoxo da corrida

Ao transformar cada treino em dado e cada passo em performance compartilhável, o prazer do movimento e da convivência é, aos poucos, substituído pela necessidade de provar algo, não aos outros corredores, mas a um público digital e invisível

Correr junto, mas se sentir sozinho, talvez seja o novo paradoxo da corrida - Arte / Ticket Sports

Sou impactada quase todos os dias por alguém entrando em um novo clube de corrida. E são muitos. Tem os clubes de quem corre e depois brinda, os que correm por um propósito de vida, os que amam esporte e moda, os voltados para mulheres e por aí vai. Eu amo todos.

Adoro ver a democracia do esporte acontecendo. Tem para todos os tipos de gosto (mesmo).

Encontrar a sua turma nunca foi tão simples. Basta rolar o Instagram para encontrar os horários, as rotas e as distâncias. 3k ou 5k? Escolha a sua e é só “colar” para ocupar a cidade. As ruas viram o cenário ideal. Afinal, estar em grupo permite se aventurar em locais que sozinho dificilmente alguém iria.

É assim que muita gente tem começado e é também onde os organizadores encontram um terreno fértil para transformar pertencimento em participação em seus eventos.

No Ticket Sports, esse assunto já virou pauta constante: como nos aproximar e dialogar de forma mais genuína com essas comunidades?

Não à toa, temos olhado cada vez mais para os grupos esportivos não só como comunidades, mas como peças fundamentais do ecossistema da corrida. Inclusive, temos eventos na plataforma que possuem até 70% do seu total de inscrições vindas de grupos esportivos.

Mas, como tudo que se transforma nesse mercado, essas pequenas grandes comunidades também podem se fragmentar com o tempo. O senso de pertencimento continuará existindo, só que talvez ele se manifeste de outras formas: em grupos de WhatsApp, desafios no Strava, aplicativos de ranking, etc.

Correr junto, mas se sentir sozinho, talvez seja o novo paradoxo da corrida. Será que estou exagerando?

Veja bem, a ideia de correr junto é vibrar junto, comemorar junto, mas e quando isso passa a ser algo individual?

O resultado é seu, não do grupo. São as suas postagens pós-treino, as suas curtidas, as suas métricas e, no fim, o que deveria ser sobre conexão vira uma experiência de performance pessoal, compartilhada apenas por algoritmos.

Ainda sou muito otimista em relação às comunidades, realmente acho que isso transformou como enxergamos o esporte e, sinceramente, eu mesma não corro sozinha na rua.

A única reflexão que deixo é: os 21 milhões de brasileiros que usam aplicativos como o Strava talvez estejam trilhando um caminho mais solitário.

A corrida, que ganhou espaço entre liberdade e encontro, corre o risco de se tornar um espelho do nosso tempo: cada um buscando pertencer, mas medindo o pertencimento em números e transformando uma experiência, que é sinônimo de liberdade, superação pessoal e encontro, em métricas, comparação e validação social.

É como se, ao transformar cada treino em dado e cada passo em performance compartilhável, o prazer do movimento e da convivência fosse, aos poucos, sendo substituído pela necessidade de provar algo, não aos outros corredores, mas a um público digital e invisível.

Gabriela Donatello é formada em Comunicação Social e pós-graduada em Gestão de Marketing. Atualmente, é gerente de marketing do Ticket Sports, com uma trajetória de oito anos dedicada ao universo dos eventos esportivos, atuando em diversas frentes do setor

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