A possível criação de uma liga da NBA na Europa, a chamada NBA Europa, tem sido um dos principais assuntos no mundo do basquete nos últimos meses e provavelmente seja o maior movimento geopolítico do basquete mundial desde a fundação da própria Euroliga, em 2000.
Desde a conclusão das negociações de renovação dos direitos de mídia da NBA finalizadas em 2024 com Disney (ESPN), Amazon e NBC, os movimentos dos principais executivos da liga norte-americana foram intensificados no novo projeto na Europa.
O surgimento dessa iniciativa pode gerar uma transformação profunda do mercado a partir de três pilares: econômico, cultural e técnico. Esse tripé possibilita compreender algumas oportunidades, mas também os riscos e tensões.
Pilar econômico: A disputa por mercado, receitas e governança
A NBA é uma das maiores ligas do planeta. O faturamento da atual temporada está projetado para mais de US$ 14 bilhões, enquanto a Euroliga prevê atingir US$ 125 milhões no mesmo período. Uma diferença abissal.
A liga norte-americana tem enorme poder comercial e foco no entretenimento, especialmente na mídia, o que causa impacto imediato em qualquer região. A Europa é um mercado valioso, com grande população, renda elevada, cultura esportiva e grande base de fãs de basquete para sustentar uma ampliação dos negócios e uma diversificação das receitas da NBA, criando uma vertical de negócios em solo estrangeiro.
A chegada da NBA Europa traz riscos imediatos para a Euroliga, que opera sob um modelo híbrido com parte “fechada” (clubes licenciados) e parte meritocrática. Apesar da sua força, a Euroliga tem limitações financeiras e clubes com orçamentos espremidos que invariavelmente terminam negativos ou precisam de aporte do futebol, casos de Real Madrid, Barcelona e Fenerbahçe, entre outros.
A parceria com a IMG alavancou diversas receitas, porém ainda há uma diferença gigantesca para o patamar norte-americano. A entrada da NBA deve criar uma pressão adicional aos negócios da Euroliga e uma disputa pela atenção dos fãs que resultarão em valores maiores de direitos de mídia, patrocínios, ingressos e licenciamentos. Haverá também um aumento de pressão nos salários dos atletas, no surgimento de novas arenas, mais modernas, e na disputa por espaços na mídia.
Pilar cultural: Tradição europeia x modelo NBA de entretenimento
O basquete europeu é profundamente cultural, e, nesse ponto, a Europa vive o basquete de maneira distinta dos Estados Unidos. O torcedor europeu se identifica com os clubes centenários, as estruturas esportivas, as rivalidades históricas e um estilo de jogo coletivo com identidade local. Inserir franquias ao estilo NBA é um confronto a esse ecossistema de tradições. Clubes como Real Madrid, Olympiacos, Partizan, Zalgiris Kaunas e Virtus Bologna possuem torcidas com culturas e códigos muito diferentes do público da NBA.
A NBA Europa precisará decidir se integra ou substitui a lógica dos clubes históricos. Se ela optar por franquias totalmente novas, enfrentará resistência cultural. Se tentar incluir clubes tradicionais, terá que lidar com questões de governança, licenciamento e modelo de negócios diferente. As notícias recentes apontam para uma mistura desses dois modelos, com a participação de clubes tradicionais e novas franquias em mercados relevantes economicamente, como Londres e Paris.
A NBA é um negócio de entretenimento, que insere o basquete em um show realizado em arenas modernas com música constante, serviços de alimentação diversos, intervalos com apresentações, merchandising em larga escala, presença de celebridades e muita distração. O ambiente europeu é mais próximo ao futebol com torcida e cantos organizados, tensão competitiva, rivalidades culturais, atmosferas hostis e conexão passional entre torcedor e time. O choque cultural é inevitável e será curioso acompanhar as evoluções desse movimento.
Pilar técnico: Estilo de jogo, formação e impacto no talento europeu
A Europa vive seu auge técnico com MVPs da NBA, academias de altíssimo nível (Sérvia, Espanha, França e Lituânia, entre outras) para a formação de talentos, fortalecimento da filosofia do jogo coletivo e, principalmente, competitividade internacional com suas seleções enfrentando os norte-americanos no mesmo nível.
A presença da NBA no Velho Continente pode acelerar a exportação de jovens talentos (agora somando-se também o mercado universitário norte-americano) e influenciar uma mudança no estilo de jogo a partir da chegada de jogadores dos EUA.
A Euroliga é extremamente tática, usa defesas complexas, tem menos ênfase em superestrelas e é mais dura fisicamente. No médio prazo, o choque técnico poderá criar uma coexistência e um novo estilo europeu-americanizado ou exacerbar o conflito das visões filosóficas sobre o jogo.
O calendário será um ponto sensível, pois a NBA não segue as “Datas Fiba”, ou seja as estipuladas pela Federação Internacional de Basquete, e a NBA Europa provavelmente dificultaria as convocações, reduziria a disponibilidade de estrelas e enfraqueceria eliminatórias continentais. Entretanto, a aproximação da NBA com a Fiba nesse processo pode envolver uma solução para essa questão.
Conclusão: O futuro do basquete europeu
A entrada da NBA na Europa é um movimento que pode transformar completamente o ecossistema do basquete no continente. Não se trata apenas de uma nova liga, mas de uma disputa por protagonismo global entre três gigantes: a NBA (o motor econômico), a Fiba (o guardião institucional) e a Euroliga (a tradição dos clubes).
O impacto econômico pode reestruturar o mercado europeu, enquanto o impacto cultural pode gerar novas identidades esportivas com bastante resistência, e o técnico pode alterar os conceitos e os estilos de jogo.
O futuro dependerá da capacidade de cooperação entre essas entidades. Se houver diálogo, o continente pode se tornar o ecossistema de basquete mais dinâmico do planeta. Se houver conflito, o basquete europeu pode se fragmentar e, consequentemente, precisará redesenhar sua estrutura.
O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte
Alvaro Cotta é diretor de marketing da Liga Nacional de Basquete (LNB)
Conheça nossos colunistas