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Neymar e Pelé: O Rei não pode ser esquecido

Marca e legado de Pelé são eternos, mas até mesmo essa eternidade precisa de estratégia, planejamento e boa gestão

Pelé e Neymar se encontraram diversas vezes desde o início da carreira do atual atacante do Santos - Reprodução / Instagram (@pele)

“Assumimos um compromisso histórico com respeito, responsabilidade e amor pelo legado do Rei Pelé. Devolver sua marca ao Brasil é devolver um pedaço da nossa própria identidade”.

Foi assim que Neymar da Silva Santos, o Neymar pai, anunciou esta semana a aquisição da marca Pelé. A NR Sports (empresa do pai do camisa 10 do Santos) agora é dona de todos os direitos de propriedade intelectual da marca Pelé, que tem registros de marcas e patentes em mais de 50 países. A negociação teria girado na casa dos US$ 18 milhões (cerca de R$ 95 milhões) e, assim, nasceu a Pelé Brand Brasil.

LEIA MAIS: NR Sports, de Neymar, oficializa compra da marca Pelé e discute acordo de licenciamento com o Santos

Em uma conta rápida, para se ter uma ideia desse montante, estima-se que, entre salários, bonificações e uso de imagem, o “Menino Ney” receba mais de R$ 20 milhões por mês. Se esses números estiverem certos, cinco meses de Santos equivalem à compra definitiva dos ativos do Rei do Futebol. Muito? Pouco? Depende.

Os últimos anos

Voltando pouco mais de dois anos, aconselho a leitura dessa reportagem da revista Piauí, assinada por Pedro Tavares, em outubro de 2023, quase um ano após a morte de Pelé, em que o empresário norte-americano Joe Fraga fala da “desvalorização” de Pelé como marca. Fraga trabalhou com Pelé por mais de 20 anos e, na última década, era o detentor da marca.

Trata-se de uma entrevista que, na minha opinião, deixou no ar a clara impressão de que não havia qualquer plano ou estratégia para a manutenção do nome mais importante do futebol de todos os tempos.

O curioso é que, em janeiro do mesmo ano, um mês após Pelé falecer e oito, nove meses antes da matéria da Piauí, o mesmo Joe dizia ter incontáveis demandas e propostas do mercado na mesa nessa entrevista, concedida a Rodrigo Capelo.

Em seus últimos anos de vida, Pelé vivia recluso, praticamente inacessível. Não participava de eventos e já era alvo de impasses envolvendo sua família e Joe. Após a morte do eterno camisa 10, as notícias negativas só contribuíram para a depreciação de valor da marca Pelé.

Pelé sempre teve um carinho especial por Neymar – Reprodução / AFP

Ah, sim, alguns (ou muitos) questionarão se essa negociação está atrelada à vontade de Neymar (e de seu pai) de comprar o Santos. Talvez esteja mesmo, mas isso não vem ao caso. Fato é que Neymar está fazendo um movimento importante (e necessário) em relação à memória e à história de Pelé. Mas a pergunta que ainda não tem resposta é: como?

Fazendo um contraponto, o exemplo que deve servir de referência é o Instituto Ayrton Senna, que imortalizou um ídolo mundial posicionando a marca de forma que o legado siga vivo e cada vez mais forte, mesmo mais de 30 anos após sua morte. A marca e o legado de Pelé são eternos, mas até mesmo essa eternidade precisa de boa gestão, de planejamento, de estratégia. O que faltou nos últimos anos.

Valor

Voltando ao valor, quanto valia a marca Pelé quando ele era vivo, quando estava ativo, estrelando campanhas, fazendo eventos, realizando viagens, saudável e disponível? Sinceramente? Difícil demais falar em valores. Talvez o mais correto seja algo clichê do tipo “não há dinheiro no mundo que compre”. Pelé fez de tudo dentro e fora dos gramados. Foi precursor como garoto-propaganda e embaixador no esporte, em um tempo em que reinava absoluto.

Quem tem mais de 40 anos, lembra de Pelé nas campanhas da Vitasay. Teve também as ações da Mastercard e a “ação” com a Puma em um jogo no México, em 1970, isso para citar apenas três das muitas marcas que usaram imagem, credibilidade, carisma e alcance do Rei na publicidade. Pelé foi tudo: de personagem de quadrinhos ao Café Pelé, o Rei foi uma máquina de marketing e sempre esteve muito à frente do seu tempo.

Pelé foi garoto-propaganda da Vitasay – Reprodução

Maradona e Jordan

A notícia da negociação dos direitos da marca Pelé chega um mês depois de outro acordo, entre a empresa sueca Electa Global e a família de Diego Maradona, para exploração de produtos. Dieguito foi um gênio em campo, mas nunca foi um nome forte na área de varejo e licenciamentos, justamente por ser uma figura controversa fora das quatro linhas. Especula-se que o negócio beirou os US$ 50 milhões (cerca de R$ 270 milhões).

Não cabe comparação entre Pelé e Maradona por suas atuações no campo da publicidade, nem na conduta, mas gostaria de aproveitar para fazer apenas uma reflexão sobre valores.

Se serve como parâmetro, somente como um dado mesmo, a marca Jordan (do “Pelé do basquete”) teve, em 2024, uma receita de cerca de US$ 7 bilhões (R$ 36 bilhões). E Michael Jordan não aparece em eventos, não participa de ações com o público, vive fechado no seu mundo de competições de golfe, passeios de iate e apostas milionárias (agora é um dos talentos da NBC, é verdade, mas isso não mudou o seu comportamento das duas últimas décadas).

Mas é justo, ainda que se separe épocas e maturidade de negócios, que seja feita essa reflexão em relação a Pelé e Jordan.

Passado, presente e futuro

Pelé não pode ser esquecido. Não estou aqui julgando se o valor pago por Neymar é alto, baixo, justo ou não. Vou trazer o “depende” lá do início da coluna escorado nos argumentos da situação de Pelé em seus últimos anos de vida e da gestão de sua carreira. E vou frisar o que Neymar pai falou sobre “compromisso histórico com respeito, responsabilidade e amor pelo legado do Rei Pelé”.

O Rei sempre teve um carinho especial por Neymar, e esse acordo resolve um problema enorme (a briga em família). Espero, inclusive, que garanta o tratamento merecido não só à marca, mas à memória do Atleta do Século.

O Santos, por sua vez, deverá ser um parceiro mais do que importante nesse projeto, fundamental para que as coisas caminhem. Além disso, a mídia e a força que Neymar tem junto ao público mais jovem, crianças e adolescentes, é essencial para que as novas gerações saibam, conheçam e valorizem a história do maior camisa 10 da história do futebol.

Ah, por falar em memória, vale lembrar aqui a homenagem que a Memorabília do Esporte liderou com a inclusão do verbete “Pelé” como sinônimo de excelência no dicionário Michaelis, ação que teve a Pelé Foundation, o Santos, a End to End e o Sportv como parceiros. Um tributo a alguém que sempre merecerá todas as homenagens.

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Armário Fechado

Ah, uma última coisa: no vestiário da Vila Belmiro, o armário que era de Pelé está fechado desde que o Rei fez o último jogo oficial pelo Santos, em 1974. Ainda que o estádio tenha passado por reformas, o armário seguiu intacto (e trancado). Agora, Neymar é quem tem a chave.

O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte

Samy Vaisman é jornalista, sócio-diretor da MPC Rio Comunicação (@mpcriocom) e cofundador da Memorabília do Esporte (@memorabiliadoesporte)

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