A final da Libertadores tem um efeito colateral previsível e quase inevitável: ela fabrica heróis e vilões em questão de minutos. E, no dia seguinte, o clube que não levanta a taça acorda com um problema que vai muito além do campo: acorda com uma narrativa pronta, simples e perigosa: “entrou em crise”.
E aqui está a ironia: estamos falando de dois clubes que, nos últimos anos, se consolidaram como modelos de gestão, eficiência e competitividade. Clubes que transformaram estrutura em desempenho, desempenho em receita, e receita em continuidade. Ainda assim, ao primeiro sinal de derrota, tudo parece colocado sob suspeita. Principalmente no aspecto campo.
Os treinadores são questionados, e os atletas são massacrados, pois já não prestam para vestir aquela camisa.
E não dá para ser assim. Aqui no Brasil principalmente, o futebol ainda tem dessas coisas. A lógica da gestão trabalha em ciclos longos — orçamento, governança, captação, metodologia, formação, alta performance. A lógica social do futebol, por outro lado, funciona em ciclos emocionais curtíssimos. E poucas coisas são tão explosivas quanto uma final continental decidida em 90 minutos (ou um pouco mais).
No esporte, resultado legitima. Mas a derrota não necessariamente revela falhas; ela apenas aciona pressões que já estavam ali, difusas, esperando um gatilho. A final da Libertadores é esse gatilho perfeito.
O “dia seguinte” costuma seguir um roteiro conhecido.
Primeiro, a busca por culpados, geralmente concentrada no treinador e muitas vezes com o questionamento sobre continuidade. Depois, o barulho político interno, que ganha volume (nesse caso especificamente, acredito que não se aplica de maneira muito incisiva, visto que ambos os clubes parecem estar confortáveis politicamente: Leila Pereira por todo seu histórico recente vencedor, e Bap por estar no seu primeiro ano de mandato e liderar com folga o Brasileirão).
Por último, o tribunal permanente das redes sociais, onde a derrota vira diagnóstico definitivo. Nesse caso, ainda há o fator do enredo preparar um vilão para a partida, que poderá ficar marcado para sempre como o atleta que falhou em determinado momento da decisão.
É um ambiente em que a razão perde espaço para a urgência. E é justamente por isso que os clubes mais bem-estruturados costumam sofrer mais. Eles criam uma expectativa de excelência que, quando não alcançada, se transforma em cobrança multiplicada.
Mas aqui está o ponto que muitas vezes se perde no calor da discussão: um vice-campeonato continental não invalida um projeto. Os indicadores estruturais (financeiros, administrativos e esportivos) continuam lá. Nada disso se desfaz porque uma bola entrou ou não entrou. A Libertadores entrega um título, não um veredito de gestão.
O verdadeiro desafio começa após o apito final. É nos dias posteriores que um clube mostra se realmente está no patamar que diz ocupar. Gerenciar o pós-derrota, reduzir ruídos, blindar o processo, controlar a narrativa e preservar o projeto, tudo isso é tão decisivo quanto montar um elenco ou investir em infraestrutura.
E isso Palmeiras e Flamengo têm conseguido fazer com uma certa maestria.
A final da Libertadores termina dentro de campo. Mas o impacto dela sobre a reputação, a percepção e a política do clube começa no dia seguinte. E, no futebol, sobreviver bem a esse dia é tão importante quanto chegar até ele.
O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte
Bernardo Pontes, executivo de marketing com passagens por clubes como Fluminense, Vasco, Cruzeiro, Corinthians e Flamengo, é sócio da Alob Sports, agência de marketing esportivo especializada em intermediação e ativação no esporte, que conecta atletas e personalidades esportivas a marcas
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