A formação de jovens atletas no Brasil ainda é tratada, majoritariamente, com foco em performance e busca por talentos esportivos. No entanto, a realidade é clara: a grande maioria dos que entram na base não chegará ao profissional, e, entre os que chegam, poucos alcançarão estabilidade financeira. Diante disso, limitar o processo formativo ao aspecto técnico e tático é reduzir o potencial transformador do esporte.
O futebol, que envolve milhares de meninos e meninas no Brasil pode, e deve, atuar também como ferramenta de desenvolvimento humano, social e profissional. Competências socioemocionais, capacidade de comunicação, disciplina, resiliência e tomada de decisão sob pressão são tão importantes quanto o desempenho em campo e têm impacto duradouro na vida de qualquer jovem.
Para os que alcançam o alto rendimento, essas habilidades são ainda mais determinantes. O atleta de alto rendimento precisa lidar com pressão, exposição, gestão da carreira, finanças, redes sociais e liderança. Por isso, a formação integral não só apoia quem não seguirá no esporte, mas também potencializa quem nele permanece.
Valorizar esse modelo é investir em um futebol que forma cidadãos preparados para trilhar diferentes caminhos. Para ilustrar essa perspectiva, ouvi Dylan de Vicq Chada Vilela, de 21 anos, que viveu a jornada para se tornar atleta profissional, mas escolheu seguir outra trajetória e hoje é graduando de Agronomia na PUC-PR, além de executivo comercial na Agrotis.
A história dele revela muito sobre as lacunas e potências do processo formativo no futebol brasileiro. Leia o bate-papo abaixo:
Ana Teresa Ratti (ATR): Para começar, você pode se apresentar e contar brevemente a sua trajetória no futebol até decidir seguir seu caminho fora do esporte?
Dylan Vilela (DV): Meu nome é Dylan, nasci em Mineiros (GO) e, com 6 meses de idade, me mudei para Campo Grande (MS). Minha jornada no futebol começou aos 8 anos, quando ganhei uma bolsa em uma escola particular devido ao futsal e onde permaneci treinando até os 14 anos. O segundo passo foi com essa idade, quando mudei com a minha família para Curitiba (PR) para jogar no Athletico-PR. Depois desse período, passei por alguns times dentro e fora do Brasil, e decidi encerrar minha trajetória aos 20 anos, enquanto jogava profissionalmente no São Joseense-PR.

ATR: O que você levou do futebol que hoje te ajuda diretamente na profissão que escolheu?
DV: A maior característica é a adaptabilidade, mas também aprendi a lidar com situações constantes de alta pressão, trabalhei a comunicação e relações interpessoais. Além disso, aprendi a me desafiar sempre e, como hoje atuo na área comercial, tem sido de grande utilidade.
ATR: Olhando para o processo de formação que você viveu como jovem atleta, que oportunidades você enxerga que poderiam ter sido melhor trabalhadas para preparar você e seus colegas não só para o futebol, mas também para a vida fora dele?
DV: O processo começa muito cedo para a maioria. Não vejo o cuidado e o respeito com a infância, e temos que amadurecer e nos tornar “adultos” muito antes da hora, pois o futebol deixa de ser uma diversão e se torna um trabalho. Hoje, em alguns clubes, os diretores são grandes entendedores de futebol, mas não são bons gestores de pessoas. Eles focam apenas nos resultados e existe uma cobrança física e técnica dos atletas, mas não vejo a preocupação que deveria existir com a saúde mental, que na minha opinião é o que faz muitos jovens talentosos e que teriam futuro no futebol desistirem.
ATR: Você mantém contato com colegas de equipe daquela época? Como você avalia que a experiência no futebol impactou, positiva ou negativamente, o desenvolvimento pessoal deles?
DV: Tenho com a maioria. Grande parte impactou negativamente, pois muitos não conseguiram seguir a vida em outra área, devido ao tempo que ficaram “presos” ao futebol. Hoje, não conseguem seguir nem se sentem realizados em outra área. Mas os que conseguiram extrair as experiências e impacto positivos, tiveram destaque em outras áreas.
ATR: Em que momento você percebeu que seguir outra profissão seria o melhor caminho, e como essa transição aconteceu, tanto emocionalmente quanto na prática?
DV: Chegou um momento que não fazia mais sentido, tanto emocionalmente quanto financeiramente. Eu não tinha mais perspectiva de carreira. E, ao mesmo tempo, na faculdade, enxergava diversos caminhos e oportunidades que estava perdendo por conta do futebol. A transição foi rápida, emocionalmente foi mais difícil nos três primeiros meses, mas depois que me adaptei à nova vida, sinto saudade do futebol em alguns momentos, mas em nenhum momento sinto arrependimento. A decisão é difícil, mas, depois que passa o primeiro período mais complicado, vejo que valeu a pena.
ATR: Para jovens que hoje vivem algo parecido com o que você viveu, dedicados ao futebol, mas conscientes de que o futuro é incerto, que conselho você daria para aproveitar ao máximo essa fase e desenvolver competências úteis para qualquer percurso?
DV: O principal conselho é o cuidado com a saúde mental e fazer terapia. Se a cabeça estiver bem, é tudo muito mais fácil. É importante que você vá até onde esteja te fazendo feliz, pois mesmo que por alguns momentos não faça sentido, precisa estar te fazendo feliz. No momento que isso deixar de acontecer, você precisa ter a maturidade de seguir outros caminhos, por você. Se você não está mais feliz, você é completamente capaz de recalcular tudo e levar as partes boas do futebol para onde você for. E o mais importante: desfrutar e aproveitar o processo, pois mesmo que não dê certo, tudo que você viver é ensinamento, e em algum momento vai valer a pena.
ATR: Qual foi o papel dos seus pais no processo de desenvolvimento como atleta e, depois, no processo da decisão de seguir o caminho fora do esporte?
DV: Foram fundamentais dentro do esporte, foram meus maiores incentivadores. Por isso, quando decidi parar de jogar, não foi fácil para eles, mas com o tempo eles entenderam, apoiaram e, hoje, estão satisfeitos e orgulhosos do caminho que segui.
O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva
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