Dois meses depois de ser anunciado como diretor de marketing do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Gustavo Herbetta traça planos para atrair mais patrocinadores à entidade, oferecendo oportunidades de engajamento de marcas e ações de ativação durante todo o ciclo olímpico até os Jogos de Paris 2024.
“O maior desafio que tenho no COB é mostrar para as marcas primeiro o que é olimpismo e o que são esses valores. E mostrar que o olimpismo não é um encontro de quatro em quatro anos, que acontece só durante os Jogos Olímpicos”, afirmou Herbetta, em conversa com a Máquina do Esporte, em sua primeira entrevista à imprensa desde que foi efetivado no COB.
No bate-papo de quase uma hora por telefone, o executivo falou da diferença de atuar no esporte olímpico após suas experiências no futebol no Corinthians e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de como aumentar o engajamento com os fãs, como dialogar com os jovens, quais os segmentos em que busca atrair patrocínios, das razões de não buscar parcerias comerciais com plataformas de blockchain e sites de apostas, setores que têm investido muito no esporte, e os desafios que aguardam o COB até o Pan-Americano de Santiago 2023 e a Olimpíada de Paris 2024.
Leia os principais trechos da conversa a seguir:
MÁQUINA DO ESPORTE: Após sua experiência no futebol, como está sendo o desafio de trabalhar com o esporte olímpico?
GUSTAVO HERBETTA: Minha primeira impressão foi uma surpresa superpositiva de contar no COB com uma estrutura totalmente organizada. Encontrei um time muito capacitado e experiente naquilo que é o objetivo do COB, que é performance, nas missões que o Time Brasil participa, capitaneado pelo Rogério [Sampaio, diretor geral do COB] e pelo Paulo Wanderley [Teixeira, presidente do comitê]. A área de comunicação está num estágio bem mais avançado do que encontrei lá atrás no futebol.
Nem é minha área, mas se olhar resultados de performance que o COB vem tendo, já se vê essa evolução. Também há algumas iniciativas do comitê na área de capacitação, formação de profissionais e inclusão social através do Transforma [programa do comitê em parceria com escolas], a parte de memória olímpica e o desenvolvimento esportivo liderado pelo Kenji Saito [diretor de desenvolvimento esportivo]. O mercado não conhece isso. São programas de muito valor.
MDE: Por causa do adiamento dos Jogos de Tóquio em um ano, teremos um ciclo olímpico mais curto até Paris 2024. Como atrair patrocinadores até lá?
GH: Sob o ponto de vista de marketing, temos um ciclo de dois anos. No próximo dia 26 de julho, em São Paulo, teremos um evento que será o marco de dois anos para Paris 2024. Estamos convidando o mercado anunciante, as principais empresas, parceiros, patrocinadores e outros para falar do planejamento de marketing e comunicação desse ciclo. Vamos mostrar algumas novidades que teremos até Paris. É um ciclo em que apostamos muito, especialmente após a Copa do Mundo [do Catar, em novembro e dezembro].
Vamos falar de nossos planos de marketing. O movimento olímpico não é algo que aconteça de quatro em quatro anos. Há oportunidades para se conectar com os fãs diariamente.
MDE: É um momento difícil de conseguir novos patrocinadores, com o mercado ainda em retomada neste pós-pandemia?
GH: Vimos uma queda de patrocínio e investimentos no futebol de quase 30%, mas muito atrelada ao que a pandemia afetou diretamente, como bilheteria e aquele período sem competição. Houve renegociações de contratos. Mas, em relação ao momento atual, o investimento de marcas no futebol e no esporte em geral, não há crise.
O principal trabalho que fiz aqui foi botar pé no acelerador da parte comercial. Montamos uma apresentação, com propriedades novas, pensando em como a marca que se associa ao Time Brasil tem oportunidade de se conectar com fãs e atingir seus objetivos não só nos Jogos [Olímpicos], mas durante essa jornada [dos quatro anos do ciclo olímpico].
Vamos lançar algumas iniciativas diretamente para impactar nosso público final, o fã, que é o que as marcas mais procuram em parceria. Estamos vendo como entregar resultados para nossos patrocinadores e atrair novos.
MDE: Um dos novos segmentos que têm investido muito em esporte são as empresas de blockchain e criptomoedas. O COB tem algum tipo de trabalho para atrair um patrocínio desse setor?
GH: Por enquanto não, e vou explicar a razão. No caso de NFT e criptomoedas, o COI [Comitê Olímpico Internacional] está liderando esse movimento e desenvolvendo uma plataforma global. Vamos ter uma conversa com o COI em agosto para entender como vai funcionar essa parceria. Cada país vai participar e opinar sobre a melhor forma de essa plataforma crescer, guardadas as peculiaridades de cada região. Sabemos do potencial desse setor. Ainda mais juntando com o mar de imagens e momentos olímpicos que temos.
MDE: Outro setor que tem investido muito em patrocínio esportivo são os sites de apostas. É um segmento que interessa ao COB?
GH: No caso de apostas, temos como parceiro as Loterias Caixa. Estamos conversando com eles para intensificar essa parceria. Neste segmento, estamos bem atendidos. Outros Comitês Olímpicos Nacionais também têm parcerias com suas loterias locais.
MDE: Ou seja, para o COB, o segmento de apostas esportivas é abarcado pelas Loterias Caixa?
GH: São formas diferentes de fazer a mesma coisa. Posso entrar em um site e apostar em um jogo, e posso apostar na Mega-Sena. As Loterias Caixa são um grande parceiro institucional nosso. Vamos usar pontos de contato com fãs para ajudá-los em seus objetivos como empresa.
MDE: Há conversas com empresas de outros segmentos que hoje não estão incluídas no portfólio de patrocinadores do COB?
GH: Nesses meses que estou no COB, parece que já foram três ou quatro anos. Tivemos conversas com mais de 15 empresas de segmentos que hoje que não são nem bloqueados pelos patrocinadores globais do COI, nem o COB possui parceiros. São vários segmentos potenciais, com marcas relevantes para tentar firmar parcerias não só para este ciclo curto até Paris [2024], mas até Los Angeles 2028.
MDE: Que segmentos são esses?
GH: Vemos bastante potencial no segmento farmacêutico, no varejo, em companhias aéreas e telefonia. Até Tóquio [2020], o parceiro de telefonia era a TIM. Hoje, não temos parceiro. Vemos muita oportunidade de licenciamento [de produtos], no segmento de beleza, especificamente em cosméticos, na indústria têxtil e na de alimentação. Há grandes segmentos, que investem muito em comunicação e esporte, que estamos buscando parcerias.
MDE: Outro setor que se tornou um novo player no patrocínio esportivo é o agronegócio. Há alguma empresa em vista?
GH: Claro. Há empresas de agronegócio com tecnologia e olhar para a sustentabilidade que têm muito a ver com o olimpismo e os valores do movimento olímpico. A sustentabilidade é um desses valores.
Teremos os Jogos da Juventude, com atletas de 15 a 17 anos, em setembro, em Aracaju [SE]. Vamos fazer um evento 100% sustentável, com zero emissão de carbono, já nesta linha de reforçar os valores olímpicos. É a retomada da competição. A última tinha sido em 2019, em Blumenau [SC], antes da pandemia. No ano que vem será em Ribeirão Preto [SP]. Já estamos conversando para a sede em 2024.
MDE: Esse tipo de evento serve para atrair patrocinadores ao ativar o público jovem?
GH: As marcas querem conversar com esse público. Houve seletivas em que participaram 2 milhões de jovens para chegar aos 4.500 atletas que participam dos Jogos da Juventude.
O Canal Olímpico do Brasil vai ser a emissora exclusiva dos Jogos da Juventude. Vai ter estúdio, entrevistas, convidados, programas e a transmissão das provas. Os familiares desses jovens não teriam como assistir à competição e terão acesso pela plataforma.
O próprio canal tem transmitido competições tradicionais, como o Troféu Maria Lenk [de natação], o Troféu Brasil de Atletismo, o Pan-Americano de Ginástica. É nossa estratégia de OTT, de reforçar essa frente, atraindo grandes marcas que buscam conteúdo diferenciado.
MDE: As redes sociais têm sido um destaque do COB. Como obter mais engajamento dos fãs com o Time Brasil?
GH: De janeiro a abril, o COB foi eleito pelo COI como o comitê com maior engajamento. Somos o segundo comitê em número de seguidores [atrás dos Estados Unidos]. E nós postamos nossos conteúdos em uma língua que não é universal. Tivemos números expressivos de crescimento e engajamento com os torcedores durante os Jogos [Olímpicos de Tóquio 2020]. Em breve, vamos divulgar resultados recentes que superam Tóquio, sendo que no Japão estávamos no ápice dos Jogos Olímpicos. Agora, temos nossa jornada até Paris.
As redes sociais, o Canal Olímpico, eventos como os Jogos da Juventude e as iniciativas mais educacionais são um pacote valiosíssimo que estamos mostrando ao mercado.
MDE: Há novos ativos a serem buscados para engajar os torcedores?
GH: Estamos desenhando um novo ecossistema, falando de marketing e comunicação, que vai desde a nova grade para o Canal Olímpico, com novos programas, com conteúdo que estamos habituados a ver em plataformas internacionais. Esse fã de esporte mais jovem está mais habituado com esse tipo de impacto do que na transmissão tradicional de uma emissora.
Há modalidades, hoje, que favorecem a conversa com esse público, como surfe, skate, basquete 3×3, vôlei, futebol, natação, atletismo, breaking, que estreia em Paris [na Olimpíada de 2024], que é um movimento social. Essas modalidades conversam com o público jovem através do canal, das redes sociais, de eventos como os Jogos da Juventude.
Teremos novidades no e-commerce e nos licenciamentos para juntarmos engajamento com monetização do fã. É algo que o futebol já faz há alguns anos como parte do programa de relacionamento.
MDE: O mercado parece enxergar o movimento olímpico apenas em ano de Olimpíada e Jogos Pan-Americanos. Como atrair esses patrocinadores nos demais anos do ciclo olímpico?
GH: O maior desafio que tenho no COB é mostrar para as marcas primeiro o que é olimpismo, o que são esses valores que hoje pautam a nossa sociedade e a sociedade global. Mostrar que o olimpismo não é um encontro de quatro em quatro anos, que acontece só durante os Jogos Olímpicos.
Esses grandes eventos, assim como a Copa do Mundo, têm suas restrições. E também temos soluções para essas restrições. As marcas buscam exposição, notoriedade, conversão, engajamento. Entregamos tudo isso.
MDE: Como fazer com que o engajamento do fã despertado durante a Olimpíada se mantenha pelos demais anos do ciclo olímpico?
GH: Ao contrário do que se imagina, o Brasil não é um país de monocultura esportiva. O brasileiro é fã de esporte. Gosta de outras modalidades, não só de futebol. É só ver o resultado da audiência da Olimpíada de Tóquio. Mesmo de madrugada, houve muito interesse por competições como surfe, skate e vôlei. O brasileiro acompanhou os feitos da Ana Marcela [Cunha, na maratona aquática], do Isaquias [Queiroz, na canoagem], da Rebeca [Andrade, na ginástica artística].
Nosso desafio é fazer com que essa conexão não aconteça só na Olimpíada, mas com mais tempo e de maneira antecipada. Terminada a Copa do Catar [em dezembro], temos um ano e meio, quase dois anos para abordar esse assunto. Vamos falar dos valores do olimpismo. Tudo o que foi criado pelo Barão Pierre de Coubertin deveria ser mais considerado no mundo atual: os valores do esporte e da educação, a ética que o olimpismo traz e o esporte a serviço da humanidade têm muito a ver com a pauta atual. Vamos bater muito nessa tecla de resgatar esses valores.
MDE: Como está o planejamento para o Pan-Americano de Santiago 2023 e a Olimpíada de Paris 2024?
GH: Temos, na verdade, um calendário mais aprofundado. Haverá os Jogos Sul-Americanos de Assunção, em outubro. No ano que vem, temos os Beach Games na Indonésia, um evento novo, que vai acontecer no meio do ano. Há potencial de falar com o público jovem com algumas modalidades que fazem parte desse programa, como o beach tennis, que é uma febre e tem muita coisa para mostrar para as marcas. Depois, teremos o Pan-Americano, em outubro de 2023, e os Jogos Olímpicos, em julho de 2024.
Como marketing, damos suporte no que diz respeito à parte de comunicação visual do Time Brasil. Fazemos toda a parte de ativação de parceiros e patrocinadores que querem estar presentes, seja em ações de relacionamento, seja em ativação no Brasil falando da competição, toda a parte de conteúdo que nossos parceiros buscam neste momento.
São essas as principais competições. De novo mostram que não são só os Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos. Temos um calendário repleto de competições em cada ciclo olímpico.
MDE: Qual é a diferença entre trabalhar com futebol e esporte olímpico?
GH: Os dois maiores impactos que tive na chegada foram o nível de preparo da equipe, pois peguei uma equipe capacitada em todas as frentes. E os valores e propósitos do olimpismo, que confesso que não conhecia. Eu era o fã de esporte que me conectava nas missões nos Jogos Olímpicos e nos Jogos Pan-Americanos. Não entendia muito o que era o olimpismo. Isso é completamente diferente do futebol. O futebol tem seu valor, paixão, engajamento, a relação com os clubes e a relação esporádica com a seleção brasileira, que também emociona. Mas o que o movimento olímpico tem de diferente é o propósito, que vai além do esporte. São valores que as principais marcas buscam hoje. Foi o principal diferencial que me impactou aqui. Temos realmente um programa esportivo de alta performance com propósito.