Como prometido na minha coluna do mês passado, vou tentar apresentar aqui um pouco das ideias e pontos que são discutidos na definição da distribuição de jogos nas mais diferentes plataformas detentoras de direitos de uma mesma competição.
Antigamente, a exclusividade de toda a competição era a estratégia mais simples a ser adotada. É muito mais fácil promover que todos os jogos do Campeonato Brasileiro estarão todos na mesma plataforma do que promover que o jogo X estará na plataforma A, e o jogo Y na plataforma B. Mas, às vezes, o custo para esta exclusividade fica inviável, e por isso a divisão dos direitos de um torneio pode acabar fazendo sentido.
O custo dos direitos de transmissão é maior quando o interesse é maior. É por isso que o valor da Premier League é alto na Inglaterra, o da NFL é alto nos EUA, e o Campeonato Brasileiro é alto por aqui. Os principais produtos de cada mercado são os direitos domésticos que despertam maior interesse dentro daquele país.
E com isso o “fatiamento” dos direitos pode passar a fazer um certo sentido. A NFL tem vários “broadcast partners” nos EUA, a Premier League tem Sky e BT como parceiras no Reino Unido e, por aqui, mesmo sendo de um mesmo grupo, podemos dizer que o Campeonato Brasileiro tem três parceiros: TV Globo, Sportv e Premiere. Os valores só chegam aos números atuais porque o Grupo Globo consegue monetizar de formas distintas os direitos do Brasileirão.
Todos os exemplos que apresentei até aqui são de direitos que chamamos de “domésticos”, ou seja, direitos de eventos que ocorrem no território onde eles estão sendo vendidos. Mas já tivemos, em alguns momentos, exemplos de direitos de competições internacionais que foram divididos entre duas ou mais emissoras. Em 2014, por exemplo, ESPN e Fox Sports se aliaram na aquisição dos direitos da LaLiga para o Brasil. Em 2020, Band, Bandsports, Sportv e TNT Sports dividiram os direitos do Campeonato Italiano. Em ambos os casos, os direitos do torneio eram divididos, mas cada um tinha exclusividade dos seus jogos.
No caso da LaLiga, Fox e ESPN apresentaram a proposta em conjunto, ou seja, o vendedor já sabia no momento da venda como os direitos seriam explorados, e as emissoras já tinham chegado a um acordo sobre a forma de escolha dos jogos a cada rodada. Se a ESPN transmitisse o Real Madrid, a Fox transmitiria o Barcelona. Nos clássicos, cada emissora ficaria com um deles, etc.
No caso do Campeonato Italiano, a venda foi feita de forma individual a cada emissora. Então, ao fechar o acordo, cada um tinha ciência de qual seria sua escolha de jogos, e quantos jogos estavam no seu pacote a cada rodada. A TV Band, por exemplo, estipulou que os jogos que acontecessem aos sábados e domingos, às 13h (horário Brasil), seriam os jogos que ela exibiria, não tendo muita importância quais times jogariam. Em algumas semanas, havia jogos de times de menor expressão, enquanto em outras rodadas chegaram a transmitir clássicos entre as grandes equipes do Calcio.
As emissoras “fechadas”, portanto, escolhiam seus jogos já sabendo quais teriam transmissão na TV aberta. Obviamente, deixavam estes jogos para o final e escolhiam principalmente as partidas que poderiam transmitir de forma 100% exclusiva.
Em relação aos direitos das competições de clubes da Conmebol, os pacotes e direitos (quais seriam os direitos e condições para as escolhas dos jogos ao longo da temporada) estavam definidos no momento do lançamento do Request for Proposal (RFP). E uma destas condições era justamente a garantia que todos os “broadcast partners” teriam jogos exclusivos de equipes relevantes para o seu território, independentemente da plataforma. Este foi um fatores que atraiu para a mesa grandes players que se tornaram parceiros da Conmebol, com direito a taxas de licença (license fees) polpudas.
A Uefa também garante aos seus parceiros esta mesma garantia, girando e alternando os dias e horários dos jogos das grandes equipes. E, usando o exemplo do Brasil, o SBT, que só transmite jogos às terças-feiras, acaba alternando as equipes que exibe, pois o PSG joga uma rodada na terça e outra na quarta, e o mesmo ocorre com Real Madrid, Barcelona e todas as outras equipes. Isso acaba dando visibilidade a todos e, ao mesmo tempo, certa exclusividade para todos os parceiros em janelas de exibição diferentes.
As estratégias corretas de empacotamento e montagem de tabelas é o que acaba criando a tal concorrência entre os variados grupos de mídia, aumentando assim o valor pelos direitos. É claro que isso acaba complicando um pouco a vida do consumidor final, pois possivelmente ele terá que assinar mais do que uma plataforma para acompanhar todos os jogos de algum torneio relevante. Além disso, ainda pode ser que tenha certa dificuldade em encontrar o jogo.
Mas, acreditem, isso acaba beneficiando os clubes, que conseguem gerar mais receita e, com isso, investir mais em talentos, estádios, etc. No final, o que acaba sendo entregue é um produto ainda melhor ao consumidor final. Ou seja, pode ser um pouco mais difícil, mas, no fim, é bom para todo o ecossistema esportivo.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte