Não haveria lugar melhor para um encontro entre os principais líderes europeus e mundiais do endurance (corrida, ciclismo, natação, triatlo, trail) do que o país que deu origem às competições esportivas na história humana: a Grécia.
Durante os dois dias que antecederam a Maratona de Atenas, 400 executivos de diversos países da Europa, além de representantes da Ásia, dos Estados Unidos e do Brasil, se reuniram para debater o futuro dos negócios do setor.
Entre os principais tópicos discutidos, destacaram-se grandes cases de crescimento dos eventos esportivos europeus, a importância da união e cooperação global no setor e como a tecnologia remodelará o mercado.
Na visão de um brasileiro presente, é importante ressaltar: os problemas são semelhantes no mundo inteiro. A busca pelo fortalecimento do segmento e a criação de espaços de protagonismo para o running no cenário esportivo foram pontos de conexão entre a América Latina e a Europa.
Assim como os desafios, o crescimento impulsionado por uma mudança de mentalidade social é uma semelhança que se repete, como no Brasil. Todos relataram recordes históricos de vendas de inscrições e patrocínios em um contexto de celebração e reflexão, mas como criar um cenário sustentável que garanta que esse é apenas o começo?
Conversas abertas e receptividade
O Velho Continente, com toda sua pluralidade cultural, se destacou pela receptividade. Na nossa última experiência internacional, no Running USA, confesso que sentimos uma sensação “outsider”, ou seja, de estar de fora.
Em Atenas, foi diferente. A European Running Conference (ERC) abriu suas portas para conversas diversas, criando espaços de fala. Italianos, alemães e franceses realmente queriam saber como as coisas funcionam no Brasil e, mais do que isso, estavam abertos para negócios.
O tema recorrente foi a cooperação. Discutiu-se muito a criação de ligas, como já acontece com as Majors Marathons (Boston, Nova York, Chicago, Tóquio, Berlim e Londres) e com as SuperHalfs, um circuito de seis meias-maratonas (Lisboa, Praga, Berlim, Copenhague, Cardiff e Valência). A última, aliás, foi mencionada repetidamente como exemplo de acessibilidade e motor de crescimento para o mercado. Vale destacar, inclusive, que o poder das meias-maratonas é gigantesco.
Um dos principais temas de discussão foi como integrar os eventos de endurance ao turismo. Para muitos, as sinergias são tantas que ambas as indústrias se misturam indefinidamente. Estima-se que o turismo esportivo amador atraia cerca de 205 milhões de pessoas anualmente. Nos EUA, o mercado de running específico gira em torno de US$ 52,2 bilhões.
O conceito do evento, “Things that bring us together” (“Coisas que nos aproximam”, em tradução livre), resume bem o tom das discussões.
Conteúdo e cases da ERC
A Maratona de Londres foi um dos destaques do evento. Nas palavras de Hugh Brasher, CEO da prova, “precisamos assumir nosso protagonismo e criar um legado”.
A Mini-Marathon, com percursos de 1 milha ou 1,6km, contou com 18 mil crianças em 2024, o número mais impressionante do evento. O custo para as famílias é zero, e cada criança que participa gera uma doação automática, patrocinada por apoiadores, de £ 10 para sua escola. Esse valor é destinado exclusivamente para melhorias na infraestrutura esportiva das escolas.
Além dos cases de eventos, discutiu-se muito sobre tecnologia. Apesar de tentativas de trazer inteligência artificial (IA) para o debate, a conversa pareceu superficial. Ainda há uma necessidade urgente de letramento sobre tecnologias emergentes (ou nem tão emergentes assim) no setor. É pouco para quem atravessa o continente em busca de conteúdo, mas mostra um cenário similar ao brasileiro.
Ainda assim, o debate sobre a ultrapersonalização das experiências foi rico. Na Maratona de Londres, a meta é que, até 2028, mil participantes possam customizar radicalmente seus serviços na prova. Um exemplo do projeto: postos de hidratação terão a bebida escolhida previamente pelo corredor.
Por fim, diversos conteúdos abordaram a pauta ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês). O lema de fazer “mais com menos” está no radar de vários líderes regionais, que buscam estratégias para otimizar recursos. Um exemplo: avaliar o funil de participação para ajustar as quantidades de forma precisa e evitar desperdícios, considerando quantos inscritos realmente comparecem ao evento.
A Maratona de Atenas
A Maratona de Atenas foi o pano de fundo da European Running Conference, mas separar as experiências é impossível.
O percurso, que refaz a rota do mítico Fidípides em 490 a.C., é emblemático e espetacular. A chegada ao Estádio Olímpico parece mágica, proporcionando uma sensação de fazer parte da história humana. Não é uma prova focada em desempenho máximo e tampouco se preocupa com minimalismos organizacionais, mas oferece uma experiência grandiosa.
A expo é impressionante, com centenas de marcas de todos os segmentos. É também um exemplo de como um evento esportivo pode ser um negócio próspero e consistente. Ao todo, 72 mil pessoas correram os percursos de 5km, 10km e 42km, além de gerar milhares de oportunidades de turismo, conexão com familiares e um motivo especial para visitar Atenas.
O vínculo com as cidades que sediam eventos esportivos é profundo. São patrimônios inseparáveis, como já discutido no contexto do turismo. Isso nos ensina que eventos de participação em massa são patrimônios sociais únicos, e a sociedade brasileira ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar essa percepção.
A próxima edição da ERC acontecerá na cidade do Porto, em Portugal, em 2026, nos dias que antecedem a maratona local, ainda sem inscrições abertas. Nos vemos lá.
Daniel Krutman é empreendedor e publicitário. Formado em Comunicação Social, pós-graduado em Ciências do Consumo e mestre em Marketing Digital, ocupa atualmente o cargo de CEO da plataforma de vendas de inscrições Ticket Sports, além de ser fundador da The Squad Academy, hub de conteúdo para o esporte