Nas últimas semanas, ao longo da chamada Data Fifa, os torcedores assistiram a diversas lesões de atletas em jogos por suas seleções nacionais. Apenas para citar alguns casos, podemos mencionar Neymar, Vinícius Júnior, Eduardo Camavinga, Gavi, Erling Haaland e, como exemplo de atleta que atua no Brasil, Tomás Rincón.
Esse cenário traz à luz um importante e pouco falado programa da Fifa para compensar financeiramente os clubes empregadores de tais jogadores. Trata-se do “Fifa Club Protection Programme”. Assim, esta coluna se volta a apresentá-lo, expondo seus principais requisitos e limitações.
Como é sabido, a relação entre os clubes e as seleções nacionais nem sempre é simples ou harmoniosa. Afinal, muitas vezes as agremiações não têm interesse em liberar seus atletas, seja para não perdê-los em jogos e treinos ou, justamente, para evitar lesões.
No entanto, no caso das chamadas Datas Fifa, a liberação é obrigatória. Anualmente, a Fifa divulga um calendário destinado, especificamente, para a realização de jogos entre seleções. Em tais períodos, a agremiação não possui escolha, sendo compelida a liberar qualquer jogador que venha a ser convocado.
Inclusive, em 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) determinou a paralisação da Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino ao longo de todas as Datas Fifa. Isso evita que eventuais jogadores convocados desfalquem seus times, além de possibilitar, é claro, que o técnico Fernando Diniz comande, ao mesmo tempo, o Fluminense e a seleção brasileira.
Apesar dessa paralisação, não se pode esquecer que, mesmo em tais casos, os clubes deixam de contar com tais jogadores ao longo de treinos que poderiam ser essenciais (a depender do momento do calendário), bem como correm o risco dos atletas se lesionarem.
Como forma de minimizar os danos dos clubes empregadores, a Fifa pode lhes pagar indenização quando o atleta ficar afastado de suas atividades por mais de 28 dias em razão de uma lesão que ocorra ao longo da atuação pela seleção principal, seja durante uma Data Fifa, a Copa do Mundo (masculina ou feminina) ou a Copa das Confederações. Para isso, a agremiação deve comunicar a lesão dentro desse período de 28 dias, de acordo com um procedimento burocrático regulamentado pela entidade.
A Fifa já esclareceu, nesse sentido, que não estão cobertas apenas as lesões que ocorram durante os jogos. Também estão abarcadas as situações que ocorram em treinos ou viagens pela seleção, assim como situações que aconteçam enquanto o jogador estiver sob responsabilidade de sua seleção.
Há, porém, diversas exceções, como acidentes decorrentes de crime ou tentativa de crime pelo jogador; lesões causadas pelo próprio jogador a si mesmo; e acidentes decorrentes de guerra ou radiação nuclear.
Por outro lado, convém mencionar que apenas se aplicam ao programa as lesões que ocorram com atletas profissionais, de acordo com as concepções da Fifa. Ou seja, quando o jogador tiver contrato escrito com sua agremiação e receber mais do que gasta para atuar desportivamente.
Outro ponto importante é que não são contempladas doenças ou lesões pré-existentes. Apesar de parecer uma condição razoável, não se pode deixar de mencionar que isso pode trazer grandes dúvidas e discussões na prática. Afinal, não é raro que os jogadores possuam lesões recorrentes e/ou condições degenerativas decorrentes do uso excessivo ao longo de sua carreira como um todo.
De maneira geral, entende-se, pois, que a indenização será devida quando o atleta tiver se apresentado à seleção em condição de jogo, e a atuação pela equipe nacional tenha, ao menos, contribuído para a lesão.
Além disso, o programa da Fifa também prevê o pagamento de indenização quando o jogador, após ter uma lesão durante a atuação pela seleção, sofrer novamente com a mesma condição em menos de 30 dias de sua recuperação (o que evidencia novamente a habitualidade de lesões recorrentes no futebol).
A Fifa calcula, então, um valor por dia de afastamento do jogador, com base em seu salário, sem considerar luvas e remuneração variável, como bônus por performance. Para isso, excluem-se os primeiros 28 dias de afastamento, que são a condição para que o clube passe a fazer jus à indenização.
No entanto, há um valor limite de pagamento por jogador (€ 7,5 milhões) e de disponibilidade anual de dinheiro que pode ser destinado pela Fifa para essas situações, independentemente do número de lesões que ocorram (€ 80 milhões). Além disso, as indenizações são pagas por um ano no máximo e apenas enquanto o atleta estiver lesionado e mantiver contrato de trabalho com seu clube empregador.
É digno de nota que o programa da Fifa não prevê indenizações caso os atletas sofram lesões que levem à incapacidade permanente de atuar ou, ainda, faleçam em um jogo disputado por sua seleção. Também não há nenhum auxílio financeiro ao tratamento dos jogadores, e sim apenas o pagamento de indenização aos clubes pelo prejuízo de não poderem se valer de seus atletas por determinado período.
Percebe-se, portanto, que o programa não resolve todos os problemas decorrentes de lesões de atletas atuando por seleções nacionais. Apesar disso, trata-se de uma medida importante e que deve ser conhecida por todos aqueles que atuam no mercado futebolístico.
Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo; atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados; é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; membra da IB|A Académie du Sport; e escreve mensalmente na Máquina do Esporte