No universo das batalhas de rima, a competição vai muito além de um simples duelo de palavras. É um confronto de mentes rápidas, criatividade, sonoridade e habilidade verbal, em que vencer depende tanto do improviso quanto do carisma e da capacidade de envolver o público. As batalhas de rima são torneios de raciocínio rápido, um jogo que exige técnica, atitude e, acima de tudo, respeito entre os competidores. Nesse ambiente altamente competitivo, nascem talentos e surgem carreiras que acabam conquistando os palcos da música brasileira.
Hoje, tenho o prazer de entrevistar Marcus Perez, head de conteúdo do MIBR e um grande entusiasta desse cenário. Ele não só conhece profundamente as batalhas de rima, como também foi fundamental para trazer esse universo para a nossa organização. Foi ele quem nos apresentou a batalha de rima e costurou a entrada do time no cenário. Ele nos ajudará a entender melhor os fundamentos, curiosidades e desafios desse mundo de competição e arte.
Roberta Coelho: Como você descreveria o conceito de batalha de rima para quem nunca assistiu a uma?
Marcus Perez: Eu sempre costumo destacar que a batalha de rima é uma vertente da cultura hip-hop e sua dinâmica é muito parecida com uma luta, seja de boxe ou de alguma arte marcial. Pois, basicamente, consiste em um embate direto 1×1 em que cada MC faz sua rima de freestyle, ou seja, de maneira improvisada, ali, na hora, atacando e respondendo ao oponente. Normalmente, uma batalha é uma melhor de três rounds, e quem vence dois, de acordo com alguns critérios avaliados por jurados ou pelo clamor da plateia, leva a vitória da batalha.
Um evento simples de freestyle costuma reunir 16 MCs e funciona em um esquema de sorteio que gera um chaveamento em fases de confronto “mata ou morre”. Portanto, o MC precisa vencer quatro oponentes em sequência para sair com a vitória da edição.
RC: Onde nasceu a batalha de rima e como ela cresceu no Brasil?
MP: O ato de rimar de forma improvisada em cima de batidas feitas por um DJ nas pick-ups é a origem do rap e o nascimento do MC como artista, consequentemente, do próprio hip-hop, nos Estados Unidos, na década de 1970. Já as batalhas de rima são um reflexo da disputa por espaço e reconhecimento nessa cultura urbana.
O movimento cresceu no Brasil no começo dos anos 2000, impulsionado por diversos fatores, como o crescimento do rap como gênero musical no país, o acesso à informação por meio da internet e também por certa influência do filme “8 Mile”, protagonizado pelo rapper Eminem, que retrata a vida de um jovem que usa as batalhas de rima como subterfúgio para lidar com seus problemas familiares e acaba encontrando uma razão para viver.
Os primeiros registros brasileiros sobre a criação de batalhas de rima datam de 2003, com a fundação da Liga dos MCs, em Belo Horizonte (MG). Também na primeira década dos anos 2000, temos a criação da Batalha do Real, no Rio de Janeiro (RJ), e da Rinha dos MCs e da Batalha do Santa Cruz, em São Paulo (SP), entre outras.
RC: Como se chamam os “atletas” da batalha de rima?
MP: Esses “atletas” são conhecidos como “MCs”, sigla para “Mestre de Cerimônias”, porque, na concepção do rap, eles eram os responsáveis por pegar o microfone e animar as festas, versando em cima das batidas feitas pelos DJs.
Hoje em dia, os MCs de batalha podem ser considerados verdadeiros “atletas” ou, pelo menos, profissionais da rima, porque muitos se dedicam diariamente ao freestyle e levam uma vida profissional performando em alto nível em diversos eventos por todo o Brasil.
RC: Quais são os principais elementos que tornam uma batalha de rima interessante e desafiadora?
MP: Com a evolução das batalhas como entretenimento, a criação de novas vertentes no rap e a alta exigência dos MCs, surgiram diversos elementos que tornam as batalhas mais interessantes para o público. Tem gente que gosta mais da construção das rimas, com métricas elaboradas. Outros gostam mais da sonoridade que o MC dá para entregar seus versos. Além disso, existem diversas modalidades de batalhas que desafiam os MCs a saírem de suas zonas de conforto.
Atualmente, eles podem ser desafiados a improvisar com objetos, palavras aleatórias em várias velocidades diferentes, ou podem rimar em cima de batidas com ritmos completamente diferentes do habitual, como reggae ou dancehall. Existe também a modalidade em que um MC só pode rimar fazendo perguntas, e o oponente deve rimar apenas respondendo a esses questionamentos.
Essas novas modalidades de batalha de rima ainda são novidade no cenário, mas elas vêm ganhando cada vez mais adeptos, e o improviso é um campo fértil e infinito para a criatividade.
RC: Existe uma associação organizadora de batalhas de rima com regras universais, ou qualquer um pode criar sua competição e suas próprias regras? Existem limites no que pode ser dito?
MP: Não existe nenhuma associação organizadora que centralize regras ou a criação de batalhas. Qualquer pessoa pode criar sua batalha com suas próprias regras e modalidades, mas, por ter seus princípios alinhados ao hip-hop, o movimento de batalhas sempre respeita a ideologia e as crenças pertencentes à cultura.
Portanto, existe uma espécie de código de conduta universal que busca inibir versos que possam reforçar preconceitos, fomentar a violência contra a mulher e ofender familiares dos MCs, entre outros tipos de possíveis declarações controversas.
RC: Você sabe dizer o tamanho desse universo no Brasil?
MP: Acredito que o universo das batalhas seja imensurável, é um mercado em franca expansão. Podemos usar a Batalha da Aldeia (BDA) como referência, já que é a maior batalha de rimas do Brasil. Eles têm 2 milhões de seguidores no Instagram e quase 5 milhões de inscritos no YouTube, mas esses números não correspondem ao apelo e ao impacto gigantescos que as batalhas têm por toda a internet.
Quando o Apollo, MC aqui do MIBR Rap Clube, venceu o evento especial de aniversário de 8 anos da BDA em julho, ele ganhou cerca de 150 mil seguidores em 48 horas, totalizando mais de 300 mil novos fãs em cerca de 15 dias.
Como comparação, 180 mil seguidores é o total aproximado de seguidores que a participante mais seguida do “Estrela da Casa”, reality show musical que está no ar na TV Globo, tem em seu Instagram desde a estreia do programa, em agosto.
RC: Como os MCs se preparam para as batalhas? Existe uma técnica ou é mais uma questão de improviso puro?
MP: Cada MC tem seu jeito. Alguns preferem ficar mais quietos, concentrados. Já outros preferem prestigiar os amigos que estão rimando antes, conversar sobre as batalhas e, às vezes, até rolam algumas batalhas de brincadeira nos bastidores entre os MCs como aquecimento para entrar no ritmo, aquecer a voz e ajustar a dicção, por exemplo. Cada um tem sua forma de controlar o nervosismo e manter o foco.
Roberta Coelho é CEO da equipe de e-Sports MIBR e escreve mensalmente na Máquina do Esporte