Patrocinar um clube de futebol é um dos investimentos mais visíveis no marketing esportivo. A camisa é um “outdoor” ambulante, vista por milhões. Mas será que quanto mais marcas estampadas, melhor? Existe um número “mágico” para que o torcedor realmente se lembre do patrocinador?
A resposta, segundo a Ciência, é um sonoro NÃO. Não existe um número mágico.
Não há uma quantidade fixa que funcione para todos. Mas existe, sim, um limite crucial: o limite cognitivo e emocional do torcedor para absorver, lembrar e, mais importante, se conectar com as marcas ali presentes.
E a surpresa? Esse limite é muito mais baixo do que muitos clubes e empresas imaginam.
O inimigo silencioso: O “clutter” visual
Imagine uma camisa repleta de logotipos, de diferentes tamanhos, cores e posições. O que acontece na mente do torcedor? É o fenômeno do “clutter” (poluição visual ou excesso de informação, em tradução livre).
A Teoria da Rede Associativa, que serviu como base teórica para o estudo realizado pela Armatore, explica que a informação é armazenada na memória de longo prazo como uma rede de conexões. Em condições de alto “clutter”, o número de links associativos na memória aumenta, e a probabilidade de recuperação de cada informação individual (incluindo o logotipo do patrocinador) diminui. Ou seja, o excesso de informação visual compete pela atenção e dificulta a lembrança.
Uma camisa com logotipos demais pode até ter alta “exposição” (sim, a marca aparece), mas essa exposição se torna desperdiçada para o patrocinador, porque a lembrança da marca cai abruptamente.
Os números na prática
O objetivo principal da pesquisa foi analisar as ligações teóricas e empíricas entre a intensidade da publicidade na camisa e as intenções do consumidor relacionadas à equipe e à marca patrocinadora, sempre buscando quantificar o impacto negativo do excesso de publicidade nas camisas de jogo e propor uma estrutura para determinar o que poderia ser considerado um nível ótimo de publicidade.
- O aumento no número de logotipos no uniforme levou a uma queda significativa e abrupta na lembrança da marca;
- Em uniformes com apenas dois logotipos, a taxa de lembrança esperada foi de 100% em mais da metade dos casos. Isso sugere que uma publicidade moderada (até dois logotipos) aumenta a taxa de lembrança da marca e não prejudica a imagem da equipe;
- Mas em uma camisa “superlotada” (com 8 ou mais logotipos), a taxa de lembrança esperada para um logotipo individual, na maioria dos casos, não passou de 17%.
O patrocinador principal no peito (comumente chamado de máster) é, sem surpresas, o mais memorável. No entanto, a lembrança de marcas secundárias começa a se diluir a partir do terceiro logotipo, principalmente entre espectadores ocasionais. A partir de três ou quatro marcas simultâneas na camisa, já se observa uma queda significativa na taxa de lembrança espontânea.
Conclusão
O número ideal de patrocinadores visíveis na camisa, focado na otimização da lembrança de marca, gira em torno de dois a três. Geralmente, isso significa um patrocinador principal em destaque no peito e até dois secundários em áreas como mangas ou ombros. Acima disso, a poluição visual tende a reduzir o retorno de marca.
É importante notar que, enquanto o excesso de logotipos prejudica a lembrança da marca e a atitude em relação ao time, o estudo não encontrou uma diferença significativa nas intenções de compra relacionadas ao time (como comprar mercadoria) entre camisas sem logotipo e camisas com dois logotipos. Isso sugere que a presença moderada de patrocinadores não necessariamente afasta o torcedor de comprar produtos do clube.
Mas aqui entra o dilema que desafia todo profissional de marketing esportivo: como equilibrar o que o torcedor prefere com o que o clube precisa?
De um lado, temos torcedores cada vez mais atentos à estética, ao simbolismo e à experiência emocional que a camisa representa. Uma camisa visualmente limpa, com poucos logotipos, não só favorece a lembrança das marcas como reforça o vínculo emocional com o clube. A camisa, para o torcedor, é quase um manto, e não um painel publicitário.
Por outro lado, há a dura realidade da gestão esportiva. Para muitos clubes, especialmente no Brasil, a receita de patrocínio direto no uniforme ainda representa uma fonte vital de sobrevivência, capaz de manter salários em dia, bancar categorias de base e competir em alto nível. Abrir mão de marcas pode significar abrir mão de capacidade competitiva.
Por isso, o verdadeiro desafio do marketing esportivo atual não é apenas vender espaço, mas orquestrar uma equação inteligente entre visibilidade, retorno e relacionamento.
Talvez a resposta esteja em menos marcas na camisa, mas com mais ativações fora dela. Em migrar parte da exposição para canais digitais, experiências imersivas, conteúdos cocriados e narrativas que engajem o torcedor em múltiplos pontos de contato. E, principalmente, em educar o mercado publicitário de que ocupar um centímetro de tecido não vale tanto quanto conquistar um lugar na memória e, principalmente, no coração do torcedor.
Ou… em mostrar ao torcedor o valor que cada marca representa para a sobrevivência e a competitividade do clube.
É papel do marketing também construir essa ponte. Explicar que aquele logotipo nos ombros não está ali por acaso; ele está viabilizando a folha salarial, a revelação de um novo craque e o investimento em tecnologia, estrutura e medicina esportiva, por exemplo.
Outra sugestão? Dar visibilidade às marcas com inteligência, mas também com propósito, incluindo o torcedor nessa lógica. Transformar o patrocinador em parte da história, não apenas da vitrine.
Quando o torcedor entende que aquele apoio financeiro sustenta o sonho coletivo (o seu, o do clube e o da comunidade), o logotipo deixa de ser ruído visual e passa a ser símbolo de parceria.
No fim das contas, o grande desafio do marketing esportivo é esse: transformar cada centímetro de exposição em centelha de conexão. E isso, definitivamente, não se resolve apenas com espaço. Resolve-se com estratégia.
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Fernando Fleury é CEO da Armatore Market+Science, PhD em Comportamento do Consumo e trabalha com inovação e tecnologia para criar novos modelos de negócios para a indústria com a construção de soluções avançadas e modelos preditivos usando inteligência artificial, aprendizado de máquina e ciência de dados para entender o ciclo de vida dos produtos, criar novos produtos e identificar e rastrear clusters a fim de aumentar a receita, o público e o envolvimento dos fãs