Queridos jogadores de futebol,
Vocês se lembram da primeira vez que foram a um estádio de futebol? Eu me lembro claramente da minha primeira vez no Maracanã. Meu pai me levou com meu irmão, tio e primo. Está bem, não consigo recordar de nada da partida, afinal de contas devia ter uns 4 anos de idade, mas ainda tenho fresca na memória a imensidão do templo do futebol, que naquela época tinha suas arquibancadas de concreto, das luzes que refletiam o gramado verde, do cheiro da grama molhada e da festa e do batuque da torcida.
Depois daquele dia, o futebol não saiu mais da minha vida, me tornei fanático, meu amado pai me ensinou as regras, disse quem eram os ídolos da época e me apresentou o seu time de coração. Na verdade, eu já torcia para o time mesmo antes de nascer, assim como milhões de brasileiros, afinal, passar para os filhos a sua paixão por um time é quase um ritual da cultura brasileira. Nunca fui forçado a torcer para nenhum time, mas ir ao estádio ou acompanhar aos jogos ao lado do meu pai, meu herói, sempre foi um dos programas mais prazerosos de se fazer. Isso ocorre até hoje, mesmo passadas algumas décadas daquela primeira vez.
Quando garoto, sonhava em ser goleiro, tinha Taffarel como um grande ídolo, e, às vezes, me pegava de olhos fechados imaginando uma grande torcida gritando meu nome, depois de uma conquista, em um estádio lotado. Durante a semana, minha mãe me levava a escolinhas de futebol e treinos de times amadores. Sempre gostei de jogar bola, e, às vezes, isso até me atrapalhava nos estudos.
Os anos se passaram, e o sonho de virar jogador ficou para trás. Infelizmente, não nasci com esse talento que vocês têm, mas a paixão pelo esporte seguiu forte e hoje poderia dizer que o futebol ocupa boa parte do meu tempo, seja assistindo aos jogos no estádio ou na televisão, lendo notícias, participando de debates acalorados em grupos de WhatsApp, jogando pelada com os amigos (cada vez mais raras) ou simplesmente jogando Fifa no videogame.
O que o meu amado pai fez por mim, estou repetindo com a minha filha. Não a obrigo a gostar de futebol, mas ensino a ela o quanto é bom e divertido ver vocês dando o máximo dentro de campo. Ela já sabe cantar as principais músicas da torcida do meu time de coração, que agora é dela também.
Essa é a minha história, mas poderia ser o relato da vida de qualquer um entre milhões e milhões de brasileiros que vivem em um país onde o futebol se mescla com a cultura, um país que elevou a camisa da seleção brasileira ao símbolo nacional mais conhecido e de maior prestígio no exterior, e colocou Pelé, o Rei do Futebol, como sinônimo de pessoa fora do comum na sua área de atuação nas páginas do dicionário.
O futebol no nosso país não é simplesmente o esporte mais popular, vai infinitamente além disso. Dá ao povo brasileiro uma sensação de pertencimento a alguma coisa maior, que é o futebol brasileiro, e graças a vocês, jogadores, nos enche de orgulho. Nos dá também a possibilidade de, ao menos por algumas horas, escapar de um dia a dia tão difícil e poder sentir parte das conquistas saídas dos seus pés.
Nós, torcedores, simples mortais do mundo do futebol, vemos vocês jogadores como seres privilegiados, afinal de contas, no fundo, todos nós queríamos estar nos seus lugares, vivendo da coisa que mais nos dá prazer. Vocês conseguiram, com muito esforço e dedicação, tornar isso realidade. Os nossos filhos e filhas enxergam-nos como ídolos, espelham os seus comportamentos, imitam os seus gestos e querem carregar orgulhosos os seus nomes nas suas costas.
Quando gritamos, incentivamos e até xingamos vocês é porque somos passionais, e nossa paixão é tão grande que, às vezes, cometemos atitudes irracionais. Desculpem-nos por isso. Pode ser explicado pelos hormônios produzidos nos nossos cérebros quando torcemos.
Nessa semana, eu e milhões de outros amantes do esporte despertamos tristes e assustados, com uma nova fase da Operação Penalidade Máxima atingindo em cheio os nossos corações. Vimos os nomes dos nossos ídolos nas páginas policiais, envolvidos em um escândalo que pode acabar com a credibilidade da modalidade que tanto amamos. Armar cartões, pênaltis, escanteios e resultados fere um princípio básico do esporte, que é a sua lisura. Um esporte em que o público desconfia dos resultados caminha a passos largos para a falta de interesse e o abandono.
Até então pensávamos que, quando todos vocês tomavam um cartão, cometiam uma falta, um pênalti bobo ou até mesmo colocavam a bola para escanteio sem aparente necessidade, eram simplesmente frutos de erros inerentes à prática esportiva, mas que todos estavam deixando tudo dentro de campo. Nunca poderíamos imaginar que alguns (esperamos que sejam muito poucos) fazem isso por dinheiro.
Jogadores de futebol, por favor, sejam vocês os principais agentes no combate dessa prática deplorável, denunciem qualquer aliciamento, não caiam em promessas de dinheiro fácil, não sejam manipulados por bandidos, não nos façam questionar se vale a pena ainda continuar torcendo, não nos façam nos arrepender de passar essa paixão para os nossos filhos e, principalmente, não deixem o nosso futebol morrer.
Não é só a carreira de vocês que está em jogo, é toda a credibilidade do futebol brasileiro. Vocês dependem do futebol. E nós também.
Cordialmente,
Mais um entre 200 milhões de apaixonados pelo futebol no Brasil.
Romulo Macedo é chefe de operações de mídia e serviços de notícias dos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos de Santiago 2023 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte