Em meio à eufórica celebração do acordo de patrocínio entre Flamengo e Betano, o mercado esportivo brasileiro deparou-se com outra novidade bombástica nesta semana: o novo-velho presidente do Corinthians, Osmar Stabile, declarou que deve trocar de parceiro de naming rights de seu estádio, substituindo a Neo Química após cinco anos de acordo.
Os dois casos mostram uma certa despreocupação da indústria do esporte no Brasil com os reflexos, no longo prazo, de mudanças abruptas de contratos de patrocínio.
O que Flamengo e Betano trazem para o mercado, além de um contrato em valores estratosféricos, é uma falsa impressão de que existe um balizamento a ser feito nos valores de patrocínio de camisa a partir do montante que será pago ao clube carioca.
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Por outro lado, a impressão que se dá na troca de naming rights do Corinthians cinco anos depois de ter fechado um bom contrato com a Hypera Pharma é de que o negócio só é bom quando ele paga mais para o clube.
Tendência ou oportunidade?
O negócio entre Flamengo e Betano foi circunstancial. Aconteceu pelo casamento de uma série de fatores que desembocaram na avaliação de que o clube merece receber R$ 268 milhões por temporada. O acordo não representa um aquecimento do mercado de patrocínios, muito menos uma nova valorização da marca do time carioca.
O Flamengo estava sem receber da Pixbet e precisava de um parceiro. Já a Betano queria ter um clube para chamar de seu na Série A e viu a oportunidade de se apropriar dos esportes olímpicos e do futebol feminino da equipe rubro-negra.
Tudo isso inflou o valor do patrocínio, mas não há mais dinheiro para ser investido pelas outras marcas de apostas, especialmente agora que o governo taxa o seu negócio e as margens de lucro ficaram mais apertadas.
O que será o amanhã?
O mercado nem se preocupa em saber qual a sustentabilidade de um patrocínio desses no médio prazo e, mais ainda, o impacto que ele trará para toda a cadeia de negócios. Flamengo e Betano olham apenas para sua necessidade de momento e não percebem que, lá na frente, o preço a pagar por ter inflado o mercado pode ser maior.
A mesma lógica se aplica a uma possível troca de naming rights no estádio do Corinthians. Em setembro de 2020, em um mercado ainda esfolado pela pandemia de Covid-19, o Timão fez um golaço ao conseguir trazer uma marca para patrocinar seu estádio e sua camisa de jogo. O valor de R$ 15 milhões ao ano, naquele momento, era espetacular. Ainda mais no contexto de mais um aniversário de inauguração do estádio alvinegro sem o tão propalado acordo de naming rights negociado.
Agora, o Corinthians fala abertamente em quebrar o acordo vigente, pagar uma multa milionária de rescisão (que reduzirá abruptamente o valor final a ser recebido do parceiro) e seguir com quem pague o preço “justo” para já dar um segundo novo nome ao seu estádio.
Tanto o novo parceiro quanto o clube não pararam para avaliar os riscos que um novo negócio traz. É eficiente usar essa estratégia de patrocínio? Como é a relação da torcida com o atual parceiro? De que forma a nova relação será construída? O patrocinador é forte o suficiente para manter um acordo longo?
O passado ensina
Sim, é preciso aumentar o faturamento com patrocínios. É inviável achar que um acordo não possa ser quebrado ou renegociado. Mas é preciso olhar para a história para não repetir erros do passado.
Em 2009, quando o Corinthians bagunçou o mercado de patrocínio em um acordo maluco com diversas marcas interessadas em bancar o “Projeto Ronaldo”, o segmento de patrocínio no futebol sofreu um solavanco.
Clubes como Flamengo, São Paulo e Palmeiras saíram em busca de “melhorias” no investimento e lotearam seus uniformes, que até então tinham patrocinadores gigantescos e que estavam sozinhos na camisa.
O Palmeiras dispensou Fiat e, depois, Samsung. O São Paulo e o Flamengo encerraram seus mais longevos contratos com LG e Petrobras, respectivamente. A farra de diversos patrocinadores na camisa durou alguns anos e, antes mesmo da Copa do Mundo de 2014, os times jogavam com suas camisas “limpas”, sem parceiros dispostos a pagar os valores que foram despejados poucos anos antes.
Desde então, marcas como LG e Samsung sumiram do mapa do patrocínio no futebol brasileiro. Não fosse o furacão Caixa Econômica Federal de 2013 a 2018 e, depois, as casas de apostas, os times estariam em busca de marcas que quisessem correr o risco de fechar um patrocínio para, depois, serem trocadas por quem dá mais dinheiro.
Oportunidade x Saudabilidade
O maior erro que a indústria esportiva brasileira comete é colocar a oportunidade de curto prazo à frente da saudabilidade do mercado no longo prazo.
Hoje, Flamengo e Betano celebram o maior acordo de patrocínio da história do futebol brasileiro. Mas, daqui a alguns anos, o clube poderá ter dificuldades em achar um novo parceiro nesse patamar de verba, enquanto a marca precisará aumentar, muito em breve, seus outros investimentos para justificar o que foi feito com o clube rubro-negro.
Agora ninguém olha para isso. Mas era dever do patrocinador e do patrocinado preocuparem-se com o que vem pela frente. É insustentável repetir esse modelo de negócios. Não é torcer contra. É saber que, historicamente, esse negócio não para em pé.
Tratar patrocinadores e patrocínios com irresponsabilidade sempre tem um custo. O problema é que, quase sempre, o dirigente não está mais no clube, e o executivo já deixou a empresa que fez aquele negócio. E, assim, o mercado segue com solavancos, sem tratar patrocínio esportivo da forma como deve ser: uma relação que vai além do depósito na conta e que gere valor para os dois lados.
A conta da irresponsabilidade sempre chega.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo
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