Na coluna passada, foquei no que o atleta deveria estar pensando e fazendo para o desenvolvimento do planejamento estratégico do seu pós-carreira. Contei com as contribuições riquíssimas dos ex-jogadores Fernando Prass e Paulo André. Neste mês, dou um passo adiante na reflexão sobre o tema: de nada vai adiantar esse planejamento se o atleta chegar ao final da carreira sem ter uma boa estrutura financeira ou até falido. Portanto, é essencial que, durante a carreira, o jogador de futebol desenvolva, também, habilidades para a gestão dos seus recursos e mantenha uma disciplina que será essencial para esse seu “segundo ato”, fora dos gramados.
A carreira de jogador de futebol profissional algumas vezes é marcada por altos salários e, outras vezes, ganhos não tão extraordinários. O que acontece invariavelmente é que o período de maior desempenho esportivo é relativamente curto, como mencionado por Fernando Prass na coluna do mês passado. Além disso, é igualmente comum atletas depararem com desafios significativos na administração do seu dinheiro e patrimônio.
Olhando pela perspectiva da monetização, a carreira de um jogador de futebol é inversamente proporcional à de um executivo de uma empresa. Enquanto o jogador, com muita saúde e sorte, chega no seu auge financeiro entre 25 e 30 anos, geralmente parando de jogar perto dos 35 anos, essa idade é justamente quando começa a decolar a carreira de um executivo. A afirmação de Ronaldo Fenômeno de que “97% dos jogadores de futebol acabam pobres após encerrarem a carreira” (El País, 2011) evidencia a gravidade do contexto da maioria dos atletas profissionais. Isso reflete a falta de educação e preparo para a gestão dos recursos financeiros, assim como a ausência de planejamento de longo prazo durante os anos de maior rendimento. Enquanto um executivo aprende ao longo da vida a lidar com seus ganhos de uma maneira mais orgânica e crescente, os atletas, em geral, não só não desenvolvem esta competência como são estimulados a gastar sem pensar no dia seguinte. Muitas vezes a rede de apoio do atleta é a primeira a estimular este estilo de vida exagerado e desconectado com as consequências do futuro próximo.
Adotar estratégias financeiras sólidas desde o início da trajetória esportiva deve ser prioridade no desenvolvimento do projeto de carreira. Minha visão é de que o tema deve fazer parte da formação integral do atleta, assim como tantos outros aspectos que compõem o desenvolvimento pessoal e que farão parte do processo focado em maximizar as chances de sucesso dentro e fora dos gramados. Como Paulo André disse, também na coluna anterior, o desenvolvimento destas competências extracampo seguramente refletem em uma performance melhor também dentro de campo.
Do ponto de vista prático, primordialmente, o atleta deve ter noção do “quanto ele custa”, tendo especificadas cada uma das suas despesas mensais com revisões no mínimo anuais. Consultores financeiros especializados podem ajudar nessa construção, criando um plano de investimentos que inclua ter uma reserva de emergência que cubra as despesas por um período determinado em caso de lesões, reduções salariais ou inatividade. Os clubes e gestores de atletas também podem contribuir para que o atleta receba as informações necessárias para ter autonomia em seu processo de decisão ou, minimamente, possa dialogar com senso crítico com os profissionais e pessoas que o aconselharão em sua vida financeira.
Jogadores devem entender conceitos básicos de economia e finanças, como inflação, juros e tipos de investimentos. A familiaridade com esses tópicos ajuda a evitar armadilhas comuns, como gastos excessivos, investimentos em negócios de alto risco, pirâmides financeiras e até investimentos que não condizem com o perfil ou o apetite de risco do atleta. Cursos e mentorias sobre educação financeira são recursos valiosos que podem transformar a relação do jogador com o dinheiro. Eles ajudam a quebrar o bloqueio psicológico que muitas pessoas têm sobre o tema dinheiro/investimentos e fazer as perguntas certas para as pessoas que estão administrando os ganhos que foram tão suados para conquistar e que deveriam durar para o resto da vida.
O conhecimento tornará possível que atletas consigam viver um estilo de vida sustentável, o que permitirá ter um pós-carreira que não dependa do salário recebido no auge da carreira.
O que se vê com muita frequência é o oposto disso. Muitos atletas cometem o erro de aumentar excessivamente seu padrão de vida, o que se torna insustentável quando a renda diminui. Relógios de marcas de luxo, carros importados e brilhantes nos dentes não pagam as contas. E quando elas chegam e precisamos liquidar bens com pressa, o valor adquirido é sempre menor do que eles de fato valem.
É importante destacar que o sucesso financeiro após a carreira não depende apenas de quanto se ganha, mas de como esse dinheiro é gerido. A combinação de educação financeira, planejamento estratégico e disciplina nos gastos é a chave para evitar que os 97% citados por Ronaldo se tornem uma realidade.
Como abordamos no mês passado, o planejamento profissional para a jornada fora dos gramados também é um passo decisivo e isso inclui o desenvolvimento de habilidades/competências que vão para além do esporte.
Construir uma reputação que favoreça a vida fora dos gramados também pode ser decisivo. Já abordamos “marca pessoal do atleta de futebol” nesta coluna, e este tema tem forte relação com o que será possível realizar depois de pendurar as chuteiras. Além disso, a credibilidade da marca pessoal pode ser uma aliada importante para a monetização para além das entregas esportivas. Patrocínios e parceiros comerciais são formas significativas de rentabilizar a marca pessoal desde que ela tenha reputação positiva.
A longevidade financeira é um gol que todos os jogadores devem almejar. E, como a maioria dos temas que envolvem a jornada profissional no futebol, este também requer conhecimento, planejamento e dedicação.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva. Esta coluna foi escrita em parceria com Debora Spritzer Sapoznik, sócia das consultorias Invis e Renda-se