A comunidade esportiva foi assolada nos últimos dias com a discussão se e-Sports são ou não esporte. A polêmica foi motivada por uma declaração da ministra Ana Moser, do Esporte, que contou que lutou, à frente da ONG Atletas pelo Brasil, para que a definição de esporte no texto da Lei Geral do Esporte (ainda em discussão) não tivesse abertura suficiente para que abarcasse os esportes eletrônicos ou e-Sports.
“O texto está lá protegendo o esporte-raiz. Não tirou os e-Sports [do projeto de lei] porque não estava literal. Na definição de esporte, tinha sido dada uma abertura que poderia incluir o esporte eletrônico. E a gente fechou essa definição. Eu não vou saber [citar o texto] literal aqui. Mas a gente fechou essa definição para não correr esse risco. O risco sempre acontece e é um trabalho constante”, afirmou a ministra, em entrevista ao UOL.
Sedentarismo
Por trás do combate da ministra pela não inclusão dos e-Sports como uma modalidade esportiva no projeto de lei federal está a definição de políticas públicas para o esporte brasileiro. Ana Moser disse, reiteradas vezes, em entrevistas ao assumir o Ministério do Esporte, que a prioridade dos investimentos na recriação da pasta será promover o acesso da população aos esportes tradicionais, para que as pessoas se exercitem, ajudando a combater problemas como a obesidade infantil e o sedentarismo da população em geral.
Segundo uma Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 40,3% da população adulta do Brasil (18 anos ou mais) é considerada sedentária, praticando menos de 150 minutos semanais de atividade física, definida desde esporte até o deslocamento a pé para o trabalho.
O problema é maior entre as mulheres (47,5%) do que entre os homens (32,1%). Entre os idosos, o índice é ainda mais alto: 59,7% não praticam um mínimo de atividade física essencial para a manutenção da saúde.
Ainda não foi feita uma grande pesquisa no pós-pandemia, mas a percepção é que o problema se agravou ainda mais, com o aumento do número de empresas que optaram pelo home office, fazendo com que os funcionários não gastem energia nem no deslocamento até o trabalho, e o crescimento na tendência de inatividade geral agravada pelos períodos de quarentena mais severa.
Orçamento
Há a necessidade de uma ação urgente para estancar esse problema. Para isso, o Ministério do Esporte teve aprovado, no final de 2022, um orçamento de R$ 1,9 bilhão para a implantação de políticas públicas que privilegiarão programas sociais voltados ao esporte, e não ao alto rendimento.
Parece um bom orçamento, mas não é. Apenas Flamengo e Corinthians, os clubes de maior torcida do país, somados, arrecadaram mais do que isso no último ano.
Já os esportes eletrônicos vivem um boom no Brasil. Segundo a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia, da PwC Brasil, os e-Sports movimentaram US$ 1,4 bilhão (R$ 7,22 bilhões) no país em 2021. De acordo com o levantamento, a perspectiva é que a receita total do setor chegue a US$ 2,8 bilhões (R$ 14,45 bilhões) no Brasil até 2026.
Hoje, grandes empresas, como Banco do Brasil, Santander, Itaú, Vivo, Cimed, Polishop e Heineken, patrocinam eventos, equipes, torneios ou jogadores de e-Sports no país. Recentemente, sites de apostas também se tornaram parceiros importantes desse segmento. E lógico que, como toda modalidade, os e-Sports podem se desenvolver ainda mais, caso obtenham maiores investimentos e atraiam mais patrocínios.
Nesse contexto, sem serem enquadrados como modalidade esportiva, os e-Sports não teriam condição de serem beneficiados por mecanismos oficiais, como lei de incentivo ao esporte e bolsa-atleta. No entanto, apesar disso, o setor está em uma situação financeira bem mais confortável do que, por exemplo, a maioria das modalidades geridas pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Legislação
Uma das críticas aos e-Sports para serem enquadrados como esporte é a falta de organizações gerindo a modalidade, em nível nacional e internacional. Para essas pessoas, sem essa estrutura, os esportes eletrônicos não se enquadrariam como esportes usuais.
Há outros fatores, porém, que aproximam os e-Sports dos esportes tradicionais, como regras universais de cada game e competições organizadas.
No entanto, é preciso examinar algumas particularidades. Na União Europeia, os e-Sports não foram enquadrados no mesmo balaio dos esportes tradicionais, o que ajudou no desenvolvimento do mercado. Na Rússia, por outro lado, a legislação abarcou os esportes eletrônicos como modalidade esportiva, assim como futebol, basquete e vôlei.
Isso trouxe um problema porque, ao contrário desses esportes usuais, em que basta uma bola para acontecer a prática, os e-Sports são geridos por direitos de propriedade, cujos jogos têm como dono publishers da iniciativa privada. Quem cria e desenvolve um game tem os direitos de explorar aquele game, estimulando a inovação e promovendo o crescimento do mercado.
Por isso, muitos especialistas na área defendem que os esportes eletrônicos necessitam de legislação específica, por atuarem sob uma lógica diferente das demais modalidades. Então, não são esporte?
Acredito que, com todos esses fatores expostos, a discussão se os e-Sports se enquadram ou não na definição clássica de esporte tenha perdido relevância. O que importa é que a área se desenvolve no Brasil, atrai investimentos e conquista patrocínios significativos sem ser afetada pela legislação.
Talvez seja melhor assim.
Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte