O começo de ano agitado nos bastidores políticos do futebol brasileiro colocou nossa cartolagem em uma encruzilhada. Com a volta triunfal de Ednaldo Rodrigues ao comando da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), restou a Reinaldo Carneiro Bastos (presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e postulante ao cargo) e à trupe de presidentes dos clubes paulistanos recuar duas casas e esperar a vacância de poder que não parece tão fácil de acontecer no momento.
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Em meio a esse recuo, os clubes foram colocados contra a parede. Na reunião com a presença de 40 representantes das Séries A e B do Brasileirão, a cartolagem viu um comportamento bastante direto de Ednaldo Rodrigues. Uma liga de clubes pode sair, mas não depende do mandatário máximo do futebol brasileiro.
Na prática, a CBF afirma que não fará oposição à ideia. Mas, ao não fazer nada para exigir que os clubes se organizem como uma liga, a entidade deixa a critério dos próprios dirigentes a capacidade de serem independentes.
O filme se repete há pelo menos 20 anos, quando o Clube dos 13 começou a ser questionado pela divisão de receita entre os clubes. Naquela época, havia uma entidade única para negociar os direitos comerciais do Brasileirão. O problema era como os grandes ficavam maiores com verbas mais polpudas e como quem não era do clube ficava com migalhas.
A “solução”, vinda em 2010, foi acabar com o C13 e partir para o vale-tudo das negociações individuais. Desde então, o que era ruim foi ficando pior. O clube mais rico fez contratos cada vez melhores, enquanto os menores foram vivendo de migalhas ainda menores.
O tiro de misericórdia, porém, veio em 2020, com a criação da Lei do Mandante, não por acaso encabeçada fortemente por um clube (o Flamengo) e uma agência (a LiveMode). Ao dar os direitos de comercialização apenas sobre os jogos de um clube como mandante, a legislação descentralizou de vez os direitos, fortalecendo ainda mais os maiores e abrindo brecha para prestadores de serviço lucrarem com consultorias.
Agora, os clubes tentam chegar a um consenso em meio a um cenário em que o mercado é completamente livre. Ou seja, há tanto interesse pessoal envolvido – e tanta permissividade para que cada um faça o que bem quiser – que não se consegue chegar a qualquer consenso.
Há quase três anos, os clubes anunciaram o rompimento com a CBF e a criação de uma liga “com efeitos imediatos”. Desde então, dois presidentes já passaram pelo comando da entidade máxima do futebol brasileiro, sendo que Ednaldo entrou, saiu e voltou. E os clubes seguem sem conseguir ter um pensamento único.
A notícia da vez é que a Liga Forte União (LFU) tentou aproximar os clubes com uma proposta de divisão de receitas com a Libra. Uma medida ineficaz, já que o problema continua a ser exatamente termos dois blocos distintos para negociar um único produto. A balança sempre estará desequilibrada.
A tão esperada mudança de comportamento no futebol brasileiro segue sendo um sonho totalmente distante. E, pior ainda, quanto mais os cartolas seguem batendo cabeça, mais fácil fica a vida de quem sempre esteve orbitando esse mercado e se beneficiando disso.
O primeiro passo para mudar o status quo seria os clubes aprenderem que precisam falar a mesma língua. Enquanto isso não acontecer, o potencial do futebol brasileiro seguirá sendo só uma vaga ideia de quão maior poderíamos ser.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo