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Do “kick-off” ao “touchdown”: A estratégia da NFL para transformar o Brasil em mercado-chave

NFL São Paulo Game é a consolidação de uma jornada em que o Brasil deixou de ser plateia distante para se tornar palco central da estratégia global da principal liga esportiva do mundo

Kansas City Chiefs e Los Angeles Chargers se enfrentarão na Neo Química Arena, em São Paulo (SP), nesta sexta-feira (5) - Reprodução / Instagram (@nflbrasil)

O jogo da NFL que será disputado na noite desta sexta-feira (5) em São Paulo (SP) é apenas o segundo de temporada regular realizado no Brasil. Mas não se trata de um acaso ou de uma jogada de oportunidade. É o resultado de um processo cuidadosamente desenhado pela liga, que há anos ensaia cada passo para transformar o país em parte de sua estratégia global.

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Houve, lá atrás, um primeiro ensaio. Entre 1994 e 1998, o saudoso e visionário Luciano do Valle levou para a Band a transmissão dos jogos da NFL em TV aberta, apresentando o esporte a uma audiência que incluía especialmente a Geração X. Foi uma experiência pioneira, mas ainda isolada. A verdadeira consolidação viria anos mais tarde, quando a ESPN passou a transmitir regularmente os jogos no Brasil, introduzindo o “football” para as Gerações Y e Z e criando uma base de fãs mais consistente e apaixonada.

Com o tempo, a NFL percebeu que era preciso falar a língua local. Criou perfis em português nas redes sociais e nomeou uma agência brasileira para produzir conteúdo adaptado, aproximando-se do torcedor de maneira mais orgânica. A popularidade cresceu de forma inesperada com a presença de Tom Brady em território nacional, não em campo, mas ao lado de Gisele Bündchen. O relacionamento do casal projetou a marca da NFL no imaginário brasileiro e serviu como aprendizado: histórias pessoais ampliam o alcance da liga. Um “insight” que, anos depois, seria replicado de forma muito mais intencional nos Estados Unidos com o romance entre Travis Kelce e Taylor Swift.

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A consolidação no Brasil também veio pela via da experiência. Em 2022, os times receberam autorização para se comunicar diretamente com mercados internacionais como o brasileiro, fortalecendo o engajamento com torcedores fora dos Estados Unidos.

Em 2023, a primeira edição do “NFL in Brasa”, produzido pela agência Effect Sport, reuniu fãs em São Paulo para assistir ao Super Bowl, aproximando a comunidade local da atmosfera do esporte.

Pouco depois, a liga ampliou sua distribuição ao vivo com a entrada na RedeTV!, além da ESPN, alcançando públicos mais amplos.

Mas o grande passo institucional viria em 2024, com a abertura do escritório local da NFL no Brasil, sob o comando de Luís Martinez, executivo experiente que já havia liderado a mesma estratégia de expansão no México com sucesso. No mesmo ano, o país recebeu pela primeira vez um jogo oficial de temporada regular, replicando a estratégia que a NFL já testava em mercados como Inglaterra e Alemanha.

Agora, em 2025, São Paulo volta a receber uma partida, e o anúncio feito em março pelo prefeito Eduardo Paes de que haverá um jogo no Maracanã em 2026 (ainda não oficializado pela liga) mostra que a expansão não é episódica, mas sim planejada.

A cereja do bolo veio com a assinatura do acordo com a Globo, o maior grupo de comunicação do país, capaz de levar o “football” a milhões de brasileiros e mostrar que o esporte também pode ser jogado com as mãos. O interesse da Globo é um símbolo claro do crescimento do interesse pelo esporte no Brasil. Será curioso acompanhar como a emissora lidará com o sinal e as imagens produzidas pelas TVs norte-americanas, que já chegam carregadas de gráficos e overlays, um contraste com o padrão histórico da Globo, acostumada a receber de seus parceiros o que se chama de sinal limpo, para então aplicar sua própria identidade visual.

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Esse movimento tem explicação no modelo de negócios. A NFL atingiu um patamar sem precedentes no mercado norte-americano, com um acordo bilionário de direitos de mídia, superior a US$ 110 bilhões por 11 anos, consolidando a liga como líder absoluta nos Estados Unidos. Mas, com tamanho domínio, as margens de crescimento doméstico se tornaram cada vez menores. A expansão geográfica, portanto, deixou de ser uma opção para se tornar um imperativo, e, hoje, o Brasil, com seus mais de 41 milhões de fãs, aparece como o segundo maior mercado internacional da NFL, atrás apenas do México.

Não é só audiência. O Brasil tem jovens conectados, consumidores de esportes globais e também marcas que já apostam em propriedades internacionais como NBA, WSL e UFC. A NFL, com uma narrativa consistente e aproveitando pontos culturais, começa a apresentar seus protagonistas para o grande público e busca criar experiências que transformarão curiosidade em paixão.

O jogo desta sexta-feira (5) na capital paulista é, portanto, apenas a face mais visível de uma longa estratégia. Desde a ousadia de Luciano do Valle na Band até a consolidação pela ESPN, dos perfis em português ao efeito Tom & Gisele, do “NFL in Brasa” ao escritório próprio no Brasil, da RedeTV! à Globo, a liga desenhou sua presença no Brasil passo a passo.

Quando a bola oval for chutada na Neo Química Arena, não será apenas mais um jogo simples de temporada regular. Será a consolidação de uma jornada em que o Brasil deixou de ser plateia distante para se tornar palco central da estratégia global da NFL.

Ivan Martinho é presidente da World Surf League (WSL) na América Latina

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