Há algum tempo, existem apostas e ruídos no mercado sobre os movimentos da Netflix no universo do esporte. Sempre que questionados a respeito deste tema, os principais executivos da plataforma desconversavam e justificavam de diferentes formas, como “não vale a pena investir fortunas em direitos que depois de alguns anos/temporadas continuam não sendo propriedade da Netflix”, ou “para fazer sentido, qualquer propriedade precisa disponibilizar seus direitos de forma global”, ou “os prazos de contrato de conteúdo esportivo normalmente são muito curtos”, entre outros.
Em 2019, tivemos a primeira incursão da Netflix em algo relacionado ao esporte com o lançamento da série Dirigir para Viver (Drive to Survive), sobre os bastidores da Fórmula 1, principal categoria do automobilismo mundial, considerado conteúdo “Netflix Original”, em que a plataforma tem a propriedade intelectual do produto globalmente. Não precisamos nem dizer que a série foi um dos maiores sucessos da plataforma naquele ano, o que fomentou a produção de novas temporadas e também alimentou especulações de que a Netflix poderia comprar os direitos das corridas de Fórmula 1 para os Estados Unidos.
O impacto da série foi tão grande que o interesse pela categoria cresceu substancialmente em todas as partes do planeta, inclusive nos Estados Unidos. Foi a partir daí que a Liberty Media conseguiu começar a implementar o seu plano de crescimento no principal mercado consumidor do planeta, culminando com três corridas em solo americano na temporada 2023 (Miami, Austin e a estreante Las Vegas). Os direitos pela transmissão ao vivo das corridas saiu de quase zero para US$ 75 milhões por ano apenas no mercado americano.
Em 2020, em uma coprodução com a ESPN americana, a Netflix ficou com os direitos globais da minissérie Arremesso Final (The Last Dance), que tem como mote a NBA e a última temporada de Michael Jordan no Chicago Bulls. A emissora do Grupo Disney ficou com os direitos apenas no seu principal mercado, os Estados Unidos.
Em 2023, tivemos mais um passo, quando chegou a primeira temporada de Break Point, uma série nos mesmos moldes de Drive to Survive, com os bastidores dos circuitos de tênis masculino (ATP) e feminino (WTA). E posteriormente um novo movimento ainda modesto em relação a transmissões ao vivo, com o anúncio da Netflix Cup, um evento proprietário que reuniu pilotos de Fórmula 1 e grandes nomes do golfe, em um torneio de golfe em Las Vegas. Novamente um passo muito bem-pensado para eliminar quaisquer riscos, ou seja, evento proprietário, produzido e operado pela empresa, sem nenhum tipo de concorrência ou riscos.
A quantidade de documentários relacionados ao esporte de um modo geral começou a crescer em projeções nunca vistas antes. Outras plataformas também passaram a investir nisso em parcerias com as principais ligas/federações do mundo. Alguns exemplos são a parceria entre WSL e Apple com a série Make or Break e o Star+ exibindo a MotoGP Unlimited.
A segunda incursão da Netflix no universo ao vivo será daqui pouco mais de um mês, com um amistoso entre os tenistas espanhóis Rafael Nadal e Carlos Alcaraz, no dia 3 de março, em Las Vegas, batizado de Netflix Slam. Novamente um evento proprietário produzido e operado pela empresa.
Mas, nesta terça-feira (23), o mundo todo se surpreendeu com o anúncio do maior acordo de licenciamento de conteúdo esportivo feito pela Netflix desde sua criação. A partir de 2025, a plataforma será a casa de todo o conteúdo da World Wrestling Entertainment (WWE).
O acordo de 10 anos prevê um valor total de licenciamento de US$ 5 bilhões e dá direitos globais à Netflix para todo o conteúdo produzido pela franquia recém-adquirida pelo Grupo Endeavor. O acordo passará a valer em janeiro de 2025, e os primeiros territórios a integrar o acordo serão Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e toda a América Latina. Depois, conforme os vários acordos forem vencendo, outros territórios passarão a fazer parte do acordo, até que todos os países estejam integrados.
Os principais eventos e shows da WWE fazem parte deste acordo. A lista conta com programas como Raw, SmackDown e NXT, eventos ao vivo como WrestleMania, SummerSlam e Royal Rumble, documentários, conteúdo de arquivo e tudo mais.
A WWE é uma verdadeira máquina de produção, com conteúdos novos em todas as 52 semanas do ano, o que sem dúvida alguma ajuda na estratégia de atração e retenção de assinantes que todas as plataformas de streaming precisam.
Com isso, a WWE passa a ser o primeiro produto esportivo ao vivo disponível para assinantes da Netflix. O acordo só foi possível justamente por uma visão de longo prazo de ambas as partes (o acordo é válido por 10 anos) e principalmente a questão dos direitos globais, mesmo que de forma escalonada, respeitando os contratos vigentes.
Enfim, o que parecia improvável há alguns meses aconteceu. E, dessa forma, o que fica agora é a dúvida: qual será o próximo alvo da maior plataforma de streaming do mundo?
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte