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Entre algoritmos e emoção: O desafio de engajar o torcedor do Século 21

Próxima era do engajamento dos fãs passa pelo fortalecimento do senso de pertencimento e pelo uso de IA na personalização de conteúdos, mas será necessário equilibrar automação com autenticidade

Inteligência artificial tem se consolidado como uma das principais forças transformadoras do mercado de trabalho contemporâneo - Reprodução

Por diversas vezes, aqui mesmo neste espaço, falei sobre a mudança na relação entre consumidor e esporte. O resultado da recém-publicada pesquisa “Torcedores Esportivos, Engajamento, Monetização e Tendências de IA”, da empresa Stats Perform, baseada em entrevistas com centenas de executivos do ecossistema da mídia e do esporte, traz um retrato prático e até inquietante dessa nova relação de consumo.

Logo de cara, o estudo apresenta uma mensagem clara: a inteligência artificial (IA) deixou de ser apenas um experimento para se tornar uma valiosa ferramenta operacional. 81% das organizações de mídia esportiva disseram ter aumentado o uso de IA nos últimos 12 meses para cortar custos e elevar a eficiência. Esse movimento influencia desde a produção de melhores momentos (highlights) até a personalização de conteúdos, diminuindo o tempo entre o acontecimento e a distribuição do material. Por outro lado, cria um dilema sobre autenticidade e qualidade editorial, afinal, automação em excesso pode empobrecer a narrativa humana, ainda muito valorizada pelos fãs de esporte.

Até 2030, segundo os executivos, plataformas próprias (apps) de distribuição de conteúdo e redes sociais de vídeo (YouTube e TikTok) superarão os sites tradicionais e a TV como canais primários de engajamento. Isso ocorrerá porque o público busca experiências mais imersivas, enquanto os mais jovens preferem conteúdos curtos (“snackable”) já distribuídos nas redes sociais, onde passam grande parte do tempo. A mensagem é forte: clubes e marcas devem ter o controle da experiência oferecida para agregar valor comercial, mas as redes sociais ainda desempenham um papel fundamental de descoberta e alcance.

Os dados do relatório reforçam que os consumidores não são um bloco único. A fragmentação por formato (rápido x longo), canal (rede social x app) e momento de consumo (pré-jogo x ao vivo x pós-jogo) exige jornadas personalizadas. A personalização orientada por dados, potencializada pelo uso de IA, aparece como um caminho natural para aumentar o tempo de atenção e a propensão a pagar (assinaturas, pacotes premium, pay-per-view, etc.).

As diferenças geracionais também ficam claras no relatório. As gerações mais jovens (Geração Z e Millennials) consomem esporte com outras regras: preferem vídeos curtos, interatividade, conteúdo que “faça sentido” socialmente e experiências digitais compartilháveis. Já as audiências mais velhas continuam a valorizar coberturas mais longas e análises contextualizadas. Essas diferenças não são apenas de gosto, mas impactam também o chamado “lifetime value” (métrica que estima o valor total que um cliente gera para uma empresa ao longo de todo o relacionamento), a propensão a pagar e o tipo de ativação de patrocínio que funciona para cada audiência.

Além da IA, o relatório aponta duas frentes tecnológicas que moldarão a experiência do fã: visualizações enriquecidas (dados em tempo real, realidade aumentada, interação) e modelos de propriedade/engajamento (fan tokens, votações, fantasy games, apostas, etc.). Ferramentas de visualização aumentam compreensão e entretenimento; fan tokens, jogos e mecanismos semelhantes promovem senso de pertencimento e novas fontes de receitas.

A próxima era do engajamento dos fãs passa pelo fortalecimento do senso de pertencimento e pelo uso de IA na personalização de conteúdos, aproximando os torcedores de seus clubes e ídolos de maneira mais imersiva e humanizada. O grande desafio é equilibrar automação com autenticidade, garantindo que as novas experiências aumentem a confiança e o engajamento, e não afastem o fã do esporte.

O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte

Romulo Macedo é mestre em Gestão da Experiência do Consumidor e especialista em Gestão Esportiva, com papéis relevantes em diversos eventos esportivos mundiais

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