A F1 cresce como nunca aqui nos EUA impulsionada pelo interesse provocado pela série “Drive to Survive” e um número cada vez maior de provas no país. O futebol avança em popularidade e já se transforma em quarta força com grande número de praticantes entre crianças e jovens. No basquete, a NBA tem a maior penetração global e afinidade única com jovens de áreas urbanas. A NHL comemora receita recordes em acordos de publicidade, e a MLB celebra um verão com ótimas audiências na televisão.
Mesmo assim, nenhuma dessas modalidades ou ligas se aproxima da NFL em popularidade e faturamento. Com o início de mais uma tempodada, o futebol americano mostra novamente uma soberania que ultrapassa divisões políticas ou desigualdade entre os americanos. Em 2021, 75 das 100 maiores audiências da televisão foram jogos da NFL. Mas o que faz do football algo tão forte no país?
O sucesso não aconteceu da noite para o dia. A virada sobre o beisebol, que teve décadas de domínio no país, veio nos anos 1970. Algumas coisas foram meticulosamente articuladas e surtem efeitos até hoje. Quando foi consolidada no final dos anos 1960, a NFL acabou com a competição entre ligas que ainda afetava outros esportes como o clássico caso do basquete com a ABA, liga paralela à NBA.
Mas o maior segredo para o interesse tão avassalador vai além disso, passa pelo fato de que o futebol americano arrumou um jeito de entrar na rotina dos americanos ao longo das últimas décadas. A NFL soube aproveitar o potencial da televisão como nenhuma outra modalidade, desde a quantidade de jogos ao vivo sem a necessidade de pagar qualquer assinatura até a qualidade das transmissões.
E as marcas vão junto. São lojas e produtos para o pai de família que corta a grama e faz a manutenção da sua casa, tudo fácil e eficiente para que o serviço seja feito no sábado, e o domingo fique livre para os jogos. A internet rápida permite acesso, em diferentes telas, aos jogos e aos aplicativos de fantasy e apostas. As TVs são cada vez maiores e com melhor definição para que a experiência em casa seja a melhor possível.
A NFL também se beneficia do fenômeno da escassez. Com enorme desgaste físico e exposição dos atletas a lesões, a temporada regular leva pouco mais de três meses. E na parte mais fria do ano em grande parte do país, quando ficar em casa para ver os jogos não é problema, é solução. O calendário também permite que o sábado fique preservado como um dia para a família e outros eventos. A temporada bem mais curta que a dos demais esportes faz com que cada jogo conte muito para o resultado final.
Mas o que serviu para a NFL nas últimas décadas não é garantia de sucesso no futuro. Nos últimos anos, a liga correu atrás das demais, principalmente da NBA, para se mostrar preocupada com a injustiça social e para se entender como uma plataforma que vai muito além do esporte. Mas mesmo com esse movimento dos últimos anos, a liga ainda é considerada conservadora, e os donos bilionários parecem muito distantes dos valores defendidos por jovens consumidores.
Outro desafio é a preocupação dos pais com relação à prática do futebol americano. O maior problema são as lesões na cabeça, que já vitimaram vários ex-atletas. A maioria dos fãs de futebol americano acompanha o esporte do sofá, sem ter praticado a modalidade. Ainda que, até agora, essa fórmula tenha funcionado, a proximidade das crianças e adolescentes de outras modalidades, em especial basquete e futebol, pode ser uma ameaça.
Finalmente, o reinado nas transmissões pela TV ainda representa a maior parte do faturamento da NFL, mas o streaming vem atropelando em vários setores e já faz estrago na estrutura de negócios do esporte. O número de assinantes da TV a cabo nos EUA, que tem no esporte seu principal produto, caiu de 100 milhões em 2011 para 70 milhões em 2022. Os jogos de quinta-feira aqui nos EUA já estão nas mãos da Amazon, enquanto o Google demonstra interesse por jogos para aumentar o número de usuários do YouTube.
Agora, a liga anunciou o lançamento do seu próprio serviço, o NFL+. Com ele, você pode acessar todos os jogos do seu celular ou tablet, mas não consegue usar o serviço na televisão. Com o novo produto, a NFL pretende ampliar o acesso digital, que atualmente é de 5% da audiência de jogos ao vivo, e acompanhar a tendência de migração para o streaming. São movimentos calculados para garantir a presença onde o público começa a se consolidar pelas plataformas digitais, sem incomodar o parceiro fundamental que ainda é a televisão.
Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte