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Formação integral e reconhecimento internacional: O São Paulo no ranking do CIES

Ana Teresa Ratti conversou com Douglas Schwartzmann, diretor-adjunto das categorias de base do clube paulista, que é o brasileiro mais bem colocado na lista, em 12º lugar

São Paulo conquistou o título da Copa do Brasil Sub-20 em 2024 - Rubens Chiri / São Paulo

Como todos os anos, o CIES Football Observatory divulgou, no fim do mês passado, o ranking dos clubes que mais formam jogadores atualmente em atividade em 49 ligas ao redor do mundo. No relatório deste ano, o São Paulo aparece como o primeiro brasileiro da lista, ocupando a 12ª posição no cenário global.

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Mas o que isso significa? Em um ambiente esportivo marcado por competitividade internacional e margens cada vez mais estreitas, figurar entre as principais academias do mundo indica que algo consistente vem sendo feito no processo de formação de atletas no clube.

Como acredito que aprender é o caminho para compartilhar e, assim, gerar novas formas de fazer e de desenvolver a indústria do futebol, busquei entender mais sobre esse processo diretamente com Douglas Schwartzmann, diretor-adjunto das categorias de base do São Paulo.

A conversa teve como objetivo compreender o método, a visão e as estratégias de quem está realizando um trabalho reconhecido globalmente para que possamos inspirar a melhoria constante que buscamos no processo de desenvolvimento da formação dos nossos atletas no Brasil. Leia abaixo:

Ana Teresa Ratti (ATR): O que esse reconhecimento representa para o clube e que fatores vocês consideram determinantes para alcançar esse resultado?

Douglas Schwartzmann (DS): Para nós, é uma satisfação enorme. Ter esse reconhecimento é um prazer enorme e a coroação de um trabalho que merece ser reconhecido. Os fatores que determinam essa colocação vêm de um trabalho que envolve todas as áreas do clube. Prezamos pela disciplina, pela formação de caráter, pela formação de um homem, não apenas de um atleta.

Do ponto de vista técnico, temos hoje ex-atletas que carregam o DNA do São Paulo. São pessoas que conhecem a história e se formaram dentro do clube. Temos comissões técnicas de altíssimo nível na preparação física e na condução dos treinos. Todos profissionais que trabalham com o propósito de formar, corrigir e ensinar.

Por isso, alcançamos essa excelência, que é fruto de um trabalho completo. O menino que entra aos 12 anos e o que está com 20 têm acompanhamento integral, incluindo escola particular e orientação educacional. Cuidamos da cognição, da formação intelectual. Buscamos transformar tudo isso em conhecimento e sabedoria para esses meninos, não apenas na parte física.

Julio Casares, presidente do São Paulo, com a taça de campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior 2025 – Rubens Chiri / São Paulo

ATR: Quais são, hoje, os princípios que orientam o trabalho de base no São Paulo? Há uma visão clara sobre o tipo de atleta que o clube busca formar do ponto de vista técnico, comportamental e humano?

DS: Bom, os princípios que nos orientam no trabalho de base são a educação, principalmente a disciplina. Do ponto de vista técnico, buscamos (a partir do nosso caderno de metodologia, da nossa experiência e dos profissionais) identificar o melhor de cada atleta, considerando o conjunto de jogo que o São Paulo busca, que faz parte do DNA e da história do clube.

Sobre o tipo de atleta que procuramos formar, tanto técnica quanto comportamentalmente, o que nos orienta é disciplina, caráter, dedicação, foco e o desejo de ser um atleta de alta performance. Observamos a formação familiar, não importa a condição social. Analisamos como os pais se relacionam com a criança. É um processo de pesquisa e monitoramento realizado em todo o Brasil. Buscamos atletas que tenham o mínimo de educação, e a partir disso complementamos com a nossa estrutura.

Procuramos atletas de alto nível técnico, dentro da metodologia desenvolvida pelo São Paulo. O nosso departamento de observação e scouting tem clareza sobre o perfil de atleta que se encaixa no estilo de jogo que faz parte da história do clube.

ATR: Quais são as principais frentes de investimento e desenvolvimento na base atualmente?

DS: O nosso principal investimento nesse último um ano e meio foi em ciência e tecnologia. Nós estruturamos o TecFut, que é algo inédito no Brasil, o primeiro em um clube de futebol de base. Foi o primeiro clube a instalar um laboratório específico de nutrição, ciência do esporte e medicina esportiva. Lá, trabalha o Dr. Eduardo Rauen, que coordena a equipe e busca informações importantes para individualizar todo o tratamento dos atletas, incluindo a própria alimentação. Eu considero esse um grande investimento que fizemos e que tem dado um resultado espetacular. Isso se refletiu, por exemplo, na Copa do Brasil que conquistamos [Sub-20 em 2024] e a Copa São Paulo de 2025.

Outro grande investimento ao longo do ano foi na estrutura de captação. Hoje, temos uma estrutura de captadores de alto nível, com um coordenador também de alto nível e um departamento de análise de mercado. Esse foi o nosso principal investimento do ponto de vista estrutural.

Além disso, investimos em alguns atletas para o próximo ano, o que chamamos de atletas “semiprontos”, ou seja, jogadores entre 16 e 18 anos. Também fizemos aportes para trazer esses atletas e continuamos buscando talentos mais jovens, que chegam aqui com 10 ou 11 anos, para que possamos acompanhá-los até os 20, como é o caso do Lucas, que está no profissional e está no clube desde os 11 anos, assim como o Ryan [Francisco] e outros. Esse é o tipo de investimento que temos buscado.

Hoje, do ponto de vista de estrutura, também temos a parceria que fizemos com a Matrix. Temos um centro de recuperação de altíssimo nível, talvez o mais moderno do Brasil no futebol de base, comparável aos principais clubes como o próprio São Paulo, Palmeiras e Flamengo. O São Paulo não precisou fazer investimento financeiro, foi uma parceria de marketing. A Matrix trouxe o que há de melhor em equipamentos de preparação física e recuperação, medicina, fisiologia. Toda essa área de Reffis e preparação física em Cotia, hoje, é uma das mais sofisticadas e modernas do Brasil.

ATR: Cada vez mais jovens formados no Brasil seguem carreira no exterior. Como o São Paulo trabalha a formação integral, considerando aspectos educacionais, culturais, emocionais e comportamentais, para que o atleta esteja preparado para atuar fora do país, em diferentes contextos e culturas?

DS: Nós temos funcionários específicos que desenvolvem atividades nos períodos de folga, como fins de semana sem jogos ou momentos ociosos em Cotia, quando não há competições. Eles trabalham com jogos e práticas culturais para os atletas. Temos uma grande preocupação com o desenvolvimento cognitivo, além da formação escolar. Todos estudam no Colégio Objetivo, uma escola de ponta, e buscamos garantir essa base educacional.

Do ponto de vista cultural, como você disse, a maioria tem o sonho de jogar no exterior. Recentemente, desenvolvemos uma parceria muito positiva com o Stuttgart, da Alemanha, um clube da Bundesliga, com quem fazemos intercâmbio constante. Este ano, dois atletas ficaram 60 dias lá no início do ano; agora, quatro atletas de três categorias diferentes estão lá há 30 dias. Eles vão se adaptando, conhecendo outra cultura, especialmente a europeia.

São Paulo e Stuttgart possuem uma parceria voltada para as categorias de base – Divulgação / São Paulo

ATR: Essa excelência formativa se traduz em sustentabilidade para o clube? É possível equilibrar a formação humana e o retorno econômico?

DS: Sem dúvida, é possível, e buscamos esse equilíbrio. Como mencionei antes, temos a preocupação de formar um jovem com caráter, educação e base acadêmica. Com a parceria que o São Paulo tem com a Dom Bosco, os atletas que chegam aos 18 anos têm um grande desconto para cursar a faculdade e se formarem, por exemplo, como gestores esportivos.

Nos preocupamos para que todos saiam daqui com o ensino médio completo, desde aqueles que entram ainda no ensino fundamental até a conclusão da escolaridade. E nossa orientação é que sigam para o ensino superior mesmo quando já estão inseridos no alto rendimento, ainda que isso exija mais esforço por conta dos calendários competitivos.

Temos, hoje, entre as categorias Sub-10 e Sub-20, cerca de 400 atletas: 200 internos que vivem em Cotia e 200 externos. Todos precisam de formação escolar para ter sustentabilidade, tanto para o clube quanto para a própria vida. Claro que buscamos também o retorno econômico do investimento, e isso acontece porque formamos atletas de alto nível. Muitos vão para a Europa, para o time principal ou para outros clubes, o que nos garante esse retorno.

Mas a nossa maior preocupação nesse equilíbrio é que eles tenham condições de seguir a vida, caso, por qualquer motivo, não permaneçam no futebol profissional. Queremos que saiam preparados para se sustentar e sustentar suas famílias, independentemente de seguirem ou não na carreira esportiva.

ATR: Quais são, na visão de vocês, os principais desafios da formação de atletas no Brasil hoje, sejam estruturais, culturais ou relacionados à transição para o futebol profissional?

DS: Na geração mais jovem, os desafios são enormes. As redes sociais atrapalham muito. Muitas vezes, vemos meninos, após o jogo ou até durante o treino, postando coisas que não deveriam. A parte cultural é uma preocupação constante, é um desafio manter os atletas com o nível de informação e consciência de que precisam. Esses são, hoje, os maiores desafios na dimensão cultural e educativa.

Isso se reflete diretamente na transição para o profissional. Nessa fase, a vida deles muda: muda o salário, muda o estilo de vida. E muitos ainda vêm de contextos muito humildes, de regiões periféricas ou do interior, com menos acesso a recursos. A vida deles se transforma de um ano para o outro, conforme melhoram as condições e o salário.

Por isso, é tão importante trabalhar a parte intelectual, cognitiva e cultural, para que eles entendam que estão mudando de patamar, mas precisam manter a cabeça no lugar e os pés no chão, porque estão só no começo. É justamente nessa transição que muitos se perdem. Hoje, talvez até mais do que antes, porque as facilidades são maiores.

Essa é uma preocupação constante: orientá-los para que passem por essa fase mantendo o foco, sem se distrair com tudo o que começa a acontecer ao redor. Sabemos que, quando atingem um certo nível de fama e sucesso financeiro, passam a ser cercados por aproveitadores, e isso pode desestabilizar. Esse é, de fato, um grande desafio, não só para o São Paulo, mas para todo o Brasil.

ATR: O papel das famílias na formação tem sido amplamente discutido. Como o São Paulo enxerga essa questão e trabalha a relação com os familiares dos jovens atletas?

DS: A gente procura ser muito transparente com os pais. Mostramos claramente aquilo que os filhos precisam. Em algumas situações, precisamos ser firmes com os meninos, inclusive com os mais velhos, porque muitas vezes o pai e a mãe já não têm mais esse controle. Há casos em que o atleta, mesmo na base, com 15 ou 16 anos, já ganha mais do que os próprios pais.

Quando os familiares conseguem estar presentes, seja todo mês, a cada seis meses ou quando possível, oferecemos orientação e mostramos o que precisa ser feito também dentro de casa. Mantemos uma relação aberta, transparente e profissional.

Nesse sentido, o trabalho da base do São Paulo com os familiares é muito consistente: é planejado, inteligente e muito bem-executado.

O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte

Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva

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