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Futebol brasileiro: Profissionalização ou amadorismo remunerado?

Diferença entre o sucesso e o fracasso está na governança; investidores sérios não apostam em clubes que mudam de direção a cada temporada ou em gestores que tratam o futebol como patrimônio pessoal

Parafraseando uma música famosa, "dinheiro sem mãos é vendaval" no futebol brasileiro - Kues / Freepik

Nunca se falou tanto em gestão, governança e profissionalização no esporte brasileiro. Paradoxalmente, o cotidiano de muitas entidades e clubes ainda é guiado por decisões improvisadas, personalismo e uma visão de curto prazo. Vivemos, em muitos casos, o que alguns, inclusive eu, chamam de “amadorismo remunerado”: paga-se salário, mas não se pratica gestão. Gente despreparada, indicada por questões políticas, que, por receberem remuneração, são apresentadas como profissionais.

A profissionalização, de fato, não se mede pelo valor da folha de pagamento nem pelo número de executivos, mas pela qualidade das decisões, pela coerência entre discurso e prática e pela responsabilidade com a instituição, esta última com nenhuma relação de dependência com a paixão que se sente, ou não, por onde se trabalha. Um clube profissional não é aquele que apenas contrata bons jogadores, mas sim o que se organiza como uma empresa sólida, com governança estruturada, regras claras de compliance e processos decisórios baseados em critérios técnicos, jamais emocionais.

O amadorismo remunerado e, portanto, disfarçado, ainda é uma marca cultural predominante no futebol brasileiro. São dirigentes que confundem paixão com gestão, o que pode ser visto em contratações motivadas por clamor popular e em projetos que mudam a cada troca de técnico ou presidente. Não raramente o clube até se moderniza na estética, com novos uniformes, presença digital e arenas modernas, mas mantém hábitos arcaicos nos bastidores.

Uma conduta que cobra um preço altíssimo, com instabilidade esportiva, perda de credibilidade e erosão reputacional. No futebol contemporâneo, reputação é ativo estratégico e cada vez mais central, impactando negociações comerciais, atratividade para investidores e até a disposição de atletas e treinadores de se associarem à marca do clube. Quando a imagem institucional é de desordem, a capacidade de atração da entidade cai, e isso afugenta atletas e profissionais de melhor qualidade. É cada vez menos só sobre dinheiro, embora este componente ainda seja naturalmente protagonista.

Transparência, prestação de contas e coerência institucional fortalecem a confiança, algo que, no ambiente esportivo, é determinante para a construção de uma reputação sólida. Clubes que estruturam conselhos realmente independentes, processos claros e passíveis de auditoria e políticas de integridade não apenas reduzem riscos internos, mas transmitem uma mensagem poderosa de maturidade ao mercado. É o tipo de ativo intangível que abre portas: patrocínios de longo prazo, parcerias internacionais e até maior tolerância da torcida em momentos de crise. Sim, os torcedores finalmente começaram a se atentar a isso, embora ainda de forma incipiente.

As Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) têm sido um marco importante nesse debate, embora não garantam efetivamente a solução. Ao permitir a entrada de investidores, que, em sua maioria, desejam o lucro, sem que haja qualquer imoralidade nisso, e separar o clube social da operação esportiva, o modelo impôs uma nova lógica: resultado e responsabilidade precisam andar juntos. Não transforma automaticamente uma cultura amadora em profissional, mas oferece o ambiente jurídico e financeiro para isso acontecer. E os torcedores podem ser parte da solução, abraçando a governança e exigindo que seja respeitada.

A diferença entre o sucesso e o fracasso está justamente na governança. Investidores sérios não apostam em clubes que mudam de direção a cada temporada ou em gestores que tratam o futebol como patrimônio pessoal. Apostam em instituições previsíveis, éticas e bem-administradas. O capital é atraído pela credibilidade, e não apenas pela torcida.

O grande obstáculo para a profissionalização plena do futebol brasileiro é cultural. A ideia de que “todo mundo entende de futebol” ainda domina o debate e dificulta a adoção de uma gestão baseada em evidências e processos. Enquanto o dirigente acreditar que a intuição supera o planejamento, estaremos mais próximos do amadorismo remunerado do que da profissionalização sustentável.

O caminho da profissionalização não é rápido nem glamouroso. Exige técnica, transparência e coragem para romper com tradições que já não cabem, ou não deveriam mais caber, no esporte moderno. Salvo exceções, o esporte brasileiro, principalmente o futebol, tem profissionalizado os salários, mas não suas decisões.

Vinicius Lordello é diretor de comunicação e relações públicas da N Sports e professor de Comunicação (Gestão de Reputação e Crises no Esporte) na CBF Academy. Foi executivo de comunicação e conteúdo do Santos (2018), do Cruzeiro (2021/2022, na primeira transição para SAF do Brasil) e do Coritiba SAF (2024/2025). Tem dupla graduação (Ciências Sociais e Direito); pós-graduações em Jornalismo Esportivo, Gestão Financeira Estratégica e ESG; MBA em Gestão e Marketing Esportivo; e Mestrado em Gestão de Reputação no Esporte

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