Inteligência artificial pode ser aliada no impacto das redes sociais na saúde mental dos atletas de alto rendimento

Antes de ser campeã olímpica no Rio de Janeiro 2016, Rafaela Silva sofreu cyberbullying e racismo em Londres 2012 - Ivo Gonzalez / Divulgação

Em todo 10 de outubro é comemorado o Dia Internacional da Saúde Mental. Em um mundo cada vez mais conectado, o impacto das interações digitais na saúde mental tem se tornado um tema central nos debates atuais. Nos últimos anos, essa questão ganhou destaque, com atletas, celebridades e especialistas enfatizando a importância de cuidar não apenas do corpo, mas também da mente. Para os atletas de alto rendimento, que enfrentam uma rotina sobrecarregada, este tema é ainda mais relevante. Dentro desse cenário, o cyberbullying, uma forma de assédio on-line que afeta profundamente o bem-estar emocional e o desempenho, emergiu como uma preocupação crescente.

As mídias sociais são plataformas por meio das quais os entusiastas do esporte podem expressar suas opiniões. Muitas vezes, entretanto, o anonimato digital fornece um espaço onde o usuário pode se sentir confortável para postar mensagens abusivas e expressar todo seu preconceito, transferindo, em forma de discurso de ódio para os atletas, a frustração com sua própria vida.

Recentemente, vimos como os Jogos Olímpicos de Paris trouxeram à tona a dimensão deste problema no universo esportivo. Muitos atletas, após derrotas e até mesmo vitórias, enfrentaram uma avalanche de críticas, ofensas e ameaças nas redes sociais, prejudicando a confiança e a concentração e afetando diretamente o desempenho. Um caso que se destacou foi o da atleta argelina Imane Khelif, que foi vítima de cyberbullying durante as Olimpíadas, após a divulgação de informações falsas sobre seu gênero. Ela formalizou uma queixa ao Ministério Público da França, que iniciou uma investigação sobre o caso.

Desde 2021, o Comitê Olímpico Japonês (COJ) criou uma equipe especial para monitorar as redes sociais dos atletas e protegê-los de comentários de ódio durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, disputados em 2021 por causa da pandemia de Covid-19. Foi a primeira vez que a entidade adotou tal medida, em resposta ao crescente problema no país, especialmente após o suicídio da lutadora japonesa Hana Kimura, que sofria ataques on-line, ocorrido em 2020.

No Brasil, um dos casos mais famosos é o da judoca Rafaela Silva, que sofreu ataques nas redes sociais após ser desclassificada nos Jogos de Londres 2012, incluindo ofensas racistas. Quatro anos depois, nos Jogos do Rio de Janeiro, ela conquistou a medalha de ouro, superando as adversidades e demonstrando a resiliência de uma atleta de elite.

Este ano, a gravidade do tema no Brasil levou à criação da Lei 14.911, publicada no Diário Oficial da União. A legislação estabelece medidas para prevenir e combater o bullying em todos os níveis esportivos e define a intimidação sistemática como qualquer ato de violência física ou psicológica, repetitivo e intencional, que visa a causar humilhação, dor e angústia à vítima.

O cyberbullying vai além do ambiente virtual e seus efeitos reverberam no cotidiano, causando danos graves à saúde mental e impactando diretamente a performance dos atletas. Ansiedade, depressão, baixa autoestima e até pensamentos suicidas são algumas das consequências vividas por quem sofre esse tipo de abuso. No Brasil, onde cerca de 90% da população está conectada diariamente, o problema é ainda mais evidente. O país ocupa a segunda posição mundial em casos de cyberbullying, destacando a urgência de se abordar o tema e educar o público sobre como combatê-lo.

Felippe Marchetti foi entrevistado no podcast Maquinistas, da Máquina do Esporte, em abril deste ano

Há ainda um longo caminho para percorrer visando à proteção dos atletas nesse mundo virtual, com a necessidade de melhor coordenação e maior clareza sobre as responsabilidades das instituições, organizações e clubes nesse processo; criação de diretrizes, políticas e recursos claros para os clubes seguirem; fornecimento de acesso a ferramentas de proteção aos atletas; reconhecimento adequado da gravidade do problema; e educação sobre a melhor forma de utilização e de proteção das redes sociais.

Neste contexto, a tecnologia pode ser uma aliada crucial na mitigação desse comportamento on-line. A Sportradar, por exemplo, desenvolveu uma iniciativa inovadora para proteger os atletas do cyberbullying e promover um ambiente digital mais saudável. A empresa tem uma ferramenta que utiliza tecnologias avançadas de inteligência artificial (IA) para monitorar redes sociais e identificar comentários abusivos, ocultando-os em tempo real. Isso ajuda a evitar que atletas e seus seguidores sejam expostos a conteúdos tóxicos.

A Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) é uma das entidades esportivas que utilizam a ferramenta de IA da Sportradar para escanear as mídias sociais de mais de 300 jogadores da elite do tênis mundial em busca de comentários abusivos, bots e spams, ocultando automaticamente mensagens sinalizadas em 29 idiomas.

Além da moderação automatizada, a ferramenta oferece um programa educacional que prepara os atletas para lidar com o abuso on-line e proteger sua integridade nas interações digitais. Esse conhecimento é essencial para que eles possam navegar com mais segurança em um ambiente virtual frequentemente hostil.

A construção de espaços digitais mais positivos e seguros é uma responsabilidade compartilhada, que abrange fãs, organizações esportivas e todos os demais envolvidos na indústria. Proteger a saúde mental dos atletas é um passo fundamental para garantir o sucesso de suas carreiras e a integridade do esporte como um todo.

Felippe Marchetti é especialista em serviços de integridade e medidas anticorrupção esportiva, tendo concluído doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na Sportradar, ele lidera o desenvolvimento estratégico dos serviços de integridade no Brasil e, antes de ingressar na empresa, atuou como pesquisador do Ministério do Esporte do Brasil

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