Após indicar um adiamento de dois anos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) confirmou, nesta semana, a realização da primeira edição dos Jogos Olímpicos de e-Sports em 2027. A competição, que ocorrerá em Riad, na Arábia Saudita, promete ser um grande marco para os e-Sports mundiais e fortalecerá a relação do esporte como um todo com as gerações mais jovens. Mas o que torna tão significativa a estreia de um evento de esportes eletrônicos com a chancela do COI? O que isso significa para o futuro do esporte e por que as marcas deveriam estar de olho nisso?
Antes de tentar responder essas perguntas, vamos pegar um pouco do contexto que trouxe os esportes eletrônicos até as Olimpíadas.
O impacto dos games nas novas (e antigas) gerações
Muito provavelmente em algum momento da vida você já teve contato com videogames ou, eventualmente, eles até fazem parte da sua rotina como forma de entretenimento. É fácil fazer essa afirmação sem medo de errar, pois cerca de 74% da população brasileira tem o hábito de praticar jogos digitais, segundo a PGB 2024, o maior levantamento sobre hábitos de consumos de games no país.
Além da grande penetração na população brasileira, os jogos eletrônicos também têm sido a principal forma de entretenimento para quase 80% dos jogadores, segundo a mesma pesquisa. Ou seja, uma parcela muito representativa da população não só joga, como passa um bom tempo realizando essa atividade durante a semana. 38% dos entrevistados declararam, inclusive, que jogam todos os dias.
Não pense que estamos falando apenas do estereótipo do jovem de vinte e tantos anos preso no quarto com seu PC gamer jogando horas a fio. O perfil do gamer brasileiro é muito mais democrático e distribuído, de forma semelhante à sociodemografia da população brasileira como um todo, abrangendo diferentes faixas etárias, classes sociais, origens e gêneros. Abaixo, é possível ver em maiores detalhes os recortes apresentados na pesquisa.

Do lazer à competição profissional
Já são mais de 50 anos do lançamento do primeiro videogame. O espírito competitivo sempre esteve atrelado aos jogos eletrônicos, seja pela disputa para vencer a própria máquina, ou outros jogadores nos modos “multiplayers”. Com a evolução da internet, os jogos “multiplayers” com servidores dedicados passaram a entregar experiências competitivas cada vez mais envolventes para os jogadores, até culminar no lançamento do Counter-Strike em 1999, um grande marco da indústria dos games e, principalmente, dos e-Sports.
Carinhosamente chamado pelos fãs e jogadores de CS, o jogo inicialmente foi lançado apenas como um modo alternativo do estrondoso sucesso de vendas da indústria dos games, o Half Life. Se você tem mais de 30 anos deve se lembrar da proporção que o Counter-Strike tomou nas “lan houses” de todo o país no início dos anos 2000. Adolescentes e jovens de norte a sul disputavam um concorrido espaço para jogar, seja de modo mais descontraído ou em competições entre grupos locais, chamados de “clans”.
O CS se tornou um dos precursores das grandes competições e da profissionalização do esporte eletrônico no Brasil e no mundo, sendo até hoje o grande símbolo da categoria FPS (sigla para “First-Person Shooter” ou “Tiro em Primeira Pessoa”, em tradução livre). Além dos FPS, também se consolidaram em grandes competições por todo o mundo outras categorias como:
- MOBAs (sigla para “Multiplayer Online Battle Arena”), com jogos como League of Legends (LOL) e Dota 2;
- Battle Royale, sendo sucesso absoluto nas gerações mais jovens, principalmente com Fortnite;
- Esportes Virtuais com competições de Fifa/EA FC, Pro Evolution Soccer/eFootball e NBA 2K por todo o mundo;
- Simuladores de Corrida que atingiram um nível técnico tão alto que até pilotos profissionais como Max Verstappen, atual tetracampeão da Fórmula 1, são encontrados em servidores abertos ou disputando campeonatos virtuais.
Isso tudo sem contar os jogos que entregam experiências menos competitivas, porém muito imersivas e de interação social como Roblox e Minecraft, em que o usuário tem liberdade para construir mapas e conhecer outros jogadores de todo o mundo.
Tem competição, times, jogadores e muitos fãs
A popularidade dos e-Sports cresce ano a ano em todo o mundo. Segundo outro relatório da PGB de 2024, focado nos esportes eletrônicos, mais de 82% dos respondentes afirmam conhecer e-Sports e, destes, 88% afirmam ter o costume de assistir às competições. O fã de esporte eletrônico é altamente engajado e se reúne em torno de uma verdadeira comunidade que apoia times e jogadores de suas modalidades preferidas. Segundo a mesma pesquisa, 75% de quem acompanha esportes eletrônicos consome conteúdos relacionados de pelo menos uma partida por semana, o mesmo percentual que assiste a jogos ao vivo.
Tanta gente ávida por consumir conteúdo, assistir a partidas e interagir dentro de uma grande comunidade gerou verdadeiros canhões de audiência no país e consolidou organizações esportivas, jogadores e criadores de conteúdo que transmitem, comentam e analisam as competições.
Uma das figuras mais icônicas que se consolidou por aqui foi o streamer Gaules, ex-jogador de CS e o brasileiro mais conhecido da Twitch, plataforma popular de transmissões de e-Sports. O carisma e a irreverência do streamer fizeram com que ele liderasse uma grande comunidade de fãs de e-Sports junto a outros criadores de conteúdo, chamada de Tribo por ele mesmo, e transformaram seus canais em uma grande plataforma de mídia com quase 10 milhões de seguidores em todos os meios.
Ainda falando da casa dos milhões, também é do Brasil uma das organizações de e-Sports com o maior número de seguidores do mundo, a Loud. Além de time de LOL, Free Fire e Valorant, a organização criou uma grande rede de streamers e jogadores que construíram uma audiência em conjunto entregando transmissões, conteúdos e produtos exclusivos em larga escala para sua comunidade. Só no Instagram oficial da Loud (sem contar os perfis de seus sócios e parceiros) são quase 12 milhões de seguidores. Para efeito de comparação, se fosse um time de futebol, a Loud só perderia em número de seguidores para o Flamengo e o Corinthians.
Tanta popularidade e engajamento tem atraído a atenção de atletas e empresas ligadas a esportes tradicionais que buscam se aproximar cada vez mais dos esportes eletrônicos. Vini Jr. se tornou sócio da Loud em 2023, mesmo ano em que a Klefer Marketing entrou como sócia da Imperial Esports, equipe importante do cenário do Counter-Strike nacional. Outro atleta de dimensão mundial que está sempre interagindo com a comunidade de e-Sports é Neymar. O craque do Santos é fã declarado de CS e já realizou ações em conjunto com a Furia, outra tradicional organização do cenário brasileiro e mundial.

Grandes marcas já apostam nesse território
A essa altura imagino que já dá para ter dimensão do alcance e do poder que os esportes eletrônicos alcançaram nos últimos anos. Mas se você ainda não está totalmente convencido da importância e do peso que os e-Sports podem ter no mercado, especialmente no marketing esportivo, trouxemos alguns exemplos de marcas gigantes de diversos segmentos que já se inseriram no cenário:
1. A Nike lançou coleções e experiências dentro de jogos como Fortnite e Roblox, construindo a continuidade do legado de suas marcas para as novas gerações e misturando o mundo físico com o digital.

2. A Louis Vuitton criou “skins” exclusivas para League of Legends, conectando luxo e universo gamer, e mostrando que ocupar territórios pode ir muito além do óbvio para uma marca.

3. A Coca-Cola patrocina eventos de e-Sports e lança produtos personalizados para gamers. No Brasil, a tradicional marca de refrigerantes patrocinou o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) e ainda lançou um sabor exclusivo acompanhado de experiências digitais para os jogadores.

Essas marcas não estão apenas colocando seus logotipos dentro dos games, mas criando experiências interativas e relevantes para os jogadores, garantindo conexões autênticas e duradouras. Elas não são marcas endêmicas que têm seus produtos diretamente ligados aos esportes eletrônicos como um processador, placa de vídeo ou monitor. Porém, conseguiram usar muito bem o território de forma aspiracional e ligado ao estilo de vida dos jogadores.
Quais são as oportunidades para as marcas nos e-Sports?
Ainda há muito espaço para as empresas explorarem esse ecossistema. Algumas das principais oportunidades incluem:
- Patrocínio de competições, equipes e jogadores de e-Sports: Existe uma comunidade gigante e muito engajada nos esportes eletrônicos. Isso se configura como um espaço muito fértil para construir uma associação com o fã, desde que ela seja significativa e verdadeira;
- Experiências imersivas em jogos: Com um potencial ainda mais significativo de construir uma experiência memorável, as marcas podem estar presentes diretamente no ambiente dos jogos por meio de mapas exclusivos, missões e interações personalizadas;
- Avatares, “skins” e produtos digitais: Muito bem explorada pela Nike e pela Louis Vuitton nos exemplos citados acima, é uma forma de unir o mundo físico ao digital de maneira única, fortalecendo mutuamente a valência dos dois universos;
- Criação de conteúdo original: No esporte eletrônico, tudo é sobre conteúdo relevante. Estar junto das organizações e seus criadores para oferecer algo relevante para o fã é uma forma de associar a marca a uma relação emocional única e duradoura;
- “Sports Games” e aproximação do eletrônico com esportes tradicionais: Ligas e clubes esportivos estão cada vez mais explorando a interseção entre esportes e games. A NBA, por exemplo, tem sua própria liga de e-Sports, a NBA 2K League.
No Brasil, a Hermit Crab lançou, em parceria com o Grêmio, um mapa exclusivo da arena do clube no Fortnite. O Atlético-MG é outro clube pioneiro que já ocupa o Fortnite com seu “Galoverso” desde 2023, com a recriação da Arena MRV, lançamento de itens exclusivos e muita interação com os fãs de games e do próprio clube.
A aposta desses gigantes do futebol brasileiro em se aproximar dos games e esportes eletrônicos não é em vão. As novas gerações demonstram uma queda de interesse no formato tradicional do futebol. Quando o clube se associa aos games, ele constrói uma estratégia forte de manutenção da sua base de torcedores de forma saudável e longeva, como um instrumento de identificação que une diferentes gerações.
Estar nos “Sports Games” pode significar uma ótima porta de entrada para marcas que já estão bem posicionadas em esportes tradicionais e têm o desafio de dar o próximo passo para o eletrônico, fazendo uma transição suave e gradativa.

Quais são os desafios pela frente?
Como tudo que é novo, ainda há desafios importantes tanto para as organizações de e-Sports quanto para as marcas. Mesmo sendo nativas digitais, muitas organizações ainda enfrentam dificuldades de conhecer mais a fundo suas comunidades, seus desejos e necessidades por meio de dados e análises concretas. Isso acontece principalmente por serem muito dependentes de canais digitais de terceiros, como as redes sociais e as plataformas de streaming. O caminho para atingirem uma maior maturidade no entendimento de seus fãs não difere em quase nada dos pilares de monetização de fãs que elencamos nesta coluna.
Do lado das marcas, muitas ainda não sabem por onde começar e qual a melhor maneira de dar um passo firme para construir algo realmente relevante nos games e e-Sports. Esse caminho deve ser pavimentado com premissas claras e objetivos bem definidos. Não adianta entrar apenas pelo “hype” ou porque os concorrentes estão todos entrando. Ao se associar a uma comunidade tão engajada como a dos gamers, esses fãs esperam que as marcas cheguem para agregar, construir um senso de pertencimento e identificação real com esse grupo. Por isso, é fundamental que exista um planejamento e consistência nas ações por parte dos profissionais de marketing ao ocupar esse território.
É fato que, para a grande maioria das marcas, o cliente de hoje (não só o de amanhã) já está ligado de alguma forma aos games e esportes eletrônicos. Mas será que as marcas estão prontas para lidar com isso?
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário