Beira o inacreditável a crise entre o Palmeiras e parte de sua torcida. Xingamentos ao treinador mais vezes campeão de sua história, atentado ao Centro de Treinamento do clube na véspera de mais um jogo pelo Brasileirão e vaias durante partidas desde a eliminação para o Corinthians na Copa do Brasil.
Essa é a realidade de um time que é o atual terceiro colocado no torneio nacional (sendo o segundo em aproveitamento de pontos) e que está na disputa das oitavas de final da Copa Libertadores sendo o único a ter ganhado todos os jogos até agora na competição.
A eliminação para o Corinthians fez desmoronar a relação que há quase cinco anos é exclusivamente de amor entre o clube e a torcida. Soma-se a isso o fato de o time ter caído para o Chelsea nas quartas de final da Copa do Mundo de Clubes e, no começo do ano, ter sido vice-campeão paulista ao perder também para o Corinthians.
Uma década mágica
A crise emocional pela qual passa o clube mais vitorioso do futebol brasileiro nesta década tem uma parte de sua origem explicada por algo que é o segredo desse estrondoso sucesso alviverde. Desde 2015, quando iniciou sua retomada aos títulos, o Palmeiras tem deixado praticamente só o campo falar.
A partir da Copa do Brasil de 2015 o clube acançou uma trajetória praticamente inédita de taças enfileiradas quase todos os anos (só em 2017 e 2019 que o grito de campeão não saiu da garganta palmeirense).
Mas o Palmeiras não trabalhou com essa mesma competência a comunicação com os seus torcedores.
Ainda mais depois de Abel Ferreira assumir com maestria o comando técnico do time principal, o Palmeiras se apegou às vitórias com a bola rolando e deixou de lado um trabalho mais eficiente para cativar e estender o relacionamento com o torcedor.
Tanto que o modelo de sucesso que move as finanças palmeirenses é calcado principalmente pela boa performance na área técnica. Formar e vender jogadores a preços cada vez mais altos, aumentar a receita com premiação por desempenho dentro de campo e, no fim das contas, ampliar os ganhos com bilheteria e sócio-torcedor mais por causa do bom momento do que por ações para atrair e reter os fãs.
O tripé de crescimento das receitas está praticamente atrelado ao desempenho esportivo. Mesmo o Palmeiras Pay, principal lançamento voltado para o torcedor em décadas, deve parte do seu sucesso às vantagens atreladas ao programa de sócio-torcedor, o Avanti, e a ida aos jogos no Allianz Parque.
A bola pune
Como diz o ditado popular do futebol brasileiro, “a bola pune”. E o time mais vitorioso do país nos últimos cinco anos deixou que o futebol fosse praticamente a única forma de se relacionar com o fã.
Como pode, em uma década de conquistas praticamente anuais, o Palmeiras não elevar de forma significativa a venda de produtos licenciados? Como o torcedor não tem nada para consumir além do jogo dentro de campo ou o que o circunda?
O Palmeiras precisa, urgentemente, conectar-se com seu torcedor para além da bola. Criar produtos, contar histórias, relembrar que o que faz o time ser uma “Família” não tem a ver com o jogo que é jogado dentro de campo.
Há uma década que o Palmeiras é um dos maiores com a bola nos pés. Na história do clube, nunca existiu um período tão longo no topo com os rivais estaduais tão apagados nesse meio-tempo.
Mas o risco de ter perdido a oportunidade de transformar isso em uma torcida que canta, vibra e consome é cada vez maior.
Não é fácil se manter tantos anos no topo. E, quando essa hegemonia dentro de campo é abalada, o torcedor devolverá toda a frustração na mesma medida do descaso com que sua paixão é tratada para além do campo.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo
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