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Marketing, futebol e política: Quem pintou essa confusão?

Seleção brasileira posa para enfrentar a Argentina pelas eliminatórias da Copa 2026 - Ricardo Ribeiro / CBR

Seleção brasileira posa para enfrentar a Argentina pelas Eliminatórias da Copa 2026 - Ricardo Ribeiro / CBF

Nas últimas semanas, uma imagem veiculada (ou estrategicamente “vazada”) sacudiu as redes sociais com uma possível camisa 2 da seleção brasileira na cor vermelha. Isso mesmo. Vermelha.

Na minha última coluna aqui, falei sobre o tarifaço e o possível impacto que a patrocinadora da nossa seleção poderia sofrer mundo afora, e não, não sou patrocinado, tampouco esse conteúdo é, mas confesso ser um grande consumidor das marcas envolvidas e mais uma vez escrevo sobre algo que acredito ser interessante pelo ponto de vista de consumo e marketing esportivo.

Estamos falando de Nike e Jordan. E, para completar o pacote da controvérsia, no lugar do tradicional “Swoosh”, o próximo logotipo estampado poderá ser o do “Jumpman” da Jordan Brand.

A reação foi rápida, barulhenta e dividida. Em menos de 30 segundos, o Brasil que se divide entre direita e esquerda, Flamengo e Vasco, café com ou sem açúcar, se viu discutindo pigmento têxtil como se fosse um novo pacote econômico do Governo Federal. E, no meio desse turbilhão de opiniões, uma pergunta silenciosa persistia: o que estamos realmente defendendo quando reagimos assim?

No Brasil, a camisa da seleção é mais do que um uniforme; é um símbolo nacional. Para muitos, representa o orgulho de um povo que encontrou no futebol a sua maior forma de expressão. Crescemos vendo Pelé, Zico, Romário, Ronaldo Fenômeno, a nossa Rainha Marta e tantos outros vestindo as cores que, para nós, são quase sagradas: amarelo, azul e branco. Mexer nisso, ainda mais em tempos tão polarizados, é como tocar em um altar coletivo.

É como se, de repente, alguém decidisse mudar a cor do céu em uma tela de Candido Portinari ou colocasse um tênis no Cristo Redentor. O impacto não é só visual, é emocional, e quando se mexe com o emocional, não tem uniforme que escape do debate político.

Mas há um agravante nesse momento histórico do país. É curioso como, no Brasil, algumas cores deixaram de ser só cores. A combinação verde e amarelo passou a ser “de direita”. O vermelho virou “de esquerda”. E a camisa da seleção, que já foi orgulho coletivo, como um cobertor emocional que abraçava o país, agora virou mais uma trincheira ideológica.

Mas e se a pergunta não for “por que estamos mudando a cor?”, e sim “por que isso nos afeta tanto?”.

Do ponto de vista estratégico, o que a Nike/Jordan fez ou tentou fazer é simples: ousadia e marketing de guerrilha. Propor trocar o Swoosh pelo Jumpman é uma jogada de branding agressiva e, ao mesmo tempo, supostamente lançar uma camisa vermelha, em um país como o Brasil, é o equivalente a tentar marcar de bicicleta em uma final de Copa do Mundo: se acerta, vira lenda; se erra, vira meme.

Mas o mais interessante é que essa não foi a primeira vez que o marketing parou o mundo do esporte sem precisar mudar símbolos sagrados.

Ronaldo e sua promessa com o Guaraná Antarctica em 2002. Copa do Mundo no Japão e na Coreia do Sul. O Brasil vinha de um trauma em 1998. E aí surge uma campanha simples e genial. Ronaldo, já recuperado, recebe uma garrafinha de Guaraná Antarctica e, antes de beber, ouve: “Mas só se for pentacampeão”.

O Brasil inteiro viu aquilo como uma promessa. Ronaldo cumpriu. E a marca cravou seu nome no coração dos brasileiros. Nada de trocar cor, escudo ou slogan. Só uma garrafinha, um símbolo e uma narrativa.

Em outro momento da história e em outro esporte, a Nike, que poderia simplesmente apresentar um tênis novo, decidiu mostrar algo maior: atitude. No comercial, de 2019, Serena Williams trouxe a frase: “You can’t be serious” (“Você não pode estar falando sério”, em tradução livre), quebrando estereótipos e encarando o julgamento constante que mulheres enfrentam no esporte. “Vocês chamam de loucura. Eu chamo de mostrar emoção”.

Foi um soco de realidade em forma de poesia. Serena continuava vestindo Nike. O Swoosh seguia o mesmo. Mas o impacto foi tão forte que o vídeo virou tema de debates sobre igualdade de gênero no mundo inteiro.

Nesses dois casos emblemáticos e da mesma empresa de artigos esportivos, a Nike, não foi preciso trocar cor nem escudo, bastou uma boa história. Porque o que move o torcedor não é a tinta da camisa; é a emoção que ela carrega.

Vamos combinar uma coisa: se a seleção brasileira de futebol, a nossa amarelinha, estivesse jogando bem, com raça (não acredito que falte isso), com alegria (talvez sobre fora de campo e falte dentro), com gols, com um técnico definido e um projeto estruturado, ninguém ligaria tanto para a cor do uniforme.

O time poderia entrar de rosa-choque que a gente cantaria o hino com a mão no peito. Mas quando o desempenho é fraco, a paciência também fica no vermelho. E aí qualquer detalhe vira problema. Como disse um amigo: “Régis, a seleção não entrou no vermelho só na cor, entrou no emocional, no organizacional e no futebol. A camisa virou bode expiatório do nosso desalento coletivo”.

Talvez ele tenha razão. A gente descarrega no tecido o que sente por dentro. A psicologia das cores ensina que o vermelho representa paixão, energia e ação, mas também raiva, urgência e polarização.

Então façamos um exercício rápido. Respire fundo aí, feche os olhos e tente se lembrar do seu momento mais marcante com a seleção. O uniforme que os jogadores estavam usando importava tanto quanto o que você sentia naquele momento?

Eu não sei o que você pensou aí, mas talvez a chave hoje seja outra: a camisa vermelha incomoda porque escancara um país que anda tensionado, onde até a seleção virou campo de batalha simbólica. Mas o futebol não nasceu para dividir. Ele nasceu para unir. E a camisa da seleção não deveria ser apenas mais uma peça para discussões infindáveis, mas um manto que simboliza o pertencimento coletivo. E sem advogar em causa própria, o Manto da Massa, do Atlético Mineiro, é prova indiscutível disso.

O que é fato nessa história toda é que nossa indústria precisa aprender a discutir inovação sem esquecer as raízes e a história de cada clube ou da nossa seleção, e precisamos realmente entender que marcas são vivas, sim, mas que símbolos nacionais não são apenas “ativos” para rentabilizar. Eles carregam histórias, lutas e emoções. E isso não se muda com um clique no Photoshop.

Ao mesmo tempo, resistir à mudança é se fechar sobre oportunidades e possibilidades de se chegar ao novo, e, nesse caso, acho que está muito mais ligado à inspiração do “Goat” Michael Jordan (e a tudo que ele carrega consigo) do que à cor da camisa. Não é a cor da camisa que deve nos emocionar; é o que fazemos quando a vestimos.

E aí? Você vai de verde, amarelo, vermelho ou torcerá por uma seleção que encante, com mais gols e menos brigas por tecido? Porque no fim das contas, uniforme se troca. O que não dá para perder é a paixão pela nossa seleção.

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End