Constantemente somos criticados, aqui na Máquina do Esporte, pelo posicionamento que tomamos frente à empolgação do mercado como um todo com as transmissões via streaming e a pretensa “democratização” que os meios digitais trazem para o consumo de conteúdo esportivo.
Como tem sido premissa da Máquina durante os quase 20 anos de atuação que temos dentro da indústria esportiva brasileira, não nos empolgamos com novidade. Nada contra o novo, mas sim contra a falta de senso crítico que a maioria das pessoas tem com aquilo que é inédito.
Ainda mais em um mundo cada vez mais digitalizado e rompendo todo e qualquer tipo de modelo preexistente, entendemos que temos de ser céticos e críticos para poder ter uma opinião racional diante do que está por vir.
É por isso que, desde 2005, questionamos. Às vezes acertando, às vezes errando. Discutimos se J. Hawilla era o futuro, perguntamos – e erramos na resposta – se Ronaldo no Corinthians era uma boa jogada, apontamos que Eike Batista e seu império X (aquele outro) tinha todo jeito de ser um engodo, não embarcamos na mentira do Sportflix em 2017, mas acreditamos que o DAZN viria para ficar. Hoje, ainda questionamos o real poder de atração que a Cazé TV tem no streaming, sem ignorar o fantástico desempenho dela nas redes sociais, especialmente no Instagram.
Com todo esse preâmbulo, o artigo desta semana traz mais dados para ajudar a termos certa calma com o anseio de apontar o streaming como o futuro da indústria do esporte. Nesta segunda-feira (2), noticiamos aqui, na Máquina do Esporte, que a maioria do público norte-americano considera a distribuição multiplataforma da transmissão esportiva algo inconveniente.
No maior mercado de streaming do mundo, com o maior número de empresas do segmento, o novo jeito de consumir não é unanimidade. Pelo contrário.
O fã de esporte é, antes de tudo, tradicionalista. Mesmo o da Geração Z gosta de seguir hábitos e rotinas. E um desses hábitos é o de consumir, pela TV, o evento esportivo. A pulverização em várias plataformas de streaming é um caminho sem volta, mas o modelo não pode ser quebrado de uma vez.
É o que defendemos por aqui desde 2014, quando a NFL testou uma transmissão por streaming pela primeira vez. À época, já antecipando qualquer outra liga esportiva, a NFL vendeu para a AT&T, por uma temporada apenas, os direitos de mostrar pela internet alguns jogos da liga, nenhum deles com exclusividade. O acordo anual, como noticiamos então, tinha justificativa. A liga queria entender o comportamento do consumidor – e do próprio distribuidor do sinal – para saber qual rumo poderia tomar.
Só em 2023 que a NFL foi vender um pacote de jogos exclusivos para o streaming. E, mesmo assim, exigiu que o Amazon Prime Video tivesse um cuidado enorme com a produção desse conteúdo de transmissão. Por que fez isso? Por entender que o fã de esporte quer uma experiência parecida com a que sempre teve.
É por isso que essa pesquisa que constatou que 69% dos fãs de esporte são contra as transmissões multiplataforma mostra um caminho importante que os gestores esportivos ainda precisam trilhar. Não podemos achar que o streaming é o presente. Ele é, sim, parte COMPLEMENTAR do futuro das transmissões, mas não será a solução única para o esporte.
Diferentemente do modelo tradicional de televisão, em que havia uma tela e poucas opções para consumo, o streaming é uma gota dentro de um oceano de conteúdo. E isso afasta, cada vez mais, o consumidor. Não pela falta de qualidade do que se produz, mas pela quantidade de distração que existe.
Precisamos ouvir o fã do esporte para entender que caminho seguir. A ruptura do mercado não pode ser tão abrupta. A transmissão multiplataforma ainda é o futuro. Se virar o presente, o esporte pode se preparar para perder muita audiência, relevância e, principalmente, dinheiro.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo