A Geração Z cresceu entre a cultura do “hustle” e a ascensão do movimento “woke”, mas agora observa as grandes empresas adotarem um tom mais pragmático. Testemunharam seus pais e irmãos mais velhos se desgastarem em jornadas exaustivas de trabalho e decidiram que não seguirão o mesmo caminho. Querem propósito, mas sem se deixar consumir por ele. Ao mesmo tempo, aprenderam a desconfiar de promessas vazias e rejeitam o ativismo corporativo que não se reflete em ações concretas. Esse novo consumidor não é leal a marcas ou causas; sua fidelidade é a uma identidade em constante evolução.
Para as empresas, entender essa mudança não é opcional: é o novo jogo do mercado.
Essa mudança de mentalidade não ocorre apenas no consumo, mas também na forma como grandes empresas e seus líderes reagem a essa nova geração. Elon Musk tornou-se um antagonista da cultura “woke” ao assumir o Twitter (agora X), desmontando políticas de moderação e pregando uma liberdade de expressão radical. Mark Zuckerberg, que já foi o rosto do progressismo nas “Big Techs”, agora recua, e faz isso de maneira cada vez mais visível. Até Tim Cook, um dos últimos defensores da inclusão no Vale do Silício, enfrenta pressões para reduzir essa abordagem. O discurso corporativo, antes alinhado à inclusão e ao progresso, agora se ajusta ao novo ambiente, onde o lucro volta a ser a métrica principal.
A rejeição à exaustão e ao discurso vazio se traduz diretamente na relação da Geração Z com as marcas. Essa geração não compra apenas um produto; compra a narrativa, a estética, o significado, mas só enquanto isso os interessa. Surge aí o conceito de “fã fluido”, um consumidor que não se apega a times, atletas ou marcas por muito tempo. Hoje, idolatram um influenciador; amanhã, o descartam sem hesitar. No esporte, isso significa o fim da lealdade cega aos clubes; agora, os jogadores são os verdadeiros ídolos.
E as marcas que dominarem esse jogo volátil podem conquistar um espaço único nesse mercado em transformação.
Nike, Adidas e outras marcas esportivas: Estratégias contrastantes
Nike e Adidas ilustram essa disputa. A Nike, que por anos se posicionou como símbolo de ativismo, agora faz um movimento inverso, mudando o tom com a campanha “Vencer não é para todos”. A mensagem é direta e agressiva, exaltando a competitividade pura e o esforço absoluto, sem espaço para empatia. É uma aposta arriscada: pode afastar quem ainda valoriza a inclusão, mas reconquista quem rejeita a cultura “woke”. Para a Geração Z, o esporte pode ser o escape perfeito, um espaço onde competir faz sentido em meio a um mundo de narrativas fluidas.
A Adidas, por outro lado, segue na contramão. A narrativa da marca alemã foca o esporte como bem-estar e expressão pessoal, não como uma corrida desenfreada por troféus. Produtos retrô, como os tênis Samba e Gazelle, casam com a busca da Geração Z por autenticidade e nostalgia, sem a pressão de superar os outros. Aqui, a competição é interna: “Quero ser melhor que ontem”. O esporte segue sendo sobre vencer, mas essa geração redefiniu o que vitória significa.
Outras marcas esportivas também estão ajustando suas estratégias para se conectar com a Geração Z. A Puma busca um equilíbrio entre performance e estilo de vida, colaborando com artistas e influenciadores para criar produtos que mesclam esporte e cultura pop. A Under Armour, por sua vez, reforça sua identidade voltada ao alto desempenho, mantendo um tom mais próximo da Nike, mas sem o mesmo peso histórico.
No Brasil, marcas como Centauro e Netshoes têm se destacado no mercado on-line de produtos esportivos. A Centauro, parte do Grupo SBF, adotou uma estratégia “omnichannel”, combinando a presença de lojas físicas com uma robusta plataforma on-line, permitindo que os consumidores transitem entre os canais de venda de forma integrada. Além disso, investiu no desenvolvimento de marcas próprias, o que lhe confere maior controle sobre as margens de lucro e diferenciação no mercado.
Já a Netshoes, pioneira no e-commerce esportivo no Brasil, sempre operou exclusivamente no ambiente digital, oferecendo um vasto catálogo de produtos. No entanto, a ausência de lojas físicas e a dependência do modelo de revenda apresentaram desafios à rentabilidade e à competitividade da empresa. Em 2019, a Netshoes foi adquirida pelo Magazine Luiza (Magalu), refletindo a necessidade de adaptação às novas dinâmicas do mercado.
Comportamento de consumo da Geração Z no Brasil
A Geração Z tem um comportamento digital intenso e sua relação com o esporte reflete isso. De acordo com um estudo da MindMiners, 56% dos jovens brasileiros dessa geração consomem conteúdos esportivos principalmente por meio das redes sociais, enquanto 54% ainda preferem a TV aberta. Além disso, 61% dos fãs dessa geração assistem a eventos esportivos ao vivo de casa com outras pessoas, reforçando o papel da socialização no consumo de esportes.
O impacto se reflete também no consumo de produtos esportivos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Brain Inteligência Estratégica, a Geração Z é a que mais realiza compras on-line de itens esportivos, com 45% dos entrevistados optando por esse canal. O gasto médio mensal em infraestrutura para atividades físicas, como mensalidades e treinadores, é de R$ 170, enquanto o investimento em vestuário e calçados esportivos chega a R$ 151. Esse consumo elevado demonstra que, apesar de buscar autenticidade e experiências fluidas, essa geração ainda investe fortemente no segmento esportivo.
O engajamento com atletas também faz parte desse novo cenário. De acordo com uma pesquisa da Deloitte, 46% dos jovens da Geração Z assistem a eventos esportivos ao vivo em casa por influência de atletas que seguem nas redes sociais, enquanto 33% comparecem presencialmente a eventos devido a essa conexão digital. Esse comportamento reforça o papel dos atletas como figuras centrais na experiência esportiva da Geração Z e mostra como as marcas podem usar essa ponte para construir conexões mais fortes. Um exemplo disso é a Nike, que tem investido em campanhas com Vinicius Júnior no Brasil, aproveitando a influência digital do atacante para dialogar diretamente com esse público e ampliar o engajamento da marca.
O impacto da Geração Z no marketing e o erro das marcas
A Geração Z está reescrevendo as regras do consumo, da torcida e da identificação com marcas. No esporte e no varejo, a lealdade fixa do passado acabou. Empresas que não entenderem essa fluidez correm o risco de desaparecer. Muitas ainda apostam em estratégias ultrapassadas, com mensagens genéricas que não ressoam com esse público. Em um mercado em que autenticidade e adaptação são tudo, insistir em narrativas rígidas é um erro fatal.
A disputa não é sobre escolher um lado da cultura; é sobre perceber que a Geração Z rejeita rótulos. Eles não são um bloco único, mas indivíduos com aspirações e valores diversos. Quem insistir em tratá-los como massa perderá espaço. O jogo já mudou, e as marcas precisam correr para acompanhar.
E você, acha que as marcas esportivas estão realmente entendendo esse novo consumidor? Como essa mudança impacta o futuro do esporte e do varejo?
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Fernando Fleury é CEO da Armatore Market+Science, PhD em Comportamento do Consumo e trabalha com inovação e tecnologia para criar novos modelos de negócios para a indústria com a construção de soluções avançadas e modelos preditivos usando inteligência artificial, aprendizado de máquina e ciência de dados para entender o ciclo de vida dos produtos, criar novos produtos e identificar e rastrear clusters a fim de aumentar a receita, o público e o envolvimento dos fãs