Aconteceu na última semana um dos maiores festivais de inovação do mundo, o SXSW, em Austin, no Texas (EUA). É também um dos eventos internacionais preferidos dos brasileiros: estima-se que mais de 2 mil estiveram presentes no festival.
A proposta é debater as grandes tendências mundiais na interação entre humanos e tecnologia, além de tratar de temas emergentes com trilhas diversas. Inteligência artificial, cannabis, psicodélicos, futuros possíveis e transporte são algumas delas.
Uma dessas trilhas é sobre esportes (é nóis). Neste ano, foram diversos painéis e palestras que rolaram no Four Seasons (hotel mais legal de Austin, aliás), entre 11 e 13 de março, reunindo nomes de diversas modalidades.
O festival tem trilhas mais relevantes que o esporte, é fato. Esta foi minha segunda participação e, confesso, na primeira ignorei nosso setor. Tem gente incrível falando sobre temas centrais mais poderosos e genéricos.
Mas, dessa vez, fiz diferente. Foram mais de 30 conteúdos na trilha de esportes ao longo dos três dias no Four Seasons. Escolhi alguns deles, os mais relevantes, para trazer neste artigo os insights da Sports Track.
A função das experiências esportivas
Começo com o painel “Reigniting Fan Engagement at Live Events” (“Reativando o envolvimento dos fãs em eventos ao vivo”, em tradução livre), feito pelo time da WWE, que, aliás, não sei como classificar: esporte, teatro, show?
A volta das experiências humanas ao vivo foi celebrada neste painel. Houve consenso sobre a função dos eventos: trazer as pessoas para perto, fazê-las felizes. Com esse viés da WWE, mais um insight bacana, sobre como pensar atletas profissionais. Os executivos da franquia defenderam que atletas, não importa de qual esporte, precisam ser também personagens, uma mentalidade bem forte nos EUA, mas que devemos olhar com carinho em terras brasileiras.
Personagens criados para inspirar, com intenções específicas. Isso facilita o investimento de marcas, a identificação de fãs e a criação real de ídolos. Há uma margem gigante para trabalharmos isso e mudar o apoio aos atletas brasileiros.
Experiências imersivas são o futuro da relação com fãs
De longe, a melhor palestra da trilha esportiva do SXSW foi com Richard Ayers, fundador da Rematch STM. Inglês com carreira consolidada em engajamento de fãs, Richard passou por Manchester City, Fifa e Uefa, e fundou sua empresa de experiências esportivas.
Como atrair fãs do esporte e criar momentos memoráveis?
As gerações atuais não se conectam mais com “qualquer” momento, e há uma disputa enorme por atenção. A Geração Z gasta 43% mais tempo assistindo aos melhores momentos dos jogos/highlights do que a esportes ao vivo. Como trazer as famílias de volta, criar emoção?
Ayers criou uma máquina do tempo para isso. E, durante a palestra, simulou um exercício: pense em alguma experiência esportiva do passado, qualquer uma, que você queria estar ou reviver. Qual seria? Pessoalmente, pensei no título de 1970, ou em Interlagos, na primeira vitória de Ayrton Senna, em 1991.
A Rematch, empresa do cara, faz isso. Recria momentos históricos por meio do estudo de cenografia, atores, sósias e tecnologia imersiva, e simula momentos da história do esporte em um universo paralelo recriado. O metaverso esportivo flutua entre dois mundos.
A empresa já recriou a edição de 1980 de Wimbledon e agora a missão é recriar uma das lutas de boxe mais icônicas da história: George Foreman x Muhammad Ali, em 1974, conhecida como “The Rumble in the Jungle”, com ajuda de realidade virtual e todos os recursos de experiência possíveis.
É uma referência para quem trabalha com negócios do esporte, que vive de experiências.
Fãs são centro da conversa
Fãs. A maioria dos painéis foi nessa linha, buscando compreensão sobre o comportamento de consumo de quem se conecta ao esporte.
O painel “Anatomy of a Fan” (“Anatomia de um fã, em tradução livre”) reuniu especialistas e trouxe temas relevantes, entre eles o fim das mídias sociais como conhecemos (do modelo de escala para o de nicho) e como isso vai afetar o setor. São necessárias especialização e mentalidade multiplataforma.
Chris Iles, diretor de inovação do time de beisebol de Minnesota, falou sobre como devemos envolver as famílias das pessoas na conexão esportiva. Segundo ele, essa é a chave. “Make families more than expectators” (“Tornar as famílias mais do que espectadores”, em tradução livre), ou seja, elas são parte do show.
Já o painel “Telling Sports Stories That Impact The World” (“Contando histórias esportivas que impactam o mundo”, em tradução livre), trouxe um debate sobre o que na conversa foi chamado de “The religion of sports” (“A religião dos esportes”, em tradução livre). Defenderam que toda campanha esportiva deveria contar uma história e que, na verdade, o jeito de narrar a história conta 99% do que é a história em si.
Deveríamos ter conversas profundas com atletas e consumidores, e mostrar para as pessoas o que elas poderiam ser, se seguirem o caminho proposto pela nossa marca.
Neste painel, Jay Williams, da ESPN, falou uma das frases mais legais que ouvi no evento. “Espalhe as histórias legais que você encontrar por aí. O esporte é feito de histórias mágicas. Imagine só ter a Monalisa em casa, só para você? Que tristeza!”.
Profundidade é uma maneira de ser imperdível.
A marca esportiva que doou todo seu lucro
Se você não conhece a história da Patagônia, marca de material esportivo de aventura, deveria conhecer. Principalmente depois que seu dono renunciou a 100% dos lucros para doar a instituições que ajudam o planeta.
Em uma das conversas mais relevantes do SXSW, Ryan Gellert, CEO da Patagônia, trouxe um discurso sobre a responsabilidade das marcas esportivas na preservação da natureza. É desafiador: enquanto os tecidos sintéticos são mais baratos e rendem mais performance aos atletas, os produtos naturais são o oposto, caros e mais limitados.
A Patagônia quer lutar contra essa realidade, e Ryan reforçou: “É possível ser rentável. Mas ativismo é um trabalho manual, artesanal, precisamos tomar decisões difíceis”. E completou, traçando um paralelo com o DNA da marca, nascida para o montanhismo: “O mundo é um grande playground, a vida é boa. Precisamos defendê-la”.
SXSW 2023 teve outros grandes tópicos
A parte esportiva é uma pequena ponta dos assuntos do festival. Na verdade, só ocupou minha agenda com tanta intensidade por conta do interesse pessoal, mas é preciso ressaltar o nível de discussões do evento, que trata dos grandes dilemas humanos relacionados à tecnologia e à cultura.
Um dos principais tópicos (e mais óbvios) do SXSW 2023 foi a ascensão da inteligência artificial ChatGPT, uma das interfaces mais poderosas de criação e pesquisa já criadas. Entre tantas aplicações, algumas delas têm impacto direto no esporte, como a substituição imediata de treinadores ou até de recomendações médicas de baixa complexidade.
Ou, então, falou-se sobre novos modelos de aprendizado, como wearables que simulam movimentos complexos e ensinam o corpo a, por exemplo, chutar uma bola corretamente ou acertar a cesta, por meio de repetições e condicionamento.
Não caberia nesse texto.
O festival atrai pela sua conexão entre inovação e debates importantes. O esporte é, certamente, impactado por todos eles.
Daniel Krutman é empreendedor, publicitário e futurista. Formado em Comunicação Social, pós-graduado em Ciências do Consumo e mestre em Marketing Digital, ocupa atualmente o cargo de CEO da plataforma de vendas de inscrições Ticket Sports, além de ser fundador da The Squad Academy, hub de conteúdo para o esporte