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O fim do ROI está próximo, e isso é muito bom

Quem continuar vendendo patrocínio como "espaço", e não como atenção mensurável, desaparecerá do jogo, porque o jogo agora é outro: o da visibilidade que se prova sozinha, frame a frame

Disney aproveitou o Super Bowl LIX para promover a nova versão do filme "Lilo & Stitch" - Reprodução / YouTube (@Disney)

O mundo do esporte vive uma revolução silenciosa. Ela não veio das quadras ou dos estádios; veio das câmeras e dos algoritmos. Durante décadas, o Retorno Sobre Investimento (ROI, na sigla em inglês) foi o fetiche do marketing esportivo. A sigla aparecia em toda reunião de patrocínio como selo de racionalidade, mas, na prática, era um castelo de areia. Planilhas genéricas, estimativas arbitrárias e uma boa dose de fé corporativa.

O problema é que o ROI nunca foi realmente mensurado; ele era estimado. Um chute com planilha. 

Hoje, essa lógica ruiu. Não porque o ROI deixou de importar, mas porque ele se tornou insuficiente. O que está em jogo agora não é quanto retorno tivemos, mas o que exatamente foi visto, por quem e por quanto tempo.

No Super Bowl LIX, em 2 de fevereiro de 2025, as marcas geraram US$ 247,8 milhões em valor de mídia apenas com exposições visuais e menções durante cerca de 1 hora e 51 minutos de transmissão. Esse número, medido pela plataforma Hive, não é estimativa: considera o que foi visto, quando, por quanto tempo e quão proeminente foi a imagem. Essa precisão marca uma virada estratégica: patrocinadores e organizações esportivas não podem mais depender de números vagos.

Não é mais sobre “estar presente”, é sobre ser mensurável.

E esse é o início de uma nova métrica de valor: a visibilidade auditável.

Do ROI ao ROE: Retorno Sobre Exposição

Mas o que torna esse investimento mensurável? 

A tecnologia. A visão computacional combinada com inteligência artificial (IA) permite rastrear logotipos em movimento, mesmo sob ângulos distorcidos ou câmeras inclinadas. Um exemplo vem do estudo “ExposureEngine: Oriented Logo Detection and Sponsor Visibility Analytics in Sports Broadcasts”, que usa caixas orientadas, as “Oriented Bounding Boxes (OBB)”, no lugar dos retângulos tradicionais.

Testado em 1.103 frames de futebol sueco, com 670 logotipos únicos, o modelo atingiu precisão de 0,96 e recall de 0,87. Em outras palavras, a IA reconhece a marca com a precisão de um olho humano. Só que sem piscar.

Assim, cada segundo de exposição deixa de ser um número arbitrário e passa a ser um dado auditável. Podemos medir a cobertura de tela, o ângulo, a rotação e até a atenção do público, transformando o patrocínio em métrica comparável às campanhas digitais.

Uma marca pode aparecer menos, mas de forma mais central e impactante. A pergunta deixa de ser “quantas vezes” e passa a ser “como foi vista”.

A virada global

Globalmente, o mercado de análises esportivas foi de US$ 4,79 bilhões em 2024 e deve chegar a US$ 24,03 bilhões até 2032, com crescimento anual médio de 22,5% entre 2025 e 2032. No nicho de análises de patrocínio com IA, o salto é de US$ 1,23 bilhão em 2024 para US$ 1,47 bilhão em 2025, com crescimento anual médio de 18,7%.

Nos EUA, MLB, NHL e NBA geraram US$ 11 bilhões em Valor de Mídia de Patrocínio (VMP) em 2024. Na temporada 2024/2025 da NHL, foram US$ 1,7 bilhão em VMP, com 93% vindo da TV linear, 14 milhões de exposições no broadcast e 86 bilhões de impressões nas redes sociais. No Super Bowl, uma aparição curta, mas central, pode valer mais do que minutos nos cantos da tela, mudando o cálculo do ROI (veja mais aqui).

E o Brasil?

Aqui, o jogo está apenas começando.

Em 2024, 132 marcas apareceram nos uniformes dos clubes, alta de 13% sobre 2023, com o setor financeiro na liderança. Para 2025, os patrocínios másteres quebraram recordes: Flamengo (R$ 250 milhões com a Betano), Corinthians (R$ 120 milhões com o Esportes da Sorte) e Palmeiras (R$ 100 milhões com a Sportingbet). O Brasil é o quinto maior mercado de apostas on-line do mundo, com faturamento projetado de US$ 4,139 bilhões (R$ 22 bilhões) em 2025 (veja mais aqui), e quase todos os clubes da Série A têm casas de apostas como patrocinadores principais.

No Brasil, o mercado de análises esportivas deve crescer de US$ 3,95 bilhões em 2025 para US$ 9,82 bilhões até 2031, com crescimento anual médio de 16,3%. Clubes como Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG já usam dados em tempo real para performance e receita.

Mas, no geral, ainda tratamos o patrocínio como um banner, não como um ativo. O país movimenta bilhões em patrocínios, mas a mensuração ainda é artesanal. As marcas olham para o tempo de exposição como se cada segundo valesse o mesmo. E não vale.

O logotipo no canto da tela em uma câmera lateral não tem o mesmo peso que o mesmo logotipo em close durante um gol. Mas, sem métricas auditáveis, tudo entra na mesma conta.

O desafio brasileiro: Sair da crença e entrar na ciência

Os clubes e marcas brasileiros estão diante de um ponto de inflexão. Enquanto o mercado global de análises esportivas avançará para mais de US$ 24 bilhões até 2032, o país ainda negocia patrocínios sem KPIs (métrica usada para medir o progresso de uma empresa ou o projeto em relação às suas metas estratégicas) claros de visibilidade. 

E o problema não é só tecnológico. É cultural.

Confundimos exposição com engajamento, quantidade com qualidade, presença com atenção. Não se trata de copiar o Super Bowl, mas de aprender com ele e transformar o espetáculo em dado e o dado em valor.

O novo retorno

Talvez o ROI não tenha morrido, apenas mudou de nome.  O novo retorno é o Retorno Sobre Visibilidade (ROV). E ele é medido por câmeras, não por promessas. No fundo, o que está acontecendo é uma virada simbólica: o marketing esportivo está deixando o terreno da crença e entrando na era da auditoria visual.

Quem continuar vendendo patrocínio como “espaço”, e não como atenção mensurável, desaparecerá do jogo. Porque o jogo agora é outro: o da visibilidade que se prova sozinha, frame a frame.

No meu Instagram e no meu TikTok, você pode continuar lendo um pouco mais dessa coluna com recomendações para marcas, clubes e federações no Brasil para entrarem nesse novo jogo. É só seguir @fleury.i9. Acompanhe também outros textos no 11:11 Insights.

O artigo acima reflete a opinião do colunista e não necessariamente a da Máquina do Esporte

Fernando Fleury é CEO da Armatore Market+Science, PhD em Comportamento do Consumo e trabalha com inovação e tecnologia para criar novos modelos de negócios para a indústria com a construção de soluções avançadas e modelos preditivos usando inteligência artificial, aprendizado de máquina e ciência de dados para entender o ciclo de vida dos produtos, criar novos produtos e identificar e rastrear clusters a fim de aumentar a receita, o público e o envolvimento dos fãs

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