Minha coluna que foi ao ar no final de abril falou sobre o aumento do “gap” entre o futebol brasileiro e as outras ligas. Neste mês, inspirado em um artigo do jornal britânico Financial Times, gostaria de falar um pouco sobre o tempo que diminui. Na verdade, não é o tempo que diminui, mas sim a atenção de todos que está cada vez mais disputada, e, portanto, a manutenção do foco em um único assunto, tema, tela, é cada vez mais curto.
Todos falam que a Geração Z é a que está liderando este movimento de redução de consumo do conteúdo. De acordo com uma pesquisa da YouGov, apenas 31% dos jovens de 18 a 24 anos assistem a esporte ao vivo, enquanto na faixa acima dos 55 anos, este número chega a 75%.
A preocupação é justamente em relação ao engajamento, ou à falta dele, das novas gerações com o conteúdo linear ao vivo. A maioria prefere apenas consumir melhores momentos (highlights) ou clipes em formatos mais atraentes em suas redes sociais preferidas ao invés de “perder” 60, 90, 120 minutos assistindo a um jogo inteiro de um esporte qualquer.
Enquanto as gerações mais velhas tinham menos opções de entretenimento e, portanto, estavam dispostas a dedicar mais tempo do seu dia ao consumo de conteúdo, hoje, com infinitas possibilidades, a Geração Z tem um interesse reduzido por “longos” eventos esportivos.
Olhando para o esporte americano de forma geral, é possível perceber que todos eles foram criados para que o fã na arena ou em casa tenha uma experiência longa e duradoura, e que seja “rentável” para o promotor do evento. Na arena, o promotor aumenta sua receita com a venda de alimentos, bebidas, merchandising etc. E, ao possibilitar que a emissora parceira tenha mais oportunidades comerciais ao longo de um jogo, faz com que o seu produto seja mais interessante e mais rentável, o que leva o valor pelos direitos de transmissão a aumentar consideravelmente. Os acordos de mídia recentes anunciados pela NFL, por exemplo, corroboram esta teoria. NBA, MLB, NHL, Nascar e Fórmula Indy, por exemplo, vão na mesma direção.
Falando em Fórmula Indy, dirigi a cobertura da categoria no Grupo Bandeirantes por 10 anos e viajava com frequência para as corridas. Poder estar nas 500 Milhas de Indianápolis por tantas vezes foi sem dúvida uma experiência incrível. A organização a denomina como o maior espetáculo de corridas da terra e não é à toa, já que o circuito tem capacidade para quase 500 mil pessoas, que chegam na sexta-feira para o Carburation Day e ficam até o domingo, algumas delas acampadas ali mesmo, ao lado da pista, para não perder nada.
O engajamento dos fãs com as 500 Milhas, na verdade, começa três semanas antes, com o início dos treinos livres, depois vem Pole Day, Bump Day e durante quase todo o mês de maio as atenções ficam voltadas à formação do grid. Os fãs também interagem com a prova ao longo do mês com visitas ao Speedway Museum, curtindo os treinos livres durante a semana e visitando a área de garagens. Eles também podem andar pela pista com seus próprios veículos e, quem quiser (e puder) pagar caro, pode dar três voltas em um carro da categoria que tem dois lugares e atinge quase 300km/h. Tem também competição de pit-stops, desfile dos pilotos pela cidade, manhã de autógrafos com todos os pilotos. Enfim, atividades intermináveis para trazer, manter e reter a atenção do público. Com isso, é claro que aumentam os consumos de alimentos, bebidas, merchandising e publicidade no entorno do produto.
Mas, voltando ao tema de interesse, foco e atenção, hoje vivenciamos exatamente o oposto de todo este cenário, com as novas gerações não querendo mais ficar tanto tempo focadas em um único tema. Aliás, não são só as novas gerações. Você aí que já passou dos 40 anos consegue assistir a um jogo de futebol inteiro sem mexer no seu celular?
Com a atenção podendo se dispersar por várias telas (TVs, tablets, mobile, computadores, consoles de games), o conteúdo precisa se adaptar. Não é à toa que temos acompanhado movimentos interessantes de conteúdos que estão buscando estar onde a atenção do jovem está e o que ele quer ver.
A série Drive to Survive (Dirigir para Viver), da Netflix, rejuvenesceu o público da Fórmula 1 e aumentou a audiência feminina nas corridas da categoria. Cazé TV e Goat se destacam por transmitir conteúdos de uma maneira mais informal que agrada mais o jovem. A NFL já fez transmissões do Super Bowl em parceria com o canal Nickelodeon, com personagens do canal como narradores, além de utilizar o famoso slime na comemoração dos touchdowns.
A Disney também tem feito experiências, com transmissões de jogos da NFL em formatos diferentes, como um jogo dentro do quarto do menino Andy, de Toy Story.
Wimbledon, o Grand Slam inglês, já tem uma imersão nos universos do Roblox e do Fortnite.
A Premier League, em conjunto com a Sky Sports (emissora oficial do torneio no Reino Unido) e a IMG (agência que produz os jogos do torneio desde 1998) vem estudando formas de criar uma transmissão no “Modo Game”, em que o espectador poderia mudar os ângulos das câmeras para que a transmissão se pareça com o universo da Premier League no EA Sports FC.
Por fim, por mais incrível que pareça, já tem gente no mercado sugerindo mudanças inclusive nas regras de alguns esportes, como tênis, basquete e rugby, para que fiquem mais curtos e palatáveis à audiência. A MLB implementou um limite de tempo para forçar os pitchers a lançar a bola mais rápido. A Fórmula 1 criou a Sprint Race. E o críquete, um esporte totalmente desconhecido por aqui, que tinha jogos que chegavam a demorar dias, agora já tem uma versão (Twenty20) que dura “apenas” algumas horas e que não à toa se tornou um dos mais valiosos eventos de críquete no mundo.
Vale destacar, no entanto, que nem todos os esportes parecem ter esta preocupação. O MMA e o boxe ainda despertam o interesse dos mais jovens não só por conta da imprevisibilidade de uma luta que pode durar 30 minutos ou terminar em 30 segundos, mas também a facilidade de compartilhamento dos nocautes e finalizações nas plataformas sociais.
A disputa pela atenção está cada vez mais acirrada. O esporte sempre foi visto com bons olhos por todas as plataformas, pois ele ainda é o único conteúdo que é preferencialmente consumido ao vivo, o que gera valor para atração e retenção de assinantes. Mas resta saber como o esporte e as novas gerações irão se comunicar. O tempo dirá quem prevalecerá nessa disputa.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte