O Tratado Antirracista da Liga Nacional de Basquete

Rafael Rocha Garcia é coordenador de sustentabilidade da LNB e elaborou o Tratado Antirracista da entidade - Divulgação / LNB

A coluna desta quinta-feira (18) foi escrita, a meu convite, por Rafael Rocha Garcia, coordenador de sustentabilidade da Liga Nacional de Basquete (LNB), que elaborou o Tratado Antirracista apresentado para a imprensa nos últimas dias. O texto segue abaixo:

O esporte sempre foi uma grande paixão na minha vida, fomentando grandes momentos e construindo sonhos profissionais. Como fisioterapeuta, trabalhar no basquete e conhecer outras culturas foi algo realizador. Em contraponto, e indo a um sentimento inverso, tive que lidar com o racismo fazendo parte desse jogo; sendo assim, nunca imaginei que esses sentimentos ambíguos, misturados com grande profundidade, pudessem um dia se transformar em um Tratado Antirracista pela Diversidade da Liga Nacional de Basquete.

No ano pandêmico, em uma das maiores crises sanitárias já vividas no mundo, lembro que duas situações me transpassaram: o caso de George Floyd nos EUA e o de João Pedro, um jovem carioca morto dentro de casa por um tiro de fuzil enquanto brincava respeitando o distanciamento social. Essas duas situações me atingiram fortemente criando a necessidade de fazer alguma ação prática em um tema que sempre me incomodou. Nesse momento, recorri ao esporte como ferramenta e plantei uma semente, tendo o Movimento Black Lives Matter como cenário para que o posicionamento dos atletas contra o racismo pudesse ser a saída para que houvesse a aceleração das pautas raciais no combate à discriminação.

Passada a pandemia, a sociedade volta a se movimentar com o sentimento de mudança que fortaleceu a discussão de pautas antes esquecidas. De um momento de euforia inicial até o descrédito no processo de mudança, deixei a ideia anterior congelada por várias outras novas lesões que o racismo me trouxe no decorrer do tempo. Como já havia apresentado essas ideias para algumas pessoas, recebi um convite da Liga Nacional de Basquete para me ouvir sobre essa temática. De um descrédito inicial até o dia de hoje, um longo período de relação foi desenvolvido. A liga identificou a necessidade de um novo posicionamento em relação ao tema, sendo assim buscou ouvir os personagens com lugar de fala para propor medidas práticas de mudança.

Dessa forma, essa relação foi se consolidando com ações efetivas que pude acompanhar, como a abertura de vagas afirmativas, a fundação de um comitê de combate ao racismo, do qual fiz parte e que foi formado por diversos representantes do ecossistema do basquete. Outro ponto determinante foi a aprovação dos clubes ao combate ao racismo como bandeira de ação da liga, inclusive com investimento financeiro nesse processo. Ao presenciar cada etapa construída, tive a esperança de que algo sólido brotaria desse movimento.

O Novo Basquete Brasil (NBB) é formado pelas ações de vanguarda no esporte desde sua fundação, por meio de movimentos orgânicos com iniciativas socioambientais dos clubes e da própria LNB com ações frequentes nas temporadas. Esse DNA de responsabilidade levou à abertura do departamento de ESG (sigla em inglês para a métrica que alinha as empresas nas causas ambientais, sociais e de governança), algo ainda novo no mercado esportivo, com o alinhamento do combate racial a essa métrica.

Quando fui convidado para coordenar essa área, já tinha trocado a desconfiança inicial por uma motivação de encontrar processos e movimentos sólidos para o desenvolvimento da pauta racial. Com a plataforma ESG, reencontrei a conexão que precisava para voltar a acreditar no esporte como ferramenta no combate ao racismo, porém agora com uma visão institucional e mais abrangente de todo o impacto que o esporte pode causar na sociedade.

Depois de estruturar as ações do departamento, o foco voltou-se para o alinhamento da decisão dos clubes no combate ao racismo. Assim, o conceito do Tratado foi construído por meio de uma imersão em estudos sobre as obras filosóficas de estudiosos negros, em que encontrei na concepção do racismo estrutural do jurista Silvio de Almeida a base para desenvolver o conceito principal, como concepção, e na coleção “Feminismos Plurais”, de Djamila Ribeiro, a base para entender o racismo e sua tipologia. Tudo alinhado com as leis e processos governamentais sobre o tema.

E nasceu, então, o Tratado Antirracista da LNB. Naturalmente que a escrita deste tratado trouxe uma dose de busca interna, pois tive que mergulhar em dores pessoais que a temática me trouxe. Agora, revisando todo o processo, percebi que esse conceito estava incompleto, pois depois de um tempo entendi que as causas da diversidade deveriam ser incluídas, fechando o conceito final do Tratado Antirracista pela Diversidade da LNB. Não se pode falar de combate ao racismo e semicerrar os olhos para questões tão importantes como a LGBTFobia, a xenofobia, o capacitismo e a violência contra a mulher, por exemplo.

Nesse novo conceito, uma luta antirracista e pela diversidade se dá pelo contexto analítico e não mais moral, propondo, por meio de ações práticas, uma nova linha de ação com a criação de um “Protocolo de Ações” quando o crime ocorrer. Essas ações foram materializadas por meio de treinamentos para agentes de segurança e que fazem parte do jogo como comissões técnicas das equipes, representantes da LNB, árbitros, atletas e treinadores. Além disso, a aplicação da regra disciplinar do campeonato, gerando punições quando ocorrerem as infrações. Cartazes com QR Codes do Protocolo Antirracista serão afixados nos ginásios, orientando as vítimas e a todos como agir em caso de sofrer ou presenciar crimes de racismo e contra a diversidade, criando assim uma zona de combate permanente à causa.

Cabe às instituições esportivas a decisão de tomar os caminhos da omissão ou da ação no processo. Os clubes da LNB decidiram agir contra essa temática em uma zona de aprendizado e descontinuidade de ideias enraizadas no esporte nacional, propondo um novo posicionamento em relação à temática, abertos às mudanças contínuas nos seus processos e entendendo que o basquete brasileiro tem os ingredientes necessários para a criação de uma nova cultura de acolhimento e respeito ao próximo no esporte nacional.

Alvaro Cotta é diretor de marketing da Liga Nacional de Basquete (LNB) e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Rafael Rocha Garcia é coordenador de sustentabilidade da Liga Nacional de Basquete (LNB) e responsável pela elaboração do Tratado Antirracista pela Diversidade da entidade

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