Nos primórdios das plataformas de streaming, a Netflix, como primeira grande marca deste mundo, chegou licenciando conteúdo de todos os grandes estúdios. Eram conteúdos que já tinham explorado todas as suas janelas (cinemas, PPV, Pay TV, TV Aberta, etc.) e que estavam ali para gerar mais alguma receita aos produtores.
Com o passar do tempo, os estúdios perceberam o valor do seu conteúdo original e começaram então a buscar soluções tecnológicas para poderem eles mesmos explorarem esta janela, sem precisar dividir a receita com um terceiro. Assim, surgiram então Disney+, Paramount+, HBO Max, etc.
A Amazon, que nasceu como um e-commerce e não tinha nenhum histórico de produção, foi buscar um parceiro para criar um catálogo minimamente interessante e, assim, poder concorrer de “igual para igual” com os grandes estúdios. A estratégia foi então comprar todo o acervo da MGM para turbinar o seu Prime Video.
Com os estúdios interrompendo os seus licenciamentos a terceiros e a concorrência crescendo, Netflix e Prime Video passaram então a gastar bilhões de dólares anualmente para produzir conteúdo relevante para os seus assinantes e, dessa forma, poderem manter suas curvas de crescimento. Além disso, ainda perceberam o valor do conteúdo local, ou seja, não adianta gastar tudo em produções americanas; para manter o público no Brasil, é preciso ter conteúdo brasileiro; para manter o público na Índia, é preciso ter conteúdo indiano; e por aí vai.
Chegamos então a um momento em que várias plataformas estão gastando bilhões e bilhões de dólares em conteúdo de entretenimento para aumentar sua base de assinantes, sem perder quem já está lá dentro. Mas, por mais interessante e relevante que seja este conteúdo para um assinante, ele pode assinar por um mês, vai lá, maratona tudo o que gosta, e então cancela. Talvez fique dois ou três meses, mas acaba cancelando. É para tentar estender esta janela de assinatura que alguns dos grandes sucessos, aqueles que chamamos de “subscription drivers”, não necessariamente são lançados com a temporada completa, mas um ou dois episódios por semana.
Olhando para este cenário, qual é o tipo de conteúdo que pode “lançar” semanalmente um episódio novo, fresco e que vai despertar o interesse do assinante, fazendo com que ele permaneça vários meses por ali pagando sua mensalidade? Para mim, a resposta é muito clara: o esporte tem esse poder.
Além de arrecadar mais assinaturas, o esporte ajuda a manter o assinante lá dentro, pois quando o cliente pensa em cancelar, vem à cabeça: “Eu ia cancelar o serviço, mas semana que vem tem um jogo legal que quero ver e só poderei ver aqui. Vou manter a assinatura por um pouco mais de tempo”. Quando ele percebe, já assinou praticamente o ano todo.
Nas minhas conversas com alguns dos grandes players para oferecer conteúdo do portfólio da IMG, todos os clientes e prospects respondem a mesma coisa: “Não me interessa um conteúdo pontual, precisamos de conteúdo que se estenda por vários meses para que nos ajude na retenção”. Apenas para exemplificar, é muito mais interessante para uma plataforma ter os direitos da Uefa Champions League do que da Euro, por exemplo. Por quê? Simples: a Champions vai de agosto a maio, todos os anos, enquanto a Euro ocorre a cada quatro anos e apenas durante os meses de junho e julho.
Outro exemplo é o circuito ATP, que vale muito mais como estratégia de conteúdo do que ter apenas um ou dois Grand Slams. Mesmo com todo o glamour que tem um Grand Slam, trata-se de um torneio que dura apenas duas semanas, enquanto o circuito da ATP vai de janeiro a novembro absolutamente todo ano. Quer mais um exemplo? O UFC é outro excelente exemplo de conteúdo de atração/retenção, já que são 42 eventos anuais sem “off-season”.
Com isso, o valor do esporte cresce também no universo do streaming, pois é um enorme “subscription driver” e ajuda na retenção dos clientes. Quando o assinante não tem conteúdo ao vivo para assistir, ele acaba buscando outras opções dentro da plataforma, mas o esporte é, sim, um ponto importante nessa estratégia.
E aí voltamos lá no início desta coluna: não é o esporte pelo esporte, mas o esporte relevante para determinado público/território. Obviamente que as grandes marcas do esporte são importantes, mas o conteúdo local ainda é o mais relevante e o que desperta maior interesse.
Eis alguns exemplos recentes: a Apple, que ainda tem uma das plataformas de OTT menos relevantes, fechou um acordo global com a Major League Soccer (MLS) por dez anos, por algo em torno de US$ 2,5 bilhões. Além disso, está no short list de interessados pelo Sunday Ticket da NFL, ao lado de Amazon e Disney.
A Amazon, como seu primeiro passo esportivo aqui no Brasil, buscou um sublicenciamento da Copa do Brasil. A Paramount chegou no esporte emplacando um pacote da Conmebol Libertadores e um pacote da Conmebol Sul-Americana aqui no Brasil, além de comprar a Premier League para o território mexicano.
Podemos até pensar em cancelar nossa assinatura porque já assistimos a todos os filmes e séries que nos interessam, mas, ao lembrar que na semana seguinte tem um jogo do nosso time do coração exclusivo por lá, acabamos repensando e mantendo a assinatura por mais tempo.
O esporte é o único conteúdo que faz com que o espectador pare para assistir com hora marcada, já que assistir ao vivo é o que importa. E começo a crer que é também o único conteúdo capaz de atrair e reter assinantes por um período mais longo.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte