Há 22 anos, participei de um processo seletivo dentro do programa “Estagiar”, da Globo. Uma das coisas que me chamou a atenção, dentro da parte de dinâmica de grupo, era de que estávamos, na mesma sala, estudantes de jornalismo, engenharia, administração, direito e publicidade. Era gente de tudo que era tipo participando de um processo seletivo.
Foi ali que comecei a entender que a televisão, na verdade, é um meio em que o jornalista pode até ser o rostinho conhecido do público em geral, mas que ele só chega até a casa das pessoas se houver um time de engenheiros, técnicos em informática e diversas outras áreas muito bem-preparados para fazer com que tudo funcione redondamente nos mínimos detalhes.
Neste final de semana, relembrei exatamente dessa entrevista na Globo há duas décadas. Lembrei do discurso preparado de um estudante de engenharia dizendo que o sonho dele “era estar entre os melhores” e que, por isso, ele se via como um engenheiro da Globo.
Mas por que evoquei essa memória? Pelas presepadas que têm acontecido na transmissão de alguns campeonatos estaduais pelo Brasil adentro no novo mundo multiplataforma que o futebol quer adotar. A gota d’água parece ter sido a não-exibição do jogo do Vasco contra o Boavista, por uma pretensa falha de comunicação de qual canal precisava ser plugado pela Claro para o jogo ficar disponível para o público.
Em São Paulo, as primeiras transmissões do Paulistão com uma produtora unificada também estão no limite do aceitável. Em diversos jogos o sinal “pula”, colocando a barra de cores na tela ou inscrições de sinais de satélite. Isso sem falar no pavoroso áudio de Guarani x São Paulo, em que o narrador agradecia o repórter pela informação que não era ouvida pelo público.
As falhas acontecem, mas elas apontam para algo que o futebol parece ter se esquecido de pensar na hora de romper com o “status quo”.
Defendemos há quase 17 anos, aqui na Máquina do Esporte, a independência do esporte da mídia. Como sempre costumo frisar, o veículo de mídia deve ser meio, e não fim, em uma transmissão esportiva. A TV é quem paga a maior parte da conta, claro, mas ela não pode assumir o protagonismo que deveria ser do esporte. Para piorar, confundimos parceria com subserviência à mídia ao longo de várias décadas.
Agora, porém, temos procurado reduzir essa dependência rompendo de uma vez com o sistema e não nos preparando para atender o público consumidor do futebol da forma como ele estava acostumado. Ou, pelo menos, não dando a ele a atenção devida.
Como disse, falhas acontecem, mas elas não podem ser fruto de um erro primário na produção de um evento esportivo. De nada adianta falar em inovação se o básico não é feito. A falha técnica de engenharia mostra como o esporte não está preparado para ser independente.
Mal comparando, o que os clubes querem fazer, em nome da “independência da mídia”, é produzir a própria camisa de jogo sem ao menos saber que, para isso, é preciso comprar tecido para poder fabricar o uniforme.
O público do futebol não é a TV, o patrocinador ou o atleta. É O TORCEDOR!!!!!!!!!
Hoje, por mais que existam diferentes plataformas possibilitando o contato do torcedor com o jogo de futebol, o produto que é entregue para ele é de pior qualidade.
Se os clubes ainda estivessem ganhando mais dinheiro para fazer isso, poderia se justificar a decisão tomada. Mas entregar um produto pior e ganhar menos por isso é algo que qualquer estudante de primeiro ano de faculdade de administração sabe que é impossível de dar certo.
Temos de ter, no futebol, a mesma mentalidade daquele estudante de engenharia postulando uma vaga em uma emissora de TV. Queremos estar entre os melhores. Para isso, não adianta posar de moderno por fazer transmissão em várias mídias se o produto não consegue chegar para o consumidor. É a regra básica dos 4 P’s do marketing que, mais uma vez, é rasgada pelo futebol brasileiro.
Ao mesmo tempo, os Estaduais, que já eram questionados tendo altos índices de audiência na TV aberta e fechada, sem falar na sustentação que dava ao PPV, agora alcançam cerca de 50% a menos de público. Além de um produto pior, estamos reduzindo a distribuição do jogo.
É preciso olhar para o torcedor. Não dá para esquecer disso. Até porque ele é a fonte de receita que nos fará sermos, de fato, independentes da mídia.